domingo, novembro 26, 2006

Post scriptum


José Saramago, “As Pequenas Memórias”.
Ed. Caminho, 2006, € 8.50.

“As Pequenas Memórias” de Saramago assumem-se, despretensiosamente, como um pequeno livro. Não tanto pelo volume de páginas, mas pelo interesse da história que encerra.
Falar da infância é sempre um momento de reencontro com o passado, de religar o que ficou perdido nas brumas do tempo e de exercitar a memória qual músculo que com o tempo vai perdendo a tonicidade de outrora. Nesta perspectiva, o livro cumpre os seus objectivos, por intermédio de uma escrita escorreita e bem pontuada (afinal Saramago sabe pontuar. Mais dificuldade nos habituais parágrafos longos).
É o autor que aos 84 anos decidiu, de algum modo, render-se à lógica capitalista que tanto diz repugnar. A época do ano em que o livro é lançado, algum espectáculo mediático junto da terra que o viu nascer e uma tradução quase simultânea na terra que o adoptou como filho, demonstram que o nosso Nobel lida muito melhor com as coisas do seu tempo (tê-lo-á sempre feito?).
Há alguns relatos que nos embevecem, como aquele em que a criança Saramago recebe o apelido em jeito de alcunha contra a vontade do pai, o da queda em tropelias de criança que redundam em um joelho esfolado. Surpreendem-se assomos de ternura e austeridade na relação com a avó Josefa e de cumplicidade escondida com o avô de feição militarista.
Ficamos a conhecer melhor o inner circle do Autor, bem como algumas causas de interesses demonstrados em obras como “Levantados do Chão”, “Manual de Pintura e Caligrafia”, “Todos os Nomes” e “Ensaio sobre a Cegueira”.
Talvez a “pequenez” – aqui empregue a palavra no sentido mais próximo da sua origem etimológica – tenha contribuído para uma leitura algo sincopada de “As Pequenas Histórias” que, a dado passo, se mostra algo fastidiosa pela mera adição de episódios comuns e em relação aos quais esperava uma magia particular na altura de os transpor para o papel. Contudo, bem vistas as coisas, Saramago assume-se como mais um dos filhos de Azinhaga do Ribatejo. Pode ser sinal de humildade, mas a um escritor como este exigia-se o esforço suplementar de retroagir através de um óculo de cores multímodas. Assim não foi. É pena.

2 comentários:

rtp disse...

Ainda não li. Ainda não comprei. Mas já está na minha (enorme) lista de compras para um dia de "oferta" de 10% de desconto de uma conhecida cadeia de estabelecimentos comerciais. :-)

Anónimo disse...

Além da perspectiva ideológica, paradoxalmente politicamente correcta, o principal sucesso de José Saramago está na utilização do Marketing nas escolhas dos temas e na comunicação mascarada do dogmatismo estalinista.