quinta-feira, novembro 30, 2006

Sugestão T&L



Llorca - Indigo Blues

Nesta véspera de fim-de-semana prolongado, aqui fica um belo pedaço de house music.
O seu autor, Llorca, músico e DJ, tem já um trabalho interessante.
Esta canção é “Indigo Blues”, recuperada do álbum Newcomer de 2001. Conta com a mais-valia da voz líquida de Nicole Graham.
Ah, ... e também dá para dançar!

terça-feira, novembro 28, 2006

ZOOMático


No quentinho da esplanada

segunda-feira, novembro 27, 2006

Paris à luz da(s) (suas) história(s)

Num espaço de pouco tempo e pela conjugação de factos forjados pelos caprichos do acaso, fui confrontada com 3 retratos da(s) cidade(s) de Paris. Através de dois filmes no grande ecrã e uma série televisiva, em DVD, (re)vi 3 histórias díspares passadas em épocas muito próximas – de meados do século XVIII a meados do século XIX –, testemunhando 3 reconstituições históricas interessantes, em cenários (quase) coincidentes ou vizinhos da cidade de Paris. E, no entanto, aos meus olhos de espectadora, desfilaram três cidades (muito) distintas.
Mas, como por magia, os ecos amalgamados das três obras encaixaram como 3 peças de um estranho puzzle reconstruído na minha mente. Conhecia o enredo de todas elas – duas, com pormenor, pela leitura dos livros que lhe serviram de base, a outra, razoavelmente, pelo pequeno pecúlio acumulado de conhecimentos da História.
A (cronologicamente) primeira narrativa começa a 17 de Julho de 1738, e apresentou-me uma Paris escura e pestilenta. É a história de Jean-Baptiste Grenouille, perfumista por ofício e inelutável imposição natural, contada no livro de Patrick Süskind, "O Perfume", best-seller, que, apesar da sua enorme fama, apreciei moderadamente e, sobretudo, pelo interessante retrato de época e de cheiros. A aventura alquímica daquele ser sem cheiros mas dotado de um olfacto inusitadamente apurado começa, então, numa cidade nauseabunda. A procura da essência ideal condu-lo a outras paragens e a crimes hediondos. O filme, com a escolha das músicas, o alargamento ritmado de planos e as perspectivas ondeantes das câmaras, conseguiu transmitir-me a (pretendida) sensação de uma voragem olfactiva. A contenção representativa do protagonista (Ben Whishaw) e o credível Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman) contribuíram para que as minhas (medianas) expectativas não fossem defraudadas. Julgo, assim, que vale a pena ver este filme, apesar das críticas pouco abonatórias.
Da Paris fétida onde Grenouille decide desaparecer da superfície da terra, em Junho de 1767, depois de constatar a vanidade do desejo de criar uma essência imorredoura, passei para uma outra cidade – uma luxuosa cidade dentro (nos arredores) da cidade de Paris: Versalhes, em 1768.
O gigantismo do edifício do Palácio de Versalhes, o brilho da sua faustosa sala dos espelhos, a vastidão verde dos jardins geométricos monopolizam espacialmente a narrativa. Na verdade, só com uma pequena incursão no interior da Ópera, a cidade de Paris aparece na fotografia.
Os espaços e a sua sumptuosidade assumem um papel principal na história. Dão-nos a medida da solidão e do desenraizamento da outra protagonista: Marie Antoinette. L`Autrichienne, depois de se casar, em 1770, com apenas quinze anos, vê a vida decorrer sob o olhar de todos com uma privacidade minguada, num quotidiano rigorosamente ritualizado, cuja prerrogativa de assistir e participar era concedida a um selecto número de privilegiados.. Kirsten Dunst é esta teenager, feita rainha após a morte de Luís XV, que procura sobreviver ao vazio da sua existência num mundo de hipocrisia.
Apesar das criticas negativas, eu gostei muito do filme. Fica atrás do poético "Lost in translation"? Ou do entusiasmante (arrepiante?) "Virgens Suicidas"? Talvez. Há estagnação criativa? É possível. Eu limitei-me a apreciar o quadro e gostei. É mais uma visão original de Sofia Coppola, in casu sobre factos históricos (vide as extraordinárias imagens da existência pós-oferta do Petit Trianon). E, de qualquer modo, eu já estava precavida depois de ler as palavras de Pedro Mexia, num artigo sobre o filme: "... não se espere exactidão factual num filme que toma a sua heroína como um caso e não como um exemplo". Assim de sobreaviso gostei da (discutida) combinação musical e até do fugaz aparecimento de umas modernas sapatilhas que espreitam entre o calçado de época.
Fica em pano de fundo a vida difícil dos populares, que intuímos pelas necessárias subidas de tributos que vão sendo discutidas. Sentimos eclodir a Révolution. Chegam-nos ecos da conquista da Bastilha. O filme termina, aliás, com a transferência da família real para o Palácio das Tulherias, em Paris, seguindo o clamor dos revolucionários. Dos populares, dos membros do terceiro estado ..., enfim, dos miseráveis.
E são eles que encontro, já em período de Restauração, após a batalha de Waterloo e da retirada de cena de Bonaparte, depois de muitos episódios da demorada revolução, ao rever, agora em DVD, a série que vi originariamente na rtp2, aos domingos, ao fim do dia: Les Misérables.
Gérard Depardieu é um Jean Valjean de corpo inteiro. Encarna na perfeição o degredado, que procura fugir ao destino de criminoso que a Sociedade (e, antes demais a justiça) lhe procura impor depois de um acto (ilícito?) desesperado de furto para matar a fome. Com a sua documentação amarelada de degredado, e não sem antes titubear, volta ao caminho do bem, depois de o bispo Myriel lhe ter comprado a alma com dois candelabros.
John Malkovich é, também, um extraordinário Javert, implacável no cumprimento da sua missão como inspector da polícia. Adepto das teorias lombrosianas e de um determinismo férreo, adopta a máxima de que um criminoso será sempre um criminoso.
O elenco é, aliás, todo muito bom. Uma palavra merecem, entre outros, Christian Clavier, como taberneiro trapaceiro Thénardier, Jérôme Hardelay como simpático endiabrado Gravoche e Charlotte Gainsbourg, como sofrida Fantine
Não sendo totalmente fiel ao livro, é uma série de qualidade. Os episódios essenciais estão lá, a alma das personagens não foi roubada, o espirito da obra está presente. Faz jus ao livro que tanto me maravilhou, apesar do maniqueísmo das personagens que são encarnações típicas e monolíticas do bem do mal, da desonestidade e da rectidão. Et pourtant, marca pelos belos frescos da época e, sobretudo, pela intemporalidade das suas lições e das questões que coloca. A ideia da necessidade da escolha de caminhos e dos valores por que se deve pautar a existência; a constatação paradoxal de que o respeito cego pela lei positiva pode redundar numa justiça formal oca, e, portanto, injusta; a problemática da finalidade prosseguida pelas penas e a (abolida) privação (acessória) de certos direitos ad eternum, criando uma espécie de morte civil.
Na sua simplicidade é uma história que faz pensar. E a série pode ser uma interessante prenda de Natal.
Enfim, apetece-me dizer "Je t`aime Paris". Mas esse filme já saiu de cartaz ... escapou-me!

domingo, novembro 26, 2006

Homenagem


Mário Cesariny, O Espelho, 2001.

Homenagem
(a Mário Cesariny)

A música corre-te nas veias
Por entre pincéis de tons mil
E palavras sedentas cinzentas
Que nem sequer aceitam um til.

"Escrita rebelde, surrealista" –
Assim te descreveram.
Para mim era visão comunitarista
De dias que sóis morderam.

Pousas agora a pena,
Habitas agora o eterno
Banco de açucena.

Deixaste a tela inacabada
Ao pé da janela onde lias
Contos de uma tal fada.

F.L.

Cesariny (1923-2006)

Faz-me o favor...
Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.
Tu és melhor - muito melhor!-
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.
                          de "O Virgem Negra", Mário Cesariny.
                    

Post scriptum


José Saramago, “As Pequenas Memórias”.
Ed. Caminho, 2006, € 8.50.

“As Pequenas Memórias” de Saramago assumem-se, despretensiosamente, como um pequeno livro. Não tanto pelo volume de páginas, mas pelo interesse da história que encerra.
Falar da infância é sempre um momento de reencontro com o passado, de religar o que ficou perdido nas brumas do tempo e de exercitar a memória qual músculo que com o tempo vai perdendo a tonicidade de outrora. Nesta perspectiva, o livro cumpre os seus objectivos, por intermédio de uma escrita escorreita e bem pontuada (afinal Saramago sabe pontuar. Mais dificuldade nos habituais parágrafos longos).
É o autor que aos 84 anos decidiu, de algum modo, render-se à lógica capitalista que tanto diz repugnar. A época do ano em que o livro é lançado, algum espectáculo mediático junto da terra que o viu nascer e uma tradução quase simultânea na terra que o adoptou como filho, demonstram que o nosso Nobel lida muito melhor com as coisas do seu tempo (tê-lo-á sempre feito?).
Há alguns relatos que nos embevecem, como aquele em que a criança Saramago recebe o apelido em jeito de alcunha contra a vontade do pai, o da queda em tropelias de criança que redundam em um joelho esfolado. Surpreendem-se assomos de ternura e austeridade na relação com a avó Josefa e de cumplicidade escondida com o avô de feição militarista.
Ficamos a conhecer melhor o inner circle do Autor, bem como algumas causas de interesses demonstrados em obras como “Levantados do Chão”, “Manual de Pintura e Caligrafia”, “Todos os Nomes” e “Ensaio sobre a Cegueira”.
Talvez a “pequenez” – aqui empregue a palavra no sentido mais próximo da sua origem etimológica – tenha contribuído para uma leitura algo sincopada de “As Pequenas Histórias” que, a dado passo, se mostra algo fastidiosa pela mera adição de episódios comuns e em relação aos quais esperava uma magia particular na altura de os transpor para o papel. Contudo, bem vistas as coisas, Saramago assume-se como mais um dos filhos de Azinhaga do Ribatejo. Pode ser sinal de humildade, mas a um escritor como este exigia-se o esforço suplementar de retroagir através de um óculo de cores multímodas. Assim não foi. É pena.

sábado, novembro 25, 2006

Do meu e-mail (III)


É por estas e por outras...
Novo logotipo da Casa Pia de Lisboa. Falta de gosto... e de conhecimentos mínimos de "marketing"...

sexta-feira, novembro 24, 2006

Brasas

Brasas quentes ardendo
Na lareira a que o velho se senta,
Deixando as horas passar
Em vagar ronronante
De vida madura.
A geada soprada da serra
De branco o casario vestindo
D’alvura que ostenta.
A velha sozinha a dobar
De pele enrugada reinante.
Não há lugar para a amargura
No dia que Prometeu carrega,
Porque é mais pesada a brancura
De vida honrada qu’enleva.

Brasas no céu ardendo,
Gelo na terra tremendo!

F.L.

Funeral

Corpo que parte
Em caixão reluzente,
Empunhado por quantos
Em vida a amaram,
Amachucado por outros
Que sempre a odiaram.
Os sinos retinem,
As farpelas reluzem,
O caminho feito de sacrário
É percorrido debaixo de chuva
Intensa, aborrecida, ofendida.
O púrpura do pastor
Das almas confiadas
Contrasta com a cor
Dos abutres que corpo ainda quente
Deitam contas à vida
E só por uma réstea de vergonha
Não assaltam a algibeira da morta.

Despachar se pretende
O momento de luto mascarado
De conversas inúteis
De gente circunstante
Que conta piadas,
Que ri apressada,
Que reza e se benze,
Que persigna e se ajoelha.

Remendo de gente,
Espelho de alma,
Quem disse que a Morte
Não é engraçada?

F.L.

ZOOMático
Fios de água

quinta-feira, novembro 23, 2006

PALCO DAS TRETAS - MORGANA

Há temas que perturbam a Humanidade desde sempre e que certamente continuarão a fazê-lo, como é o caso da eterna e universal luta entre o Bem e o Mal. Sempre actual, é esta dicotomia que pinta de cores variadas e, por vezes, indefiníveis, o palco do Auditório Municipal de Vila Nova de Gaia, onde, até ao próximo dia 10 de Dezembro, de quinta-feira a domingo, é representada pelo Teatro Experimental do Porto a peça MORGANA.
Foi Paulo Mira Coelho quem escreveu o texto de MORGANA, baseado em lendas populares originárias de Gales e da Bretanha de língua céltica, contadas e desenvolvidas a partir do século XII em vários países, dando origem a inúmeros livros, de que é exemplo o livro de Marion Zimmer Bradley, As Brumas de Avalon.
As personagens desta história são os já conhecidos Rei Artur, Merlin, Morgana, Gwiniviere, Mabus e Mordred. Artur, herói de emocionantes aventuras, nasceu por influência do feiticeiro Merlin, que o educou para ser um rei corajoso, sensato e justo. Morgana, a sua meia-irmã, é o oposto, representando a inveja e a perversidade. O seu aspecto atraente e as suas motivações suscitam, porém, a nossa compreensão e até alguma simpatia: pretendendo cumprir os seus desígnios de mulher e buscando felicidade e amor, Morgana clama aos céus o nascimento de um filho. No entanto, tendo em vista colocar um emissário no domínio do mundo terreno, apenas Lúcifer está disposto a satisfazer-lhe o desejo, apresentando-lhe a visão do filho, Mordred, que seria gerado pelo seu irmão, Artur. Morgana não chega a compreender que Mordred e Artur formam as cargas negativa e positiva da mesma entidade, pois não sabe que a mesma pessoa tem em potência o Bem e o Mal.
As duas faces do mesmo ser representam os dilemas que a vida coloca aos Homens livres, condenados a escolherem autonomamente o caminho que irão percorrer. Artur não escapa a esta realidade tão humana quando sucumbe às investidas sedutoras da sua maquiavélica irmã. É a prova de que o Bem e o Mal não encontram poiso em personagens unívocas. Todas elas questionam o amor (“O amor só é apanágio dos reis e dos ladrões, mas são estes seres verdadeiramente livres?”), o prazer (“O prazer antecipado é sempre maior do que o obtido”), a pureza da alma (“O brilho espiritual de uma alma desperta e afasta os cinco ladrões e a intempérie!”), a rectidão (“O olhar de um homem à procura de Deus devia ser uma linha recta.”), a lei (“Mesmo tu, rei de Avalon, estás sujeito à lei! Ninguém está mais preso à lei do que aquele que se sente livre!”), o sentido da acção (“Na cama em que te deitares, dela te levantarás!”; “Não há inferno – só consequências dos actos.”) e a responsabilidade (“Sei que não nasci para viver como um homem, mas sim para lutar por memórias futuras.”).
É Ruy de Carvalho quem aparece como cabeça de cartaz de MORGANA. No entanto, apesar da interpretação competente do vetusto mago e conselheiro com o dom de ouvir, não é a estrela que mais cintila em Avalon. Esse lugar pertence a Mónica Garcês, magnífica no papel da indomável e majestosa Morgana, tocante no papel da mulher amargurada e desiludida com Artur, “um homem que navegou em mim sem descoberta nem amor”. De assinalar ainda a estreia em teatro de Ricardo Trêpa (sim, o neto de Manuel de Oliveira), que, apesar da sua já assinalável experiência no cinema (sobretudo em filmes realizados pelo avô), acusa a inexperiência no teatro, apesar de devermos aplaudir o seu primeiro papel como Artur, o rei amargurado e atormentado pelos enigmas da vida.

Vale a pena não perder a oportunidade de ver, mais uma vez, o TEP em Gaia.
Moloko - Forever More

Num post do início desta semana revelava-me (super) fã dos Moloko e da sua vocalista Roisin Murphy.
Ora, como hoje é quinta-feira - dia da semana em que me sinto particularmente sensível a coreografias! - aqui deixo o clip da música “Forever More” do último cd dos Moloko “Statues".

quarta-feira, novembro 22, 2006

Do meu e-mail (II)

http://video.google.com/videoplay?docid=5758151329848881555

Vejam este link. É obrigatório!

São 24 minutos de puro divertimento, do mais fino Portugal, das caras mais larocas da nossa praça, dos ditos mais inteligentes em milhares de anos de Homo Sapiens. Tudo na zona Norte do nosso querido Portugal. A educação e a cultura, em todo este marasmo de País estão, nestes apanhados televisivos, expostos no seu melhor.

Garanto-vos que chorareis a rir!

E lanço um desafio: qual o momento mais marcante destes apanhados? O mais votado terá direito a lugar de destaque no T&L. Tudo em prol da nossa língua! Vá, toca a ouvir esta gente erudita e a participar neste “piqueno” “cancurso”!

Ficam algumas pérolas para abrir o apetite:

Se o “patrom” me “tiver” a “oubir”, que diga que tem aqui um “beinelaiden” aqui à porta dele…

Vila do Conde tem a sua natureza natural…

Esse é o cartão de visitas da cidade? Não, cartão de visitas não tenho…

Vamos tentar danificar a camisola.

A nossa divisão é mais baixa “cá” deles.

Somos 11 contra 11… todos somos seres humanos.

Fazer emergir as 400 t que estão debaixo de água.

Zé Nando (genial!): Embora seja distrital mas não somos pecos!

Não se deve medir os clubes aos palmos.

O que a trouxe cá? Uma camioneta….

Não podemos fazer como a avestruz e meter a cabeça debaixo de água!

O que falta aqui em Vila do Conde? Não sei…

Quantas ele “viuloubos”…quantas vezes…

Do povo, né… Pra que coisas, né…

A porcaria das retretes pra onde vai? Tudo come, tudo come, pra onde vai? E tudo passa…

Concreto, quem? A “Câmera” não informa…

O embargo é pra parar e o embargo é pra seguir em frente!

O Mário Soares que venha cá resolver os meus problemas! Ele foi Presidente da República, não foi?

Acho mal esta estátua. Ele tá c’o a mão no “penes”…

Esta é uma ilha desagradada.

Vieram “desentapuir” os canos.

Disseram-me que ele “tava” morto. Eu até fiquei mais doente que ele, só que ele “tava” morto, não é?

Tinha visto através da rádio.

Eu já sofro da cabeça a quase de nascença. Fui reformada por a cabeça.

Uma casa de uma neta minha “teve" em perigo de vida!

Sic transit gloria mundi.

terça-feira, novembro 21, 2006

Porto de Vista esclarecida (II)



O/A anónimo/a acertou. Trata-se do edifício que se situa na esquina da Rua Fernandes Tomás com a Rua do Bolhão. Encontra-se em razoável estado de conservação. A cobertua de azulejos corta, com elegância, a sobriedade da pedra. Apesar da apurada pesquisa, não descortinei qualquer referência particular a este edifício em guias e outros livros sobre a cidade do Porto, nomeadamente nos do incontornável descobridor do Porto, Germano da Silva.
Aí se encontrou instalada a saudosa confeitaria Bonito`s. Curiosamente, aliás, essa seria a referência, por mim, eleita para identificar o edificio.
Há, no entanto, quem se lhe refira como a casa das pombas. Vox populi.

Porto de Vista (II)


Onde é? Aceitam-se apostas!

segunda-feira, novembro 20, 2006

ROISIN MURPHY - Sow Into You

Ruby Blue, editado em 2005, - o primeiro álbum a solo de Roisin Murphy - não defraudou as minhas expectativas.
Ouço-o repetidamente sem me cansar, como aliás me acontecia com os trabalhos dos (aparentemente defuntos) dilectos Moloko.
Roisin contou com a preciosa colaboração de Matthew Herbert para gizar uma magnífica fusão de música electrónica, jazz, rock e pop.
Gosto de todo o álbum. Se tivesse de destacar alguma faixa escolheria o exuberante “Ramalama”, ou o sincopado “Ruby blue” ou o pegadiço “If we`re in love” ou o calmo “Closing the doors” de encerramento ou ...
Sem esquecer, claro, este admirável “Sow into you”. Para um bom início de semana!

domingo, novembro 19, 2006

Curtas sobre metragens - Viúva rica solteira não fica


Viúva Rica Solteira Não Fica

Realização: José Fonseca e Costa
Argumento: João Constâncio, Mário de Carvalho, José Fanha, José Fonseca e Costa e Augusto Sobra

Elenco: Bianca Byington, Cucha Cavaleiro, José Raposo, Rogério Samora, Ricardo Pereira
Portugal / Brasil. 2006. 135 min

Argumento que podia ter sido escrito por Eça, filme que podia ter sido realizado por Almodovar ou outro dos “donos” do chamado “cinema de Autor”. Certo é que “Viúva Rica Solteira Não Fica” conta com a escrita sagaz, inteligente, mordaz e de crítica acertada de costumes (ridendo castigat mores, já dizia o nosso Gil Vicente) de João Constâncio, Mário de Carvalho, José Fanha, José Fonseca e Costa e Augusto Sobral e com a profissional realização de José Fonseca e Costa.

O cineasta já merecia um filme assim, capaz de retirar o cepticismo com que muitos portugueses (nos quais me incluo) encaram o cinema que por terras lusas (Casa da Ínsua, neste caso) se vai fazendo. Subsidiado – como quase toda a nossa Cultura (dado preocupante) –, a película percorre o final do séc. XIX e o início do século passado, acompanhando a história de D. Ana Catarina (Bianca Byington), filha de D. Francisco de Silgueiros, nobre emigrado no Brasil (fica a dúvida se se teria dedicado ao tráfico negreiro) e que regressa ao solar de origem onde - figura que me aparece central - o Sr. Abade (José Raposo irrepreensível, certamente a alma do filme) se esforça por estabelecer a ponte entre o divino e o profano, sempre auxiliado por uma excelente ama de D. Ana Catarina (Cucha Carvalheiro).

É genial o modo como a prática de crimes (Conde de Fallorca – Diogo Dória –, Capitão Malaparte – Rogério Samora – e Williamson – Anton Skrzypicie) é justificada com tautologias, com silogismos e teologia "de trazer por casa", num retrato a traço fino e fiel de um certo clero que desconfio não ter ainda desaparecido, mormente no interior do nosso País.

Ana Catarina vai matando sucessivos maridos até que atinge a felicidade junto a Adriano, afilhado (filho?) do abade (Ricardo Pereira uns furos acima das novelas, porém ainda com muito caminho pela frente), feito barão por uma realeza que se aproxima do fim e que desata a vender títulos.

A direcção de actores é eficaz e a fotografia, não sendo o melhor do filme, é suficiente. Os planos surgem em regra acertados, porventura necessitando, aqui e além, de um pouco mais de vivacidade a acompanhar um magnífica banda sonora.

Mais do que provar que os filmes portugueses também são de bom nível, com humor interessante e que não cedem à piada fácil, “Viúva Rica Soleira Não Fica” vale pelo argumento que nos transporta para o melhor que a nossa literatura já produziu em termos de crítica social e prova que as co-produções luso-brasileiras podem ser, de facto, frutuosas.

Rematando – e parafraseando o filme –, o problema daquele mundo (e do nosso) é “haver muitos copos”: leia-se, muito sítio onde nos revermos.

Vá lá, toca a ir ao cinema e usar o “slogan” de umas antigas bolachas: “o que é nacional é bom”!

sábado, novembro 18, 2006

Luz


Albano Afonso, Fazendo estrelas - Noite Estrelada após van Gogh.

O amador sabe-te com ele
E ele contigo
Numa comunhão não calendarizável.
Cingi-la contra a ombreira do Ser,
Aspergi-la de emoções,
Erguê-la ao infinito de uma palavra cálida
E aí permanecer,
Imóvel,
Em emaranhados braços que o ocultam.
Luz do seu ser,
Ponto nevrálgico de um centro que comanda
A linha férrea sem freio,
Mandante de um mandado
De cumprimento inelutável.
Aninha-te nele, sonho radioso.
Permanece nele, ó Dante odioso!

F.L.

Identidade

As fundações do Ser
Deambulam em namoro prazenteiro
Com a origem de um nome:
Designativo em si oco, inominado,
Que se impregna na pele
E nos não larga.
Podia, contudo, ser outro.
Tantas vezes uma espécie de oposto.
O acaso sem ocaso despertou
E de um monte inerte de letras
Modelou uma identidade.
Entidade que está em nós
À espera de ser descoberta e de descobrir.
Identidade porque na substância
O húmus de que bebemos
É idêntico.
Identidade e Diversidade:
Cascas de um ovo partido por mãos experientes
Que só em conjunto delimitam um conteúdo
Tantas vezes central como a gema,
Tantas outras lateral e fugidio como a clara.
Identidade é um dia em que a consciência do corpo
Se junta em coro uníssono e afinado
A uma alma que não quer ser
Mas aspirar a ser.
Idêntico a todos?
Sim, porque não?

F.L.

sexta-feira, novembro 17, 2006

COOL-Xeia de Música


Descobri, há pouco tempo, graças a uma gentil oferta (:-), um projecto musical interessante na área do jazz.
Trata-se dos "Quinto elemento", quarteto composto por Fátima Serro (Voz), Paulo Gomes (Piano), Hugo Carvalhais (Contrabaixo) e Paulo Coelho (bateria/percussão).
A ideia de que partem, e que explica o nome do grupo, é a de convidarem sempre um elemento exterior que os acompanha na preparação de cada novo trabalho. E assumem essa cooperação, dando o protagonismo ao músico convidado e acolhido no seu seio: o 5.º elemento.
Neste cd, o segundo da sua curta discografia e baptizado "Quinto elemento", vão ainda mais longe. Convidam, não um, mas dois elementos exógenos: Jorge Reis (saxofone soprano) e Paulo Pinto (guitarras
A sonoridade é muito agradável. Denota-se um assinalável trabalho a nível melódico.
O repertório escolhido deixa, no entanto, um pouco a desejar. Revelam ainda estar à procura do (SEU) caminho que pretendem trilhar.
Vale a pena uma audição atenta do cd deste grupo oriundo da cidade do Porto.

ECOS de uma frenética manhã chuvosa

Turner - Snowstorm: Steam Boat off a Harbour's Mouth

Porque terá desaparecido o prazer da lentidão? Ah, onde estão os deambuladores de outrora? Onde estão esses heróis indolentes das canções populares, esses vagabundos que preguiçam de moinho em moinho e dormem ao relento? Terão desaparecido com os caminhos campestres, com os prados e as clareiras, com a natureza? Há um provérbio checo que descreve a sua ociosidade por meio de uma metáfora: contemplam as janelas de Deus. Quem contempla as janelas de Deus não se aborrece; é feliz. No nosso mundo, a ociosidade transformou-se em desocupação, o que é uma coisa muitíssimo diferente: o desocupado sente-se frustrado, aborrece-se, procura constantemente o movimento que lhe faz falta."

Milan Kundera, A lentidão

Early Night Posts (10)

Pormenor da Cúpula da Rathaus em Potsdam

"Ao contrário de Parménides, parece que Beethoven considerava o peso como algo de positivo. (...) o peso, a necessidade e o valor são três noções intima e profundamente ligadas: só é grave o que é necessário, só tem valor o que pesa.
A origem desta convicção situa-se na música de Beethoven e, (...), hoje quase todos nós a partilhamos: para nós a grandeza de um homem reside no facto de carregar com o destino como Atlas carregava aos ombros a abóbada dos céus. O herói beethoviano é um alterofilista de pesos metafísicos."

Milan Kundera, "A insustentável leveza do ser", Publicações Dom Quixote, 1998, p. 43.

quarta-feira, novembro 15, 2006

World Press Photo 2006


A World Press Photo 2006 está patente ao público até ao próximo Domingo, dia 19 de Novembro, no Fórum da Maia, no seguinte horário: quinta, sexta e domingo entre as 15h00 e as 19h00 e no sábado entre as 15h00 e as 19h00 e entre as 21h00 e as 23h00. O bilhete, para o público em geral, custa 3€.
Vale bem uma visita!

Escrita


Robert Braithwaite Martineau, Kit's First Writing Lesson, 1852.

Na folha lisa e escorreita,
O lápis afiado e porfiador
Elabora percursos mansos
Em sinuosas ruas que se espraiam.

Escrever é desagrilhoar
O pó da memória em vão acumulado
E gritar,
E dizer alto,
Que revolta nos acomoda o peito,
Que afago nos acaricia a alma.

Escrever é arrojar o Futuro.
Ao alcance de um artigo,
De um pronome,
De um verbo.
Verbo é “criar”,
O início de tudo,
A sedição,
A ociosidade das palavras.

Tresfolgo a escrita
De um trago.
Acre, por vezes,
Libertador, sempre.

O ar está abarrotado de palavras.
As mais infalíveis estão, contudo,
Em bolsos de pequenas crianças,
De mãos rosadas e roliças,
Que as retiram em movimentos loquazes
E as levam à boca como rebuçados
Inspiradores da candura da infância.

Tu, Criança,
És quem melhor descreve o mundo,
Porque tu és a vagem verde viçosa
De uma aurora que não distingue nuvens.

F.L.

Ecos de uma peça de teatro – ou ecos de um texto e do talento de um grande actor

Há alguns meses, depois de assistir à representação da peça "À espera de Godot", no Teatro Nacional S. João, senti que cruzava as portas da bela sala de espectáculos do Porto acompanhada por um redemoinho de palavras. O texto de Samuel Beckett perseguiu-me, então, um par de dias. Precisei de algum tempo e esforço para conseguir despistá-lo e libertar-me da sua influência.
Refeita, assisti, agora, à peça "Começar a acabar" do mesmo autor. E a sensação repetiu-se. A torrente de palavras ficou, de novo, a ecoar, aprisionada na minha mente. O presente post serve, então, para deixar fluir o caudal palavroso.
No ano de centenário do nascimento do Prémio Nobel da Literatura de 1969, é representada pela primeira vez em Portugal, esta peça construída, em 1970, pelo próprio Beckett, a partir de três obras que escrevera depois do fim da segunda guerra mundial. ("Malone está a morrer", "Molloy" e "O inominável"). Trata-se de uma co-produção do Teatro Nacional D. Maria II, do Teatro do Bolhão e d`Os Crónicos. A interpretação está a cargo (e que bem que ele o desempenha!) de João Lagarto. Decorre no auditório da ACE/Teatro do Bolhão, à praça Coronel Pacheco, no Porto, entre 9 e 19 de Novembro.
É um monólogo. Dura pouco mais do que uma hora. O palco encontra-se vazio e mal iluminado por três lâmpadas de filamentos pronunciados. João Lagarto surge-nos andrajoso e poeirento. A peça - um exemplo do teatro do Absurdo, em que Beckett é exímio mestre - é um exercício, em solilóquio, sobre a angústia do fim. E, no entanto, ... ela ilumina o espírito.
Tudo começa com o (prenúncio de) fim. "Acho que em breve vou morrer. Podia morrer hoje mesmo se fizesse um bocadinho de força." – eis a confissão de quem nos surge, em passo arrastado, na penumbra do palco. Um mendigo? Um "mendigo de alma" (na expressão feliz de João Lagarto)? Podia ser Vladimir ou Estragon de "Á espera de Godot". É mais um louco beckettiano ("Todos nascemos loucos. Alguns permanecem assim" como nos diz, na agora citada, famosa peça). Como aos demais, ainda lhe sobra uma réstia de esperança. Admite sobreviver mais alguns meses, até à Ascensão. Mas, a partir daí, o mundo prosseguirá sem ele.
Que mundo? Um mundo próprio com uma lógica diferente. Um mundo de que não se atreve a sair. Um mundo que não muda. ("... nada muda aqui desde que cá estou, mas não me atrevo a concluir que nunca mudará nada").
Para matar o tempo que lhe resta, vai desfiando episódios soltos da sua história. Numa espécie de ladainha circular, vão surgindo as interrogações sobre os enigmas da vida e da morte. Sente que tudo é novo e tudo é repetição. Ao mesmo tempo que se lamenta pelo muito inacabado que recorda na sua, quase finda, existência, deixa escapar o desejo: "Que seja sempre hoje, sem antes nem depois".
Sente-se compelido a falar. Solitário, procura explicar o inexplicável. Não consegue calar-se. O discurso impõe-se-lhe num jorro de palavras que aparecem não se sabe bem de onde e, nem sempre, se percebe bem porquê. Chegam até ele. E ele precisa de todas elas. A sua existência é das palavras. E, as verdadeiramente importantes são tão poucas! Ficamos com a impressão de que, talvez, não tenham sido as que foram ditas. ("Estas coisas que digo, que vou dizer, se puder, já não são, ou ainda não são, ou nunca foram, ou nunca serão, ou, se foram, se são, se forem, não foram aqui, não são aqui, não serão aqui, mas noutro lugar qualquer")
Sente-se compelido a pensar. Desespera. Perde uma ideia. Surge outra. Não sabe se é a mesma. Pois as ideias parecem-lhe todas tão semelhantes, à medida que as vai conhecendo.
A rotina aparece como uma grande enfermidade do tempo. Tal como se encontra em "Á espera de Godot" surge-nos a sentença: "O ar está cheio dos nossos gritos. O hábito é um importante amortecedor".
A crítica ao homem moderno aparece acerada no jogo vivo de palavras em que o progresso é apresentado. E, apesar dele, "o homem encurta e definha ... concorrentemente".
O humor está presente em toda a peça. As gargalhadas são uma constante (aliás, Beckett assim o pretendia). O episódio em que conta como guardava a sua preciosa colecção de 16 pedras é, disso, o expoente máximo.
E, por fim, (mais) uma palavra para o actor. Aliás, João Lagarto é, aqui, mais do que um actor. Perseguiu o texto, traduziu-o, encenou-o e interpretou-o E que interpretação soberba! Soa a música. As palavras são cantadas. O ritmo é modulado. Colocou a si próprio um desafio, que superou enormemente.
Apetece citar Beckett, no final de "O Inominável": "... aqui onde estou, não sei, nunca saberei, no silêncio não se sabe, tenho de continuar, não posso continuar, vou continuar." (Assírio & Alvim, p. 189)
A não perder!

segunda-feira, novembro 13, 2006

Air

Sabe bem ouvir os Air! Este conjunto formado por dois franceses alcançou o sucesso com a banda sonora de “As virgens suicidas” (2000) de Sofia Coppola.
Fazem uma música muito agradável que transmite tranquilidade. Sói etiquetá-la como “ambient-pop”. Talvez seja mesmo isso que ela é. Ajuda a criar um ambiente aprazível.
Aqui fica uma canção do último trabalho “Talkie Walkie” (2004), intitulada “Alpha Beta Gaga”. Para começar a semana em grande!

domingo, novembro 12, 2006

ZOOMático

Em tempo de S. Martinho

Memória e Futuro


12 de Novembro de 1991.
Massacre no cemitério de Santa Cruz, Dili, Timor-Leste.

Um mundo sem memória é um relógio sem corda.

O morro

O morro que me sustém
É sustido por pinheiros altos e esguios
Que firmes desafiam as nuvens
E os pássaros, as aragens e as brisas,
Os deuses e míticos convivas.
É um morro sólido, transversal,
Que trespassa corpo e alma
Em um só coro.
Que me dá vida e exige ser vivido.
Este morro é misto de sonho e realidade,
De memória e presente,
De avanços e recuos,
De decisões resolutas e de indecisões dilacerantes.
Perscruto por vezes o morro.
O escrínio em que ele assim se transforma
É o suficiente para dele me afastar
Ante a visão do espelho que me reflecte.
Não gosto de me ver homem duplicado,
Talvez por um de mim já ser demais,
Porventura por convencimento disfarçado.
Sim, vou partir todos os espelhos,
Vou cortar todas as amarras,
Vou destruir o morro.
Para quê?
Simplesmente porque existo e sou.
E ser não se explica, vive-se.
E viver é não nos cansarmos da fadiga de nos vermos,
Dia após dia, ano após ano.
-Convives comigo, ó Eu?
-Deixa-me entrar no teu mundo reservado.

F.L.

Curtas sobre Metragens


Titulo: Rapariga com Brinco de Pérola (Girl with a Pearl Earring)
Duração: 96’
Ano: 2003
Realizador: Peter Webber
Argumento: Olivia Hetreed
Actores: Colin Firth, Scarlett Joahnsson, Tom Wilkinson

Num sábado à noite mais caseiro, olhei de soslaio a estante e deparei com um filme integrado nesta mania de acenar aos leitores dos jornais com um bónus dado já não bastar o periódico em si.
Baseado no romance aclamado de Tracey Chevalier, Girl with a Pear Earring baseia-se, como se sabe, no famoso quadro de Johannes Vermeer (1632-1675), pintor holandês que viveu e morreu em Delft (pintura hoje à guarda do Mauritshuis, Haia) e cuja vida se encontra, ainda hoje, envolta em grande mistério. Em especial a pintura em causa é, em regra, considerada como tendo sido inspirada na filha mais nova do pintor – Maria.
O argumento transforma uma excelente Scarlett Joahnsson em Griet, criada que vai servir para a casa de Mestre Vermeer (Colin Firth). Para além das dificuldades iniciais de uma vida duríssima numa Holanda ainda dilacerada pelas divisões Protestantismo/Catolicismo (estamos em 1665), Griet deixa-se enamorar pela arte do seu patrão e, em consequência, pelo próprio. Paixão essa que permanece sempre platónica, embora pelo menos em dois momentos o espectador esteja prestes a ver concretizados os desejos dos dois personagens. Curiosa é, do prisma da densidade psicológica de Griet, que a mesma, sabendo o amor com Vermeer impossível, canalize a sua paixão para um jovem talhante a quem se entrega, certamente pensando naquele que verdadeiramente ama. Apesar de o argumento estar a bom nível, eis um ponto que não é suficientemente explorado.
Fotografia e guarda-roupa irrepreensíveis, mereceram nomeações para os Óscares, a que acrescentaríamos nomeação para melhor actriz principal de Scarlett. Alia, na perfeição, o ar angelical com a volúpia do desejo mal escondido num corpo jovem, bem como a ignorância das letras a uma inteligência emocional fora do comum, capaz de ver a arte nas nuvens do céu e numa simples cadeira que estraga a composição cénica que serve de base a uma obra encomendada a Vermeer.
O quadro e a sua feitura ocupam – como não podia deixar de ser – grande parte do argumento, o qual termina com realismo, mas de modo perfeitamente expectável. Os brincos da mulher de Vermeer só poderiam servir de pagamento a Griet pela inspiração e como prova envergonhada de um amor proibido.

sábado, novembro 11, 2006

Porto de Vista Esclarecida (I)



A caríssima Joaninha acertou! Trata-se do Depósito da Fábrica das Devesas situada na Rua José Falcão. É um dos exemplos arquitectónicos, na cidade do Porto, de um estilo desabrochado no século XIX: o Neo-Islamismo. O Salão Árabe do Palácio da Bolsa é a obra mais emblemática deste estilo na cidade invicta.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Porto de Vista (I)

Já há algum tempo que falávamos em inaugurar esta nova rubrica. Sob o mote "Porto de vista", aqui colocamos pequenos pormenores interessantes da nossa bela cidade do Porto e dos seus arredores - Forno incluído (ehehe), caro Marquês que, já há muito, não dá um ar da sua graça.
São particularidades com que topamos todos os dias, mas que nos passam um pedaço despercebidas. A verdade é que andamos na nossa cidade olhando sem ver. Falta-nos, em regra, a disponibilidade para sermos surpreendidos e a admiração contemplativa de que estamos munidos quando vestimos a pele de turistas e saimos dos redutos conhecidos.
Por isso, ao mesmo que destacamos alguns detalhes que conferem particularidade aos espaços que frequentamos no dia-a-dia, testamos a nossa atenção, já que não vamos revelar, num primeiro momento, a sua identidade. Esperamos que ela seja descoberta.
Aqui fica a primeira imagem. Esta é fácil! Aguardam-se palpites. Mesmo dos outros dois treteiros, pois cumprimos um estrito dever de sigilo, não revelando pormenores entre nós.

ECOS de uma visita ao Museu Amadeo de Souza-Cardoso (I)

No final da última visita ao Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, destinada a ver uma exposição temporária de que dei conta em post anterior, não resisti a subir a escadaria do antigo edifício para contemplar, uma vez mais, as obras expostas do artista que dá nome ao museu. O meu olhar curioso repousou, desta vez, sobre algumas caricaturas que me inquiriram sobre a vida de Amadeo e dos seus amigos.


Esta caricatura representa o próprio Amadeo e o seu amigo Emmerico Hartwich Nunes (1888-1968), pioneiro da banda desenhada e do desenho humorístico em Portugal, estilo a que dedicou toda a sua vida. Diferentemente, para Amadeo de Souza-Cardozo, o desenho e, em especial, a caricatura, ocuparam um lugar relevante apenas no início da sua carreira, primeiro, em Lisboa e, depois, em Paris, para onde partiu aos 18 anos de idade.
São afamadas as tertúlias animadas que Amadeo todas as noites organizava no seu estúdio parisiense, reunindo vários artistas amigos, entre eles, o indefectível Emmerico Nunes.

Emmerico deve a sua ida para Paris, em parte, a José Malhoa, que, depois de ver os trabalhos do jovem artista, aconselhou o pai, Silvestre Nunes, a enviá-lo para a Cidade-Luz. Foi apenas o princípio. Emmerico expôs a sua obra em Inglaterra, na Holanda, na Bélgica, em Espanha e nos E.U.A., por vezes em conjunto com Souza-Cardoso, tendo trabalhado para publicações alemãs e suiças. Em Portugal, tendo embora participado em diversas exposições, Emmerico nunca obteve o mesmo reconhecimento. Alvos preferenciais da ironia do desenhador humorista eram os costumes da época, especialmente os protagonizados por pequeno-burgueses e novos-ricos.

"SUR O NO SUR" de Kevin Johansen

Tenho seguido com alguma atenção a carreira musical de Kevin Johansen. Gosto do estilo deste cantor-compositor nascido no Alasca, filho de pai sueco e mãe argentina. Gosto do timbre carregado da sua voz, das combinações imprevisíveis de sons, gosto da mistura do inglês e do espanhol (espanglês?) nas letras das suas músicas. Gosto, também, da profundidade de reflexão que, em muitas, está presente e da crítica acerada a certas características do mundo moderno (materialismo, as clivagens entre os países do sul e os do norte, falta de tempo, cultura do efémero...). E tudo feito com grande simplicidade - simplicidade melódica e simplicidade de linguagem – que deixa um sabor a poesia.
Agora que Kevin está a terminar de gravar o próximo disco (que se chamará “Logo”), deixo aqui “Sur o no sur”, uma das canções (uma das que mais depressa fica no ouvido, mas não necessariamente das melhores) do seu (segundo) trabalho homónimo (2002) e que alcançou um sucesso considerável. E a questão é mesmo essa: sul ou não sul, onde fica a utopia?

quinta-feira, novembro 09, 2006

Mish Maoul * Inacreditável

Na leitura - que constitui já um (bom) hábito – do programa da Casa da Música do mês de Outubro, um concerto atraiu a minha atenção: o de Natacha Atlas – pela fusão de tendências e miscelânea de sonoridades díspares (orientais, electrónicas, funk ...) que prometia. O facto de, em consultas sucessivas ao site da Casa da Música, me ter deparado com a notícia, a letras vermelhas, do cancelamento do concerto contribuiu para me familiarizar com o nome.
Mas foi o comentário de um amigo expert em música que me levou a comprar bilhetes para o concerto, entretanto reagendado para ontem, dia 9 de Novembro. Na verdade, num coffee break de mui sérios compromissos profissionais, o caríssimo Joe alvitrou que eu devia gostar da música de Natacha Atlas. Isso bastou para que não perdesse a oportunidade de a ver na cidade do Porto, e para convencer a culturalmente efervescente Rocky a acompanhar-me em mais esta aventura. Demos o tempo por bem empregue.
Nascida na Bélgica e criada em Inglaterra, a componente ocidental de Natacha ofusca-se sob as mais visíveis raízes egípcias. Estas revelam-se descaradamente nas suas feições, nas suas vestes e na sua voz. As letras que entoa são, na maioria, escritas em árabe.
Não conhecendo a discografia, foi preciso um par de canções para entrar em sonoridades tão diferentes. À terceira - "Ghanwah Bossanova" - já se tinham entranhado. E com "Adams Lullaby" senti-me docemente embalada.
Sobressaiu também a canção mais ritmada "Hayati Inta" e outra bem-humorada cujo nome não sei, mas em que algures, por entre vocábulos árabes, se ouvia insistentemente George Clooney (sim, o actor americano – para que não restassem dúvidas fomos brindados com o seu retrato e com a divertida explicação da inclusão do seu nome na letra: Natacha não encontrou mais nada que rimasse com os outros vocábulos árabes!)
Foi muito bom ouvir o "Black is the colour of my true love`s hair" de Nina Simone na voz de Natacha e emoldurado por musicalidade oriental. Apreciei também a sua versão de "Mon amie la rose", de Françoise Hardy.
Mas, houve dois momentos de beleza maior e de emoção superior. Por um lado, aquele em que, na sala Guilhermina Suggia, se ouviu o adágio inspirado numa mesquita de Istambul (qual Alhambra de Sevilha!), onde se vê claramente visto o cruzamento do mundo muçulmano com (vestígios de) o mundo cristão. Esta canção (a – quase - sobreposição entre a mais próxima Ave Maria, gratia plena Dominus tecum e belos versos indecifráveis em árabe) é soberba! É um hino à diversidade cultural e à sã convivência inter-cultural. O outro momento estava reservado para o final, quando Natacha cantou uma canção com 3000 anos e muito conhecida em terras árabes.
Bem, quando digo final... tenho de precisar que houve 4 encores, tal o entusiasmo do público e a entrega de todos os músicos.
Os oito elementos que estiveram em palco revelaram-se, também, muito simpáticos. Natacha procurou expressar-se da forma mais compreensível para todos, ora arranhando o espanhol, ora usando timidamente o inglês, ora, a espaços, o português (nos muitos "Obrigada" que disse), numa mistura que arrancou muitos sorrisos a ela, aos músicos e ao público. Mostrou, também, um pouco da graça da bailarina que foi nos primeiros anos da sua carreira, com alguns momentos de dança do ventre.
Gostei MUITO do concerto! Apreciei em particular as músicas mais calmas. Talvez por as vozes orientais traduzirem com maior intensidade o sentimento e o lamento
Concluindo (que o post já vai longo): Em meu nome e da Rocky, um MUITO OBRIGADA ao Joe pela dica e um BRAVÍSSIMO à Natacha, ao primo (com um vibrante momento intrumental a solo), ao pianista/maestro/interprete/apresentador, à violinista-compositora, à Clara (tem uma voz magnífica) e já agora aos outros 3 elementos (não sei os nomes, mas estou desculpada, pois a Natacha também não sabia o nome de alguns!). E, para o caso de a Natacha consultar este blog e ler este post – facto que é MISH MAOUL – dizemos-lhe, parafraseando-a: calor, tua voz, tuas canções, calor! :-)

quarta-feira, novembro 08, 2006

De Rodin a Kandinski, a Miró…



Foi inaugurada a 28 de Outubro no Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, em Amarante, a exposição da Colecção Lamerdin «De Rodin a Kandinski, a Miró…», à qual o t&l não podia faltar. As obras expostas datam dos séculos XIX e XX, permitindo ao visitante percorrer várias correntes artísticas, como o impressionismo, o expressionismo e o abstraccionismo, com um especial pendor para a arte de origem alemã.
Apesar dos nomes sonantes do título da exposição, impressionaram-me sobretudo outros, tais como Käthe Kollwitz, com a escultura «O Lamento», Otto Dill, cujo «Grupo de Cavaleiros Árabes» nos convida a acompanhar o tropel frenético de outras paragens e Max Liebermann, que, com o seu traço grosseiro, consegue representar magistralmente o ambiente frio e sombrio de outros tempos.
Regressando a Otto Dill, como prova do meu desportivismo, fica ainda aqui a minha singela homenagem à ala verde do t&l com este «Casal de Leões» obstinadamente esfomeados.
Recomenda-se, portanto, a visita à Colecção Lamerdin, que permanecerá no Museu até 28 de Janeiro de 2007, bem como um passeio pela bela cidade de Amarante.

ZOOMático


Reflexos coloridos

segunda-feira, novembro 06, 2006

Cineclube


É já amanhã, pelas 18 h, na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Rua dos Bragas, 223) que terá início a primeira projecção do Cineclube, criado e executado pelo Amigo JG e que conta com a valiosa colaboração da AE e do CD. Todos estão de parabéns pelo evento e, como JG nos tem sempre habituado, os filmes são de culto.
Dia 7/11 - The Great Train Robbery.
Dia 21/11 - Naked.
Em Dezembro há mais, como podem verificar pelo cartaz. Mais uma obra com a assinatura JG. Este moço vai longe!

Silje Nergaard - Be still my heart


A voz de Silje Nergaard (vale a pena aprender a pronunciar este nome quase impronunciável), apesar de vir do frio (ela é norueguesa) aquece a alma.
Perante a longa espera - o último trabalho (“Nightwatch”) data de 2003 - e enquanto não surge o novo álbum (previsto para Fevereiro do próximo ano), resta-nos ouvir a sua voz melíflua em temas já conhecidos. Aqui fica um deles “Be still my heart” do penúltimo disco “At first light” (2001). Não é o meu preferido, mas os recursos do you tube, quanto a esta intérprete, são muito limitados.
Depois de aturada pesquisa concluí que, para ver este vídeo, é necessário aceder à página do youtube (www.youtube.com). Sorry ... posso é emprestar os cd`s.

domingo, novembro 05, 2006

Elogio do Domingo


Quem há pouco passou pela Casa da Música para assistir ao concerto da Kammerorchester Basel (Orquestra de Câmara da Basileia), não deu, por certo, o tempo por mal empregue.
Num tom intimista que este tipo de composição de orquestra proporciona, aliado a uma elevada qualidade técnica na execução, estes ilustres convidados brindaram-nos com sorrisos abertos e fáceis, não muito vistos em actuações deste género.
O repertório foi uma excelente escolha: cruzar Sergei Prokofiev com Joseph Haydn é uma ideia brilhante. Conhece-se o fascínio que o primeiro sentia pelo segundo, porventura devido ao facto de Haydn ter sido (também) um incompreendido no Neoclassicismo em que se inseriu. Longe de obras mais conhecidas do público, como é o caso da Sinfonia n.º 2 (conhecida como “Clássica”), a primeira parte abriu com uma composição que retrata a infância de Prokofiev (Dia de Verão. Suite op. 65a, de 1941), entre uma mãe que o estimulava no culto da música e um pai, engenheiro agrónomo, com outros planos para o único filho.
De seguida, o momento sem dúvida mais alto deste final de tarde de Novembro: a actuação a solo daquela que julgo ser, na actualidade, a maior violinista, na pauta do concerto para violino e orquestra n.º 2 em Sol menor op. 63, de 1936. Com apenas 23 anos, a alemã Julia Fischer é já uma certeza. A sua figura esbelta e escorreita alia-se a uma extraordinária capacidade técnica e mesmo cénica. A forma como vibra com cada nota que tira do seu violino com mais de 150 anos constituem um diálogo amoroso capaz de nos inspirar só bons sentimentos. A expressividade do som encheu a Casa da Música, perante uma solista que fazia mesmo esquecer a orquestra que tinha atrás.
Imensamente aplaudida, brindou o público com uma peça de Bach. O arco foi mesmo ficando sem linhas de cordas tanta era a vivacidade que esta jovem colocava na sua interpretação.
A segunda parte, com uma peça de ensemble (sonata para violino op. 115, de 1947) de Prokofiev foi o aperitivo para o diálogo com a sinfonia n.º 88 em Sol maior de Haydn (1787). Foi visível o humor que percorre a obra dos dois compositores que, afirmando-se nos sécs. XVIII e XX, mostram que a ironia é uma excelente arma.
Como dizia alguém no final, espectáculos como este e a uma hora tão cómoda de um Domingo, fazem-nos lembrar que o “dia do Senhor” é mais um dia para gozar em pleno e não para resmungar de forma mal-disposta com segunda-feira.
Julia Fischer, um nome a reter.

sábado, novembro 04, 2006

Tacto

Segui o teu modelo.
Cumpri-me através de ti, junto ao mar.
Escutei sem desvelo
A lição que me davas de par em par.
Parei junto a ti,
Recomeçando do nada.
Olhei o que vi,
Encantado com fada.
Miraste-me só,
Desnudaste-me todo.
Agora que vês
O meu corpo em sufoco,
Lembra-te das velhas histórias
Que das bocas bebias
E queda-te junto a mim
Em pulsar que sentias.
Explora a minha alma,
Sente o que em mim encerro.
Experimenta a luz calma
Que em ti junto aterro.

F.L.
Marc Chagall, Violiniste, 1923-4, Museu Guggenheim, Nova Iorque.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Maçaneta

Estava a ficar velha. Gasta pelo uso. A maçaneta já só era levemente dourada. Quantas mãos a rodaram ao longo destes mais de vinte anos! As de uma criança inocente, de jeito manso e delicado, com um coração puro e os sonhos intactos; as da criada a tresandar a fritos, em movimento rápido, seguro, porém medroso e sempre a temer o quadro que eu iria permitir ver; as da jovem rapariga, finas, esbeltas, magras, transpiradas por uma áurea de inocência perdida depois de encontros fortuitos; as de um velho de dedos grossos e que me magoavam, nunca acertando com o sentido da volta – sempre para a esquerda quando eu abro para a direita. Sim, muitas mãos passaram pelo meu corpo sem disso darem mínima conta. Sou apenas um objecto com a utilidade de passar de uma divisão para a outra. Esquecem que eu sou uma espécie de Jano, mirando cada uma das salas que separo juntamente com a porta em que vivo. Ouvi hoje um rumor de que amanhã vou ser mudada. Por uma maçaneta mais nova, daquelas modernas que nem parecem maçanetas. Foi aquele invejoso cabide que mo disse. Por isso, esta noite, quando o jantar estiver para ser servido, vou colocar o meu melhor vestido e o meu mais franco sorriso e deixar passar a suculenta refeição. Alguém me recordará então não como um objecto mas como uma presença que se sente e é sentida.

Saudade

A propósito do aniversário da mais antiga Associação de Estudantes do nosso País (fundada a 3/11/1887), e tendo sido eu, embora por pouco tempo e numa condição de pós-licenciado, estudante de Coimbra, cidade a que também me ligam especiais afectos familiares, confesso que – como dizem os brasileiros – “me bateu uma saudade” dos tempos em que envergava capa e batina.
Tive a felicidade de fazer parte de um grupo de alunos que foi abrir – literalmente – uma Faculdade que reclamava o direito a nascer há cerca de 80 anos. Tal facto, por si só, gerou entre nós um profundo laço de Amizade que, permitam-me o convencimento, não vou já observando hoje com muita frequência.
Permitiu ainda que fossemos entrosados na Universidade por praticamente todas as Casas e que, por isso, conhecêssemos malta de Medicina, Engenharia, Farmácia e, pasmem-se, até de Arquitectura… A recolha das mais diversas tradições académicas fez-nos gostar verdadeiramente da praxe, no que ela significou sempre para mim: integração e Amizade descomprometidas. Nada mais, mas também nada menos.
Quando vejo agora um estudante com a sua capa e, em imagem mais expressiva, as rubras fitas na pasta esvoaçando ao dobrar de uma esquina desta nossa amantíssima cidade, acodem-me ao espírito acordes que ouvi com os ouvidos da alma embargada em negro condizente com o trajo que envergava no último ano do curso. «Segredos desta Cidade/Levo comigo p’ra vida!».
Sim, a Saudade é uma palavra bem portuguesa…

quinta-feira, novembro 02, 2006

nouvelle vague

Sou fã (viciada?) confessa dos franceses Nouvelle Vague. Gosto muito das roupagens novas de tonalidades Bossa Nova com que vestem temas antigos dos idos 80`s. Ouço incessantemente o primeiro trabalho “Nouvelle Vague I” e o segundo “Une Bande à Part” editado este ano. Fiquei com imensa pena de não os ter ido ver ao Hard Club, aquando da sua recente passagem por Portugal.
À falta de melhor, e porque hoje é Quinta-feira (:-)), aqui fica a versão dos Nouvelle Vague de uma canção dos The Lords of the New Church, “Dance with me” ...

O mundo maravilhoso de Eva


Encontrava-me na sala envidraçada de um restaurante cujo excessivo despojamento acabava de censurar quando ouvi uma voz que inundou aquele ambiente de uma doçura acolhedora e inebriante, não mais me recordando do vazio da luz fria de há pouco. Doçura entrecortada por uma força determinada e segura. Força acalmada por uma chuva acariciante de tons cristalinos.
Era Eva. Eva Cassidy.
O disco chamava-se «Live At Blues Alley». Logo que o consegui, ouvi-o, enfeitiçada, vezes sem conta, imaginando uma Eva de raça negra, bem sucedida e segura do seu valor, ideia reforçada pelo gospel «How can I keep from singing?» do disco «Wonderful World». No entanto, quando procurei a restante discografia e alguns dados biográficos mal pude acreditar: Eva, uma loura tímida e de aspecto frágil, falecera havia dez anos e vivera os seus trinta e três anos praticamente incógnita.
Eva nasceu, em 1963, em Maryland, nos E.U.A., com um talento especial para a pintura e para a música, apesar de nunca ter verdadeiramente acreditado nele, reflectindo uma insegurança que nunca a deixou. Participou em vários grupos musicais amadores e apenas aos 27 anos formou um grupo profissional – a Eva Cassidy Band. Não desejava ser uma cantora profissional, mas apenas cantar as suas músicas predilectas.
A primeira impressão que fica do seu repertório é o carácter ecléctico, já que Eva canta numa variedade de estilos que vão desde o jazz, o blues, a folk e o gospel até à pop. Esta característica constituiu, aliás, um entrave ao seu sucesso comercial. As editoras discográficas recusavam-se a produzir um disco sem um estilo definido, incapaz, na sua opinião, de fidelizar públicos determinados. Eva, porém, escolheu cantar apenas as canções que a emocionavam, independentemente do seu estilo. O seu talento não residia na escrita ou na composição musical, mas sim na interpretação, aliada à capacidade para fazer arranjos musicais criativos e inesperados. Nas suas mãos e na sua voz, as músicas mais banais tornavam-se inesquecíveis. Em vida, apenas produziu dois discos: «Live At Blues Alley» (1996), uma publicação de autor que antecedeu em apenas 4 meses a sua morte, e «Eva By Heart», lançado já postumamente (1997).
A voz é cristalina e delicada (ouça-se a canção folk «Waly Waly»), mas cheia de alma. É impossível ser indiferente a Eva ao ouvi-la cantar “You’ll remember me when the west wind moves / Among the fields of barley / You can tell the sun in his jealous sky / when we walked in fields of gold”. Sting não ficou, segundo reza a história.
Escassas semanas antes da morte prematura de Eva Cassidy, praticamente já sem energia, os amigos organizaram um concerto em sua homenagem em que lhe pediram para, mesmo assim, cantar uma pequena música que não exigisse muito de si. Surpreendendo todos, escolheu a sua magnífica versão de «What A Wonderful World”, arrancando dos pulmões os últimos sopros que lhe restavam para cantar as suas derradeiras notas de amor pela música, de alegria, de esperança, de amizade e de reconhecimento por tudo o que a vida e os amigos lhe haviam dado. Vale a pena redescobrir Eva.
And I think to myself what a wonderful world...

quarta-feira, novembro 01, 2006

ZOOMático

Um Retrato deste Verão inesperado

Pintado de fresco (VII)


Aviso: Este é o 7.º capítulo de uma novela da vida moderna escrita, para já, a 4 mãos (de futuro, esperamos que a 6) entre mim e a rtp.

O dia acordara chuvoso. O céu ameaçava com um cinzento típico da cidade granítica em que habitava.
Mário levantou-se com a cabeça a latejar do que se passara de véspera e com a sensação de que cometera um dos mais graves erros da sua vida. Depois de um banho retemperador, com a toalha branca em volta de um tronco que já conhecera maior firmeza muscular, assomou-se à janela do apartamento que comprara em resultado da promoção e que dava para as traseiras da Casa da Música. Enfim, pareceu-lhe que aquele pedaço de estrutura ia paulatinamente ganhando raízes naquela zona e se esforçava por condizer com o meio circundante.
Também ele tinha de fazer o mesmo. Aqueceu uma chávena de café feito de véspera e agarrou o telemóvel. Deu com uma chamada não atendida de véspera cujo número desconhecia. Apesar da hora madrugadora, devolveu a chamada.
-Sim, sou Mário Fontes e tinha no telemóvel uma chamada desse número…
-Quem? – respondeu uma voz ensonada – Não sei quem é…
-Sim, mas a senhora terá um nome, por certo… – atirava Mário com o mau-feitio com que por vezes acordava.
-Margarida… – respondera a medo, arrependendo-se de imediato de revelar a sua identidade e cobrindo-se ainda mais com o lençol.
-Margarida … – Mário percorria a sua agenda pessoal memorizada . – De uma vespa… azul?
-Ah, você é que deixou um bilhetinho… É preciso ter lata…
Mário precisava de tudo menos de uma descompostura. Preparado para ser bruto, saiu-lhe:
-Sim, desculpe. Foi um atrevimento da minha parte… Mas a noite passada foi mesmo difícil, como lhe dizia. Olhe, deixe-me melhorar a imagem que deixei…
Margarida levantou-se da cama e o seu coração entrou num ritmo descompassado que a enervava.
-Bem… Isto não é nada normal.
-Sim, tem razão… Mas acredite que a normalidade cansa. Posso convidá-la para um almoço. Há um sítio muito simpático em que podíamos conversar. Nesta aldeia que é o Porto, por certo ainda temos amigos ou interesses profissionais em comum…
-Hoje é difícil…
-Não entre por aí… Margarida, certo? Pelo que vi ontem já é suficientemente crescidinha para tentar esses jogos… - ripostou Mário com uma raiva incontrolada.
Sem contar, a interlocutora sentia-se, agora ela, descomposta pela professora da primária que tão más recordações lhe trazia.
-Sim, Mário, não é? Não sei como é a sua vida, mas eu tenho um horário de trabalho… Se quiser, apareça em frente ao Meridien às 13 em ponto.
-Lá estarei. E, Margarida, não se deixe impressionar pelas aparências…
Ela desligou de imediato o telefone, sentindo os ecos da noite passada.

Bernardo dirigia-se para a “Tempo” cantarolando Armstrong. Sim, o mundo era maravilhoso. Margarida não resistira aos seus encantos depois de tantas investidas. Olhou de soslaio uma loira no carro ao lado e piscou-lhe o olho. Recebeu um olhar de indiferença em troca e lembrou-se que o Don Juan já não se usava.
Chegado à revista onde exercia funções de director de publicidade, a notícia atingira-o como um raio: Madalena fora demitida. Um sururu imenso arrasava a redacção. Especulava-se sobre os acontecimentos da véspera. Alguém sugeria que o presidente do conselho de administração se cansara dela e dos constantes prejuízos que a revista dava. Mais cáustico, um outro colaborador já classificava Madalena como “antiguidade” a ponto de ser trocada pelo Dr. Gustavo.
Apesar da alegria mal disfarçada da redacção, Bernardo temia pela sua posição. Fora a influência da agora “pecadora proscrita” que o conduzira àquele emprego.
Ligou a Madalena. Voltou a fazê-lo. Nada. Apenas o som cavo dos toques e a voz melodicamente irritante da moça do “voice mail”. Onde raio estaria Madalena.

Na sua casa na Foz, Madalena contemplava, por entre os olhos rasos de lágrimas, a fotografia de Mário. Recebera a notícia do seu afastamento há cerca de uma hora, acordando-a de um sono estranhamente tranquilo.
A besta do Gonçalo tratara-a como a uma criada. Começava a sentir na pele o que fizera a Mário. Somente a réstia de orgulho a impedia de lhe ligar. Desejava permanecer imóvel, em roupão, no sofá de sua casa até ao fim dos tempos.