quinta-feira, maio 31, 2007

Do meu e-mail (VII) - O metro da margem Sul de um tal Lino


A propósito do comentário do nosso inefável ministro das Obras Públicas, aqui fica uma sugestão para melhorar o "deserto" que, pelos vistos, é a margem Sul do Tejo.
Com ministros destes, o "Sócas" não precisa de oposição (bom, também não a tem... sortudo dele e pobres de nós!).

quarta-feira, maio 30, 2007

Apontamento - Margarida Pinto


Para continuar a rechear o vol. III com música lusa, nada melhor do que escolher um exemplar em que brilha, não só a melodia e a voz da intérprete, mas também a língua pátria.
Trata-se de uma música do cd "Apontamento" de Margarida Pinto (vocalista dos Coldfinger). O disco, já com 2 anos, tem um conjunto muito interessante de canções. Cheias de harmonia e encanto. Com sabores variados do pop ao jazz. Facilmente digeríveis. Com uma leveza mágica. Para aumentar o prazer da sua degustação aí estão as letras, algumas pertencentes a Fernando Pessoa.
Outra podia ser eleita, mas esta estava disponível no you-tube. O clip é, também, interessante. E acontece estar eu a revisitar os poemas de um dos heterónimos de Fernando Pessoa.
Intitula-se "Apontamento", como o poema de Álvaro de Campos que lhe empresta a letra (transcrito no post anterior). E é muito bela a forma como a voz de Margarida nos vai servindo as palavras.

terça-feira, maio 29, 2007

Early Night Post (29)

Excessivamente acima
Apontamento
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Álvaro de Campos

ZOOMático


Coffee Break in itinere

Lava


Diego Velasquez, La Fragua de Vulcano, 1630, Museo del Prado, Madrid.

Na escuridão do teu corpo
acendi uma vela
e deixei-a arder até ao fim.
Do pavio sobrante
fiz um laço que dobrei
em dois, depois em três.
Enrolei-o num dos teus dedos
e selei um amor
que oiro não conhece,
só prata da brisa
que passa e garante
que o perfume que trazes
em vão nunca será
e que a carne perfumada
que me entregas
nunca será banal
ou coisa semelhante.

O dorso em que te deitas
está agora escuro.
Dedilho míope
as palavras nas escarpas
do teu corpo.
Na tua geografia me perco,
nos teus vales descanso,
nas planícies de ti
repouso o olhar com vista
para um mar
mais um magma
que em ti se hospeda
e ameaça brotar
pela encosta dos teus seios,
tudo destruindo e
tudo (re)construindo.

No sopé dos montes
de lava
florescem as mais formosas
flores
e tu, no teu corpo,
reúnes o canteiro mais estimado,
mais cuidado,
mais meu.

F.L.

Shukar Collective - "Malademna"

SHUKAR COLLECTIVE: URBAN GYPSY

The Shukar Collective was born in Romania from the meeting of new generation musicians with the gypsy traditions of Shukar founders Napoleon, Tamango and Clasic. Shukar play ursari music (ursar means 'bear tamer' or 'bear handler') using spoons, wooden barrels or darabuka to create a powerful and urgent sound that is at the same time emotional and soulful. Urban Gypsy combines Shukar's original ursari music with the new technology of the collective, resulting in their distinctive sound.

in: http://www.worldmusic.net/catalogue/e_euro.html

segunda-feira, maio 28, 2007

"Se por acaso (me vires por aí)" de JP Simões




Aproveito o início da semana para começar a colmatar uma lacuna detectada nos volumes I e II Best of T &L: a total ausência de música portuguesa.

O Volume III não padecerá, portanto, da mesma maleita. Contará, desde já, com a belíssima música: "Se por acaso (me vires por aí)" de JP Simões. O músico extraordinário dos Belle Chase Hotel aparece aqui num dueto magnífico com a brasileira Luanda Cozzetti.
A canção integra o cd "1970" lançado no início deste ano. Um cd incontornável, a ser ouvido com atenção vezes sem conta.
O vídeo é o do espectáculo de lançamento do cd.

domingo, maio 27, 2007

Post scriptum - "Carta ao Pai", Franz Kafka


Franz Kafka, Carta ao Pai, Almargem do Bispo: Coisas de Ler, 2007.
Preço: € 9.50

Escrita em Novembro de 1919, Carta ao Pai é um manifesto edipiano em que Kafka esquizofrénico (1883-1924) encontra algo ou alguém em quem depositar toda a sua fúria: diante de ti perdi toda a confiança em mim; em contrapartida, recebi uma culpabilidade infinita (p. 58). O ódio ao progenitor - na verdade, mais admiração secreta e profunda inveja - é o escape essencial para Kafka-homem viver consigo próprio. De outro modo, não projectando para fora de si a culpa pelos males que o assolam e que nunca o deixaram ter a paz de espírito que, contudo, porventura, não o teria transformado no escritor que foi, Kafka morreria acto contínuo à primeva percepção de consciência.
Hermann é apresentado como um pai ditador, desprezando tudo o que o filho faz, não faz, diz ou não diz, as suas amizades, os seus gostos, o projecto de futuro que traça, o abandonar do negócio familiar para que estaria predestinado. O filho retrata-se ainda como o fraco que o pai desejava fora forte, o apoio em relação a quezílias familiares que nunca foi; ao invés, o pai vê no seu descendente um aliado para os devaneios das irmãs deste último.
O medo com que a carta inicia depressa alastra para o medo dos trabalhadores de Hermann em relação a um tirano empregador que atira caixas para o chão e apelida os seus colaboradores de inimigos pagos (p. 44). O próprio acto da escrita é apresentado como um paradoxo composto por uma pseudo-libertação e um hino à figura paterna (Kafka colocava os seus manuscritos na mesinha-de-cabeceira do pai e aguardava um comentário. Um dia ele chegou: Agora és livre. - p. 69), ao redor de um medo e repulsa pelo próprio corpo que, no limite, conduziria à hipocondria de Franz, à escolha (?) da profissão – apresentada como o que de mais perto existe do “não fazer nada” – e até mesmo da mulher com quem partilhar o leito.
O tom acre, azedo, ressabiado, não torna a leitura uma tarefa agradável, assim reforçando o modo como esta específica relação paterno-filial se desenrolaria. O estilo está, pois, ao serviço da mensagem.
Pena são, na edição da Coisas de Ler, da responsabilidade de Ana Nereu, os erros de sintaxe e de pontuação estranhamente avultados.
Termino com uma deliciosa referência de Franz Kafka ao Direito – curso que acabaria por tirar (1906) sem qualquer pingo de gosto –, bem demonstrativo da falta de interesse que esta ciência (?) pode ter: Portanto, estudei Direito. Isso significou que durante alguns meses antes dos exames, afectando consideravelmente os nervos, alimentei-me intelectualmente de letras de serradura que, além disso, tinham sido previamente mastigadas para mim por mil bocas.

Flute

No dia de hoje, admirando uma belíssima peça de design ...

Pentecostes

Em tempo de Pentecostes e admirando uma belíssima pintura: DORFFMAISTER, István, Pentecost, 1782, Hungarian National Gallery, Budapest.

Crazy adds (2)

Descobri o truque de Paulo Portas para ofuscar os adversários com aqueles dentes hiper-brancos que constituem contra-ordenação comparável ao encandeamento de veículos automóveis!
E vejam também de onde vem a ideia do "partido do táxi"! São capazes de descobrir?

MURAD - 1000 arms

Recordando a música ouvida hoje à tarde num simpático bar do Porto.

Porto de Vista esclarecida (XII)

O Duarte acertou! Parabéns!
Trata-se, de facto, de um baixo relevo que se encontra num prédio da rua Fernandes Tomás nas proximidades da porta norte do Mercado do Bolhão.
O edifício em questão (informa-nos o Duarte que é o número 648 dessa rua!) situa-se em frente àquele que, na esquina com a rua Alexandre Braga, albergou a desaparecida (e saudosa - acompanho o vencedor no seu lamento) Roma Megastore.
Foi precisamente a sair do estabelecimento comercial, que agora ocupa essas instalações, que eu fui surpreendida por tal pormenor artístíco. Contrastando com o edifício sujo e mal conservado, o baixo-relevo prendeu a minha atenção. Já havia passado várias vezes por ali, mas nunca me tinha apercebido deste elemento decorativo de um edifício tão desengraçado.
Nada sei sobre ele. Também não vou aproveitar o ensejo para dissertar sobre essa figura destacada do liberalismo vintista que deu nome à rua onde ele se situa.
Diferentemente dos demais "Portos de Vista" que versaram sobre edifícios mais ou menos emblemáticos da cidade, este serviu para mostrar que há pormenores interessantes escondidos em locais aparentemente desinteressantes. E, também, já agora, para expressar um lamento pela vastidão de edifícios degradados na nossa cidade. (A Avenida dos Aliados é disso um triste exemplo!)

Harpas


Orpheus with a Harp Playing to Pluto and Persephone in the Underworld, Jan the Elder Brueghel,

Que soem as harpas,
se risquem os mapas!

Cale-se a lira,
alimente-se a alma,
o Poeta admira
o dorso da chama.

Que soem as harpas,
se queimem os mapas!

Ressoem as trombetas,
traga-se o vinho,
roubem-se as muletas
do coração sozinho.

Que soem as harpas,
naufraguem os mapas.

Escrevam-se as pautas
de harmonia celeste,
afinem-se flautas
de riso agreste.

Que soem as harpas,
se esfaqueiem os mapas!

Acariciem-se violinos
de mãos naufragadas
em rostos andinos
de peles aveludadas.

Que soem as harpas,
se triturem os mapas!

O Trovador é rei
no tempo em que a lei
é amar e fazer
e nunca sofrer.
Tempo favorável
de mandamento cristalino
Inscrito em livro descartável
De título pontino.

Que soem as harpas,
se refaçam os mapas:
não tenho Oriente
nem quem m’atormente,
se a ti te possuo
mais nada procuro!

F.L.

quinta-feira, maio 24, 2007

ZOOMático

Dilúvio em fim de tarde primaveril

Porto de Vista (XII)

quarta-feira, maio 23, 2007

Vusi Mahlasela - When you come back

Porque estive a reler o excelente "post" da RTP sobre o memorável concerto "Acoustic Africa", aqui fica "When you come back", cantado por Vusi Mahlasela, o sul-africano cuja voz mais me encheu a alma naquela noite.

Glórias Portuguesas (ou talvez não...) 2

Hoje é só mais este, prometo! É que as glórias neste nosso País são tantas, que podia passar dia e noite a "postar"...
The one and only........ Zé Cabra!! (versão "unplugged"...)

Glórias Portuguesas (ou talvez não...) 1

Comecemos pelos Da Vinci, «Sou Conquistador», no ano da graça de 1989.

Crazy Adds (1)

Damos hoje início a uma nova rubrica: "Crazy adds". Tal como o nome indica, "postamos" anúncios que nos façam rir!
A malta da publicidade é "ganda" maluca!
No caso concreto deste "commercial", é caso para dizer que "as iludências aparudem":))

terça-feira, maio 22, 2007

Early Night Post (28)

Apenas flores (2006)

Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos, Alma Azul, p. 35

segunda-feira, maio 21, 2007

Dois em Um: String Sisters - Rumble Thy Bellyfull e Louis Armstrong - What a Wonderful World

Só para ouvir amanhã... em som alto! Para começar o dia com a energia de sonoridades celtas e do flamenco, agradecendo a dica da Thumbelina e os ensinamentos do LPC!



E como não podia deixar de ser, o grande Armstrong, recordando-nos sempre que o mundo é mesmo maravilhoso!

Crash Test Dummies - MMM MMM


Ora bem, tentei, tentei, mas não consegui...
Há qualquer dificuldade intrínseca ao YouTube, pelo que não consigo postar nada de lá... Azelhice minha, por certo!
Não sei que raciocínio (brilhante!) desenvolvi, mas ao ouvir a sugestão da RTP, lembrei-me de um grupo e de uma música de que gosto muito: MMM MMM, dos Crash Test Dummies, do álbum God Shuffled His Feet (1993).
A sonoridade traz-me boas lembranças de teenager e a letra é fácil (MMM...), mesmo para quem canta mal como eu!
Ah! E sempre é uma canção que, apesar de antiguita, tem menos de 150 anos!! Estou a fazer progressos, não???

Aqui fica o link:

http://www.youtube.com/watch?v=-4WbwwhBmRk


Mas agora já sei! Thanks, Thumbelina!!

Teardrop- Massive Attack


Neste início de semana, deixo aqui o videoclip de Teardrop dos Massive Attack.
Porque sou fã do grupo britânico.
Porque esta música já estava na calha para ser postada e agora os tempos estão mais de feição.
Porque o LPC a sugeriu.
Porque Nitin Sawhney fez uma versão da mesma, incluindo-a no seu último CD ("In the mind of Nitin Sawhney"), lançado em fins de Abril último – ainda não ouvido, mas já encomendado (obrigada joe pela informação!).
E porque, sendo este blog pluralista, o seu coração é verde :)), fica aqui uma pequena lágrima pelo pouquinho que faltou ...

PS- Como o you-tube não está a colaborar fica o endereço para se ouvir a música (http://www.youtube.com/watch?v=fG8eQBSp9Ao ) acompanhado de uma fotografia (de um tal Adam) retirada do google.

domingo, maio 20, 2007

BICAMPEÃO NACIONAL - F C PORTO!!!


Apesar de não ser fanático pelo FC Porto, fico sempre feliz quando a equipa de que sou adepto ganha mais um campeonato! E como tem sido tão frequente nos últimos anos essa alegria, o campeonato que ora finda, com maior suspense nesta última fase, torna a vitória ainda mais saborosa!!
RTP e Rocky, o Sporting e o Benfica, respectivamente, vão ter de esperar mais um ano!:))

VIVA O F C PORTO!!

Letras à mesa - Rei dos Galos de Amarante


Restaurante Rei dos Galos de Amarante
Rua das Taipas, n.º 121
4050-600 PORTO
Não aceita cartões de crédito/débito * Segunda a Sábad
o 12h-16h 19h-22h * Encerra ao Domingo
Telefone: 222057297 * Telemóvel: 917098508


Fundado em 1966 por um casal de amarantinos – D. Rosa Maria e Sr. José Rodrigo Pereira – que se deslocou para a Invicta a fim de ganhar a vida, hoje, mais de 40 anos volvidos, o Restaurante Rei dos Galos de Amarante é já um ícone do bem-comer, do bem-servir e da Amizade que ainda se respiram na nossa cidade.
Localizado em pleno coração do Porto, na Rua das Taipas, perto da Cordoaria, quase passa despercebido aos menos atentos. Tal como os verdadeiros tesouros. O espaço é pequeno, muito asseado e simples, como convém. Ali só existe simpatia pura, receitas tradicionais, vinho e mãos puras que nos deleitam com pratos da lavra da D. Rosa Maria que, no seu reino, nos delicia com o galo estufado com batatas, o arroz de cabidela, os bolinhos de bacalhau com arroz malandro ou o meu preferido – o arroz de pato suculento (e com pato, mesmo, ao contrário do que vai campeando).
Os vinhos tintos são excelentes e as sobremesas divinais! A doçaria tradicional portuguesa, de que destaco o afamado pudim Abade Priscos, com ovos caseiros, feito com a paciência e mestria desta chèfe de cozinha que “mete no bolso” muitos desses pseudo-chefs que preparam refeições minúsculas e sem sabor.
No Rei dos Galos respira-se familiaridade, simpatia, o culto da mesa e da alegria. O Sr. José Pereira todos trata como se fossem os mais importantes amigos do mundo, desde o juiz-conselheiro ou desembargador, ao procurador-geral adjunto, ao advogado, ao executivo, ao estudante dos tempos em que Psicologia e Ciências da Educação habitavam naquela rua, até ao curioso transeunte. Há mesmo lugares reservados para aqueles que, quase diariamente, transformam o Rei dos Galos num local de encontro entre os mais altos representantes da classe jurídica do Porto.
Ao almoço é essencial chegar muito cedo, sob pena de se não arranjar lugar. À noite, tudo é mais fácil e calmo. Recomendo especialmente o sábado ao meio-dia. A pacatez da cidade ajuda a degustar aqueles manjares dos deuses.
Como se isto não bastasse, não é nada caro se atendermos à relação qualidade/preço (10 € - 15 € / pessoa).
É, pois, sempre um reencontro com as minhas raízes amarantinas esta ida à Casa da D. Rosa e do Sr. José!

Early night post (27)

Poem of the River, Gregg Chadwick, 2005, Los Angeles County Museum of Art.


Se digo que cinco profetas vieram ao mundo
Tu serias o quinto.
Se digo que só ficaram duas pessoas no mundo
A segunda serias tu.
Se digo que houve alguém que criou o céu e a terra
Também essa serias tu
Para adorar-te
Faria um ídolo de barro imitando a tua beleza
Se soubesse que eras melhor que Deus
Se soubesse que Deus não é mais belo que tu.

Umit Yasar Oguzcan (poeta turco, 1926-1984), in: AA. VV., Poesia do Mundo, Coimbra: Alma Azul, 2007, p. 113.

Há (houve) Acoustic Africa na Casa

Primeiro um esclarecimento. Nada em especial me liga a África. Diferentemente de muitas pessoas da minha geração, não tenho recordações, próprias ou partilhadas na memória familiar, que se liguem ao grande continente negro. Não sinto, por isso, o, tantas vezes afirmado, apelo de África, da sua cor, da sua luz, do cheiro da terra. Não sou, também, muito permeável às, tão em voga, perspectivas de vida alicerçadas em filosofias ancestrais vindas dos quatro cantos do mundo. Excepção feita à India (para visitar o Taj Mahal e por gostar muito da música daí oriunda), não tenho tendência para destinos ditos "não ocidentais". Ressalvo uma natural curiosidade por outras terras, outras gentes, outras culturas; um respeito intangível pelo outro, pelo diferente (que sinto sempre e necessariamente tão igual) e uma admiração profunda por quem se orgulha das suas raízes e por quem as mistura despudoradamente com novas realidades.
Faço esta introdução apenas para que se perceba o estado de espírito com que ontem me dirigi à Casa da Música para assistir ao Concerto dos Acoustic Africa. Com muita vontade de ouvir novos sons. Sem qualquer juízo pré-construído. É certo que o facto de se incluir na categoria camaleónica de "Worl Music", de cujos espécimes, em regra, muito gosto, augurava um espectáculo agradável. Mas não imaginava o que se iria seguir. Os coloridos painéis que nos miravam do fundo do palco não foram aviso suficiente.
Do grupo, nascido do e para o álbum "Acoustic Africa", destacavam-se três dos seus elementos: o veterano Vusi Mahlasela da África do Sul, o guitarrista virtuoso Habib Koilé do Mali e a jovem Dobet Gnahoré da Costa do Marfim. A eles juntavam-se outros sete músicos e muitos e desconhecidos instrumentos. Em conjunto ofereceram-nos sons belíssimos. Num espectáculo que se afirmava acústico, tudo se mostrou genuíno, honesto, sem artifícios.
As vozes quentes e profundas sobressaíam da envolvência musical, e encheram-me a alma. Sobretudo a voz soberba de Dobet Gnahoré. E a de Mahlaselanão sei de onde vinha, mas a sua voz parecia arrancada do mais fundo do seu ser, levando-nos a paragens distantes e maravilhosas. E tudo, sem que percebesse nenhuma das palavras cantadas (salvo Habibe e um je t`aime incrustado numa das melodias)
Mahlasela, o anafado e simpático músico, protagonizou vários dos momentos mais tocantes e divertidos da noite. Surpreendeu-nos quando surgiu em palco com uma cadeira, companheira de uma dança vibrante com que nos brindou. A dança foi, aliás, uma das rainhas na noite de ontem. Dobet Gnahoré requebrou-se admiravelmente ao ritmo frenético de muitas músicas. O grupo todo dançou. E o público foi dançando. Primeiro, nas suas cadeiras envergonhadamente. Finalmente, (infelizmente, muito no final), venceu (vencemos?!) as amarras da vergonha que o prendia às cadeiras e juntou-se num movimento geral de alegria.
E com esta extraordinária joie de vivre não deixaram de transmitir mensagens muito sérias. Um lamento –Dobet Gnahoré desabafou: "I`m tired of politics. I`m tired of politics in my country". Um aviso – "Democracy is a fragile thing", lembrou Mahlasela, ou Pretoria como lhe chamavam amistosamente os companheiros. Uma homenagem – às mulheres, às mulheres africanas, às mulheres africanas sofredoras. E uma ode ao amor, ao amor puro, aquele que não se olvida mesmo quando a vida impõe uma separação, como explicou Habib Koité (em inglês, pois não sabia falar "portuguesô").
Guardo ainda na memória a voz visceral de Mahlasela: "Sing Africa. Sing it loud Africa".
And it sang. And they sang. E nós dançámos. Ontem, de facto, houve música na casa. And outside, and outside, and outside...

sábado, maio 19, 2007

Porto de Vista Esclarecida (XI)

Muito bem! A Luísa acertou, de novo! Parabéns!
E, como não podia deixar de ser (como eu lhe agradeço!), o GBN não só acertou como nos providenciou elementos informativos sobre o edifício.
Trata-se, de facto, de um pormenor que coroa a fachada do edifício que se situa na esquina das Ruas de Santa Catarina e de Passos Manuel. Aí já se encontraram instaladas as famosas Galerias Palladium; actualmente alberga a Fnac. O elemento decorativo em questão encima o frontispício da entrada da primeira daquelas ruas.
Aceitando a prestimosa sugestão de GBN, remeto para as palavras de Carlos Romão (no blog Cidade Surpreendente @ url: http://cidadesurpreendente.blogspot.com/2005/04/o-sonho-de-antnio-nascimento.html), que também podem ser lidas no comentário de GBN.
Sublinhando que a autoria do edifico pertence a José Marques da Silva (1869-1947) acrescento, apenas, alguns pormenores sobre este insigne arquitecto portuense, premiado internacionalmente (nomeadamente na Exposição Universal de Paris em 1900).
A ele se devem vários edifícios emblemáticos da nossa cidade Invicta. Destaco, entre muitos, o "novo" Teatro Nacional S.João, reconstruído após o violento incêndio que o destruiu completamente em Abril de 1908; a bela Estação de São Bento; a moderna Igreja de Cedofeita; os majestosos Liceus Alexandre Herculano e Rodrigues de Freitas; a Casa de Serralves, jóia da arquitectura Art Déco no nosso país .
PS - Após várias tentativas, esta é a melhor foto que consegui tirar ao edifício, dadas as obras que se desenrolam à sua volta. :-)

Letras à mesa - Pomodoro Rosso


Restaurante Pomodoro Rosso
Calçada do Ouro

4150-549 PORTO
226 100 907

Pomodoro Rosso é um espaço de bom gosto e requinte q.b.. O ambiente é em tons vermelhos, o que dá um toque quente e acolhedor a uma refeição que se pretende alegre, despretensiosa e de qualidade. A sala não é demasiado grande (lotação: 50 pessoas), assim reforçando um certo tom ao mesmo tempo selecto e familiar, no que joga papel essencial a simpatia e afabilidade dos sócios-gerentes e dos funcionários.
A cozinha italiana é servida em apetitosas pizzas preparadas em forno de lenha e de tamanho avantajado, satisfazendo os mais afoitos nestas coisas do comer. As pastas são muito bem confeccionadas e apresentadas de modo agradável. Para beber, recomendo a sangria – de vinho tinto, branco ou de champagne –, a qual liga bem com os pratos servidos.
As sobremesas estabelecem uma ponte interessante entre as doçarias portuguesa e italiana, recomendando-se as mousses, acompanhadas por uma banda sonora em tom baixo (algo que vai rareando hoje em muitos restaurantes) e de músicas bem escolhidas, embora por vezes muito “comerciais”.
A localização – em frente ao “Carteiro”, já aqui alvo de análise – permite, quando se abandona este espaço de boa mesa e de boa conversa, contemplar o Douro e ganhar com isso energias para continuar a noite (sendo caso disso…). O estacionamento por aquelas bandas é fácil, o que actualmente é uma vantagem comparativa. Recomenda-se a reserva de mesa às sextas e sábados (encerra ao domingo ao jantar e segundas-feiras).
Pomodoro Rosso – um nome a fixar e a degustar não apenas pela qualidade dos pratos, mas sobretudo pelo ambiente acolhedor que se vive, por um preço não demasiado alto (uma refeição ronda os 20 €).

sexta-feira, maio 18, 2007

Early night post (26)

Apesar de ainda ser cedo, não resisto a algumas passagens deste magnífico livro que o FSP fez o favor de me oferecer e que devorei em um trago: Voltaire, Cândido ou o Optimismo, trad. da ed. original de 1759, por Rui Tavares, Lisboa: Tinta-da-China, 2006:

A música nos dias de hoje é apenas a arte de executar coisas difícies, e aquilo que é apenas difícil não pode agradar com o tempo. (p. 138)

Ora bem, disse Cândido a Martinho, haveis de convir que aqui está o mais feliz dos homens, pois está acima de tudo aquilo que possui. - Não vedes, disse Martinho, que está desgostoso de tudo o que possui? Disse Platão, há muito tempo, que os melhores estômagos não são aqueles que rejeitam todos os alimentos. - Mas, disse Cândido, não se tira algum prazer de criticar tudo, vendo defeitos onde os outros homens só crêem enxergar belezas? - Quer dizer, respondeu Martinho, que há prazer em não ter prazer nenhum? (p. 144)

- Pois bem! meu querido Pangloss, disse-lhe Cândido, agora que fostes enforcado, dissecado, moído de pancada, e que já remastes nas galeras, continuais a pensar que tudo vai pelo melhor no mundo? - Continuo a defender a minha primeira opinião, respondeu Pangloss; porque, enfim, sou Filósofo: não me convém andar a desdizer-me (...). (p. 160)

Martinho concluiu que o homem tinha nascido para viver nas convulsões da inquietude, ou na letargia do tédio. Cândido não concordava, mas não garantia nada. Pangloss confessava que tinha sofrido horrivelmente; mas tendo defendido em tempos que tudo ia às mil maravilhas, continuava a defendê-lo, embora não acreditando em nada. (p. 167)

- Tendes razão, disse Pangloss; pois quando o homem estava no Jardim do Éden, foi expulso ut operaretur eum, para que trabalhasse: o que prova que o homem não nasceu para o repouso. - Trabalhemos sem dissertar, disse Martinho, é o único meio de tornar a vida suportável. (p. 170)

Scissor Sisters - I Don't Feel Like Dancing

Porto de Vista (XI)

Desta vez, é bem mais fácil, hein?

Santos de jeans



Se fosse vivo, faria hoje 87 anos.
Altura para recordá-lo e para meditar nas palavras que nos legou.

"Precisamos de Santos sem véu ou batina.
Precisamos de Santos de calças jeans e ténis.
Precisamos de Santos que vão ao cinema, ouvem música e passeiam com os amigos.
Precisamos de Santos modernos, santos do século XXI, com uma espiritualidade inserida no nosso nosso tempo.
Precisamos de Santos comprometidos com os pobres e as necessárias mudanças sociais.
Precisamos de Santos que vivam no mundo, se santifiquem no mundo, que não tenham medo de viver no mundo.
Precisamos de Santos que bebam coca-cola e comam hot-dogs, que usem jeans, que sejam internautas, que usem disc man.
Precisamos de Santos que gostem de cinema, de teatro, de música, de dança, de desporto.
Precisamos de Santos sociáveis, abertos, normais, amigos, alegres, companheiros.
Precisamos de Santos que estejam no mundo; e saibam saborear as coisas puras e boas do mundo, mas que não sejam mundanos".
(João Paulo II)

quinta-feira, maio 17, 2007

Rimar contigo

Resgatei as palavras do olvido
para rimar sobretudo contigo.

Não domino as palavras
nem o calor que ontem me davas.
Coloquei as ditas
em uma sala de visitas
com vista para os teus lábios
de tremores solidários.
Fiz dançar as vogais
em passos matinais
e das consoantes
fiz cavalos andantes.
Pus de parte a pontuação
por não querer contenção.
Fui pelas palavras traído,
mas sê-lo é não conhecer olvido,
é perpetuar e ser perpetuado
e com isso mudar nosso Fado.
Traição palavrosa
é ínfima centelha da amorosa
que não destrói, só mata
o cordel que o sentimento ata.
Digo-te adeus, palavra alucinada
em boca há tanto anunciada
por essa coisa irregular
a que alguns chamam gostar.

Resgatei as palavras do olvido
para rimar sobretudo contigo.

F.L.

Vox populi (II)


Rembrandt, Bathsheba at Her Bath, 1654, Musée du Louvre.



Um homem atrapalhado é pior que uma mulher grávida.




Uma mulher atrapalhada é pior que um homem a ver um jogo de futebol.

Regresso ao passado (take # 5)


Por ter ouvido ontem na rádio a música desta já mítica série, lembrei-me de como gostava de ver o "He Man" ("Ele Homem" parece mesmo mal...), a "Shera", o "Skeletor" e demais gangada. A eterna luta do bem contra o mal, um pequeno felino que se transformava no automóvel mais avançado da altura, umas cores um bocado pindéricas e um herói com calções apertadinhos, estilo amaricado... Assim era esta série de inícios dos idos de 80. Quem se lembra dela?

Rosalía de Castro

A Galiza merece a Amizade sincera do nosso País e, em especial, das gentes do Norte. Por isso, associo-me ao dia 17 de Maio, dia em que se comemoram as Letras Galegas, por via da publicação, nesta data, em 1863, da obra "Cantares Galegos", da autoria da principal responsável pelo movimento do ressurgimento da língua galega: Rosalía de Castro (1837-1885).
Aqui fica um pequeno extracto:

Adiós, ríos; adios, fontes;

adios, regatos pequenos;

adios, vista dos meus ollos:

non sei cando nos veremos.

Miña terra, miña terra,

terra donde me eu criei,

hortiña que quero tanto,

figueiriñas que prantei,

prados, ríos, arboredas,

pinares que move o vento,

paxariños piadores,

casiña do meu contento,

muíño dos castañares,

noites craras de luar,

campaniñas trimbadoras,

da igrexiña do lugar,

amoriñas das silveiras

que eu lle daba ó meu amor,

camiñiños antre o millo,

¡adios, para sempre adios!

¡Adios groria! ¡Adios contento!

domingo, maio 13, 2007

Obrigado


La alegría de vivir, Pablo Picasso, 1946, Museo Picasso, Barcelona.

Apetece dizer obrigado.
Pela presença, pelo sorriso,
pelo olhar que é um esquiço,
pelo gesto de dar.
Quero agradecer
por imperativo de consciência,
não qualificável,
mas simplesmente gostável.
A dádiva de ontem
insuflou-me de ar novo,
metanóia da existência.
O desafio que nos fizemos,
de aproveitar somente
o que de bom todos temos,
ficou escrito em letras de oiro
em dedicatórias que releio.
Hoje, mais do que sorrir
do agradecimento que há-de vir,
apetece rodopiar
convosco até ao luar
de uma noite que se guardará
como coisa a que se recorrerá
nas ondas revoltas do mar.
Aberto de par em par,
porque os tesoiros são pra partilhar,
não há porta nem freio,
nem início ou fim; só meio.

Apetece agradecer.
Urge simplesmente ser
e prometer estar
neste ou naquele lugar
em rectilíneos momentos de prazer.
Convosco.

F.L.

quinta-feira, maio 10, 2007

T & L em Festa!!

The Starry Night, Vincent Van Gogh, 1889


O T & L, hoje, dia 10 de Maio, está em festa.
Apetece citar (devolvendo) as palavras de filipelamas a propósito de uma outra ocasião festiva: "Toquem as trompetas! Soem os badalos dos sinos das aldeias, vilas e cidades do nosso Portugal! Abram-se as garrafas de Moet et Chandon e coloque-se a toalha de linho sobre a mesa! O T&L rejubila!"
E, para banda sonora deste dia, aqui fica o endereço para ouvir um trecho de uma obra de Dvorak com a interpretação virtuosa do magnífico violoncelista Rostropovich. Esperando que seja do agrado de filipelamas... http://www.youtube.com/watch?v=xxYbF-Yzdf0
PS1 – Reconhece-se a hesitação entre este vídeo musical e o do "Rock this party" de Bob Sinclar. Mas o último é um hit demasiado recente ... ;-)
PS2 – E, em consonância com o dia, atingimos as 30.000 visitas! :-)

quarta-feira, maio 09, 2007

ZOOMático


Paradisíaco

Porto de Vista Esclarecida (X)

A Luísa acertou. Parabéns!
A primeira fotografia é da cúpula do belo edifício que, até há pouco tempo, albergou a Faculdade de Ciências, e em que hoje está instalada a Reitoria da Universidade do Porto.
É o tecto que coroa o átrio fronteiro ao Salão Nobre.
Nesse espaço, o que me deslumbrou (depois de tantas e tantas idas a este local, mas com olhos pouco atentos) foi o conjunto de pinturas que se encontram nas suas paredes e cujas fotografias aqui deixo. Pareceu-me, no entanto – o que foi corroborado por filipelamas - que tal seria muito fácil, sobretudo para o GBN (agora sim, GBN, pode sentir-se pressionado!)
Então, optamos pela cúpula.
Depois, para facilitar, coloquei uma fotografia da estátua que represnta a Universidade e que se encontra no piso térreo entre os dois braços de escadas.
Nada sei sobre as pinturas, nem sobre a estátua.
Direi, por isso, apenas, que o início da construção do edifício data de 1807. É da autoria do arquitecto José da Costa Silva. A execução da obra foi dirigida pelo Engenheiro Carlos Amarante.
Aí foi instalada, inicialmente, a Academia Politécnica. Na verdade, em 1803, a Junta da Companhia dos Vinhos e Alto Douro solicitou a D. João VI, então príncipe regente, a criação de aulas para o ensino do comércio, matemática, francês e inglês. Foi criada, então, a Academia Real da Marinha e do Comércio com as cadeiras de matemática, filosofia, comércio, desenho, manobra naval e aquelas duas línguas.
A obra só foi concluída nos finais do séc. XIX. Pertence ao estilo neoclássico, apresentando claras semelhanças com o Hospital de Santo António.
Uma menção honrosa para o PDM (;-)) e para Mr. Sherlock - pelos palpites certeiros, mas tardios -, para o LPC - pelo brilhante raciocínio - e para o Amândio Sereno - por ter estado muito perto ao referir o Salão Nobre (afinal era outro! :-))

terça-feira, maio 08, 2007

Porto de Vista (X - A)


E com esta ajudinha...

segunda-feira, maio 07, 2007

Porto de Vista X

Fitas

Nas rubras fitas conjuguei o verbo amar.
Na tua capa preta rasguei o luar.
Do teu traje fiz sol e lua
onde sou coisa tua.
Na cartola escrevi Saudade,
pela bengala jurei só Verdade.
Nas lágrimas que hoje vertemos
condensamos tudo o que escondemos
ao longo de espinhos e mágoas,
risos, caretas e águas
límpidas de ribeiros imaginários
onde não há lugar pra corsários
que roubam sonhos infantis
a miúdos rechonchudos e pueris.

O tempo é meu,
o tempo é nosso!
Dá-me o teu
verso que é nosso!
Não há fontes, nem prantos,
nem medo dos entretantos.
O futuro é incerto,
mas não é breu!
Armado com a capa,
o mundo é teu!

Vai, esvoaça o sorriso!
Deixa as fitas transportar
a foz eterna pró mar!

F.L.

Saudade ou um dia pleno

Hoje foi um dia muito preenchido. As emoções começaram ao acordar e só há pouco se acomodaram para preparar um descanso nocturno que se adivinha docemente melancólico.
O meu irmão é finalista e hoje não pude deixar de me comover ao vê-lo trajado com as fitas desfraldadas e com aquele brilho nos olhos de quem vence uma etapa.
De tarde, na minha Faculdade (que bom é este sentimento de pertença), as lágrimas estiveram por um fio ao contemplar os novos licenciados que conheci desde os primeiros anos e que tive a honra de ter como alunos. Tantas emoções, tantas recordações.
Recuei 12 anos àquele dia em que entrava num mundo novo chamado “Universidade” e logo me vieram à lembrança os risos, as alegrias, os olhares cúmplices daqueles que comigo partilharam o sonho e a realidade de uma Casa que vimos nascer e que, como tantos outros que vieram depois de nós – e tantos mais que lá estão e lá estarão –, ajudamos a fazer crescer. Os fados de despedida – a fonte perto da qual se amaldiçoa a sorte que nos deixa partir com o bater da “velha cabra” em eterna memória – levaram-me até ao dia 7 de Maio de 2000, no qual nos impuseram cartola e bengala, à semelhança do que hoje sucedeu por todo o País.
Peguei no livro de curso que organizámos e comecei a percorrer as suas folhas, relembrando os amigos que hoje estão por aí disseminados, espero que ocupados a serem felizes. E não pude deixar de parar na folha em que, sorridente, uma querida colega enfrentava o futuro com a serenidade estampada no rosto.

Essa colega foi tolhida do nosso convívio pouco tempo depois.
É para ela – eu sei que ela está a ouvir – que deixo alguns trechos de um pequeno discurso que os finalistas de então quiseram oferecer naquele dia a todos quantos lhes deram a honra de com eles partilhar aquele momento único. Tal como hoje.

Como já alguém escreveu, “ninguém caminha sozinho”. (…) Aos verdadeiros Amigos que fomos cativando e que levamos para a Vida bem guardados no coração, agradecemos a Solidariedade, os braços sempre abertos e a suavização dos espinhos que fomos encontrando ao longo desta caminhada, comprometendo-nos a que essa Amizade se renove e fortaleça daqui para a frente. (…) Como se lê na maior parte das fitas rubras que agora esvoaçam, os cinco anos de curso passaram de forma repentina, como é apanágio desse inexorável ser que é o Tempo (…). Em relação ao nosso futuro, estamos conscientes das dificuldades com que iremos deparar. Todavia, recusamos liminarmente qualquer perspectiva dantesca (…). Prometemos trabalho, dedicação, honestidade e simplicidade, na certeza de que o sucesso e a realização pessoal “dependem mais do que temos na nossa cabeça do que nos nossos bolsos” (Schopenhauer). (…) Se é verdade que aqui comemoramos o fim de um ciclo das nossas vidas, não podemos encarar este dia (…) como a morte de uma parte de nós, mas sim como um novo ponto de partida para uma etapa por certo mais exigente, porém agora reforçada pelos ensinamentos transmitidos, pela Amizade, bálsamo da nossa existência, e pelo Amor dos nossos familiares. (...) parafraseando Paulo Coelho, que sejamos “como o rio que transborda e não como o tanque que contém sempre a mesma água!”.

sábado, maio 05, 2007

Letras à mesa - KOOL (Casa da Música)






Restaurante KOOL
Aberto de terça a sábado ao almoço e jantar e ao domingo ao almoço. Das 12.30 às 15 e das 20 às 24 (nos dias de espectáculos na Casa da Música abre às 19.30).

Casa da Música (Piso 7)
Av. da Boavista 604-610
Porto
tel. +
351 226 092 876
fax. +351 226 092 877
kool@restaurantekool.com

O que está na moda não é necessariamente bom. Verdade tão insofismável quanto de palmar racionalidade, é de aplicação directa ao restaurante “KOOL” da Casa da Música. De «cool» só mesmo o nome.
Comece-se por um atendimento de fraca qualidade, sem a educação exigida num local que se pretende algo restrito e que pratica preços bem acima da média. Exemplifiquemos: apesar de existir uma espécie de bengaleiro, não houve uma alma que viesse receber os casacos dos circunstantes. Só um olhar um pouco reprovador fez com que os funcionários novatos e, aparentemente pouco experientes, lá se dispusessem a livrar-nos do peso.
Junte-se um ambiente impessoal, a que não é alheia a arquitectura de paredes muito altas, deixando um ar desconfortável à sala, iluminada q.b., com mesas distantes umas das outras (interessante para conversas mais recatadas), com um enorme bar e uma escultura de garrafas azuis… em forma de garrafa.
Passámos as entradas e fomos para os pratos principais. Pedimos filetes de pato salteados com piri-piri, timbalo de fettuccine e legumes e um prato de filetes de atum. Para nosso espanto, os pratos, típicos de uma cozinha de autor, para além da boa apresentação, vinham com os alimentos frios e, no caso do pato, mal cozinhado. A quantidade é diminuta, mas isso não é grave, se atendermos a uma certa vertente da «nouvelle cuisine».
Carta de vinhos de bom nível. As sobremesas foram o melhor. «Bolinho da avó de cenoura com mousse de chocolate branco» e «ganache de chocolate preto e avelã» estavam muito bem confeccionados e deram algum colorido a uma refeição sofrível.
Melhor mesmo a vista que se alcança do «balcony». A Boavista a nossos pés, com uma iluminação pardacenta e um frio típico do nosso Porto foram o que retivemos da visita.
Um restaurante a não repetir!

As fotos, como sempre, são assinadas pela RTP!

Curtas sobre metragens - O mistério da estrada de Sintra

O mistério da estrada de Sintra
Realização
: Jorge Paixão da Costa
Elen
co: Ivo Canelas, António Pedro Cerdeira, Rogério Samora, Giselle Itiê, Flávio Galvão, José Pedro Vasconcelos, Nicolau Breyner, Bruna di Tullio, James Weber Brown, João Miguel Rodrigues e João Lagarto.
Portugal/Brasil, 2007.

Sítio oficial: http://www.filmesfundo.com/omisteriodaestradadesintra/.

Originais das cartas em: http://purl.p
t/34/2/.

Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, fartos do marasmo em que vivia a sociedade portuguesa em 1870, decidiram enviar, de forma anónima, um conjunto de cartas dirigidas ao director do «Diário de Notícias» – DN – em que narravam, sob a forma de um folhetim policial (considerado o primeiro do género no nosso País), o mistério de um rapto na estrada de Lisboa para Sintra que levaria um jovem escritor a uma casa onde jazia, morto, um oficial inglês (Rytmel), em virtude de uma excessiva dose de ópio que lhe fora dada pela sua amada Luísa, mulher de um conde português de baixa índole e que a fazia infeliz.
É no meio desta crítica de costumes a uma sociedade monárquica e farta da política (o conde de Abranhos também aparece), com lascivas condessas, lúgubres primos, oficiais garbosos, maridos cornudos e cubanas fogosas, que a película de Jorge Paixão da Costa se desenrola.
As referidas cartas – enviadas entre 24/7/1870 e 27/9/1870 – fizeram do Verão lisboeta um dos mais tórridos da época. A avidez do público era engrossada pelo anonimato dos escritores – apenas desvendado dois meses após a publicação do primeiro episódio –, a que acrescia uma estranha semelhança da ficção romanesca com a realidade. A crítica satírica e corrosiva de costumes de Ramalho e Eça (em tempos, professor e aluno no Colégio da Lapa, no Porto) fez mesmo surgir um surto de paranóia colectiva (comparável , porventura à actual «Floribella») que afastou várias pessoas dos caminhos para Sintra.
O romance «O mysterio da estrada de Cintra», publicado em 1884, relata acontecimentos que serviram de base ao realizador que lhes juntou uma perspectiva da amizade entre Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, integrada na «Geração de 70» e na luta contra o Romantismo, a qual retrata com correcção a ténue linha entre a Amizade pura e o ódio mais comezinho.
As interpretações de Ivo Canelas (Eça) e de António Pedro Cerdeira (Ramalho) são de bom nível, especialmente a do primeiro actor, encarnando um Eça como o imaginamos: altivo, cáustico e com traços físicos bem marcados (o «Fura-Vidas» da SIC, em que Ivo Canelas contracena está a anos-luz deste trabalho). Nicolau Breyner, no papel do director do «DN» confirma o que já todos sabemos – a excelência de actor que é: a paradoxal mansidão e a rispidez do director não podiam ter encontrado melhor protagonista. A interpretação dos actores Flávio Galvão e Giselle Itiê não traz nenhum especial «apport» ao filme. Luísa, a condessa devassa, interpretada por Bruna di Tullio surge um pouco deslavada e sensaborona.
O som é péssimo – os nossos realizadores ainda não dominam as técnicas de conjugar a voz dos actores com o som que o público deve apreciar; as «décalages» são constantes. Nota positiva para a fotografia, embora a iluminação seja fraquita. Como alguém dizia no final, a banda sonora era demasiado previsível e, acrescentamos nós, até mesmo «pimba» dentro do género clássico.
O filme custou 2,3 milhões de euros. Para o preço exigia-se mais, principalmente ao nível do acordar de consciências e da crítica de comportamentos e preconceitos sociais. Bem vistas as coisas, o género humano, as suas volúpias, desejos inconfessados e traumas são os mesmos, estejamos em 1870 ou em 2007.
A RTP (que não a nossa treteira!) anuncia a rodagem de uma mini-série intitulada «Os novos mistérios da estrada de Sintra», realizada pelo mesmo Jorge Paixão da Costa, e que se propõe acompanhar o enredo desde o séc. XIX à actualidade. Veremos se aí há rasgo para os aspectos que gostaríamos de ver retratados.