sábado, maio 05, 2007

Curtas sobre metragens - O mistério da estrada de Sintra

O mistério da estrada de Sintra
Realização
: Jorge Paixão da Costa
Elen
co: Ivo Canelas, António Pedro Cerdeira, Rogério Samora, Giselle Itiê, Flávio Galvão, José Pedro Vasconcelos, Nicolau Breyner, Bruna di Tullio, James Weber Brown, João Miguel Rodrigues e João Lagarto.
Portugal/Brasil, 2007.

Sítio oficial: http://www.filmesfundo.com/omisteriodaestradadesintra/.

Originais das cartas em: http://purl.p
t/34/2/.

Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, fartos do marasmo em que vivia a sociedade portuguesa em 1870, decidiram enviar, de forma anónima, um conjunto de cartas dirigidas ao director do «Diário de Notícias» – DN – em que narravam, sob a forma de um folhetim policial (considerado o primeiro do género no nosso País), o mistério de um rapto na estrada de Lisboa para Sintra que levaria um jovem escritor a uma casa onde jazia, morto, um oficial inglês (Rytmel), em virtude de uma excessiva dose de ópio que lhe fora dada pela sua amada Luísa, mulher de um conde português de baixa índole e que a fazia infeliz.
É no meio desta crítica de costumes a uma sociedade monárquica e farta da política (o conde de Abranhos também aparece), com lascivas condessas, lúgubres primos, oficiais garbosos, maridos cornudos e cubanas fogosas, que a película de Jorge Paixão da Costa se desenrola.
As referidas cartas – enviadas entre 24/7/1870 e 27/9/1870 – fizeram do Verão lisboeta um dos mais tórridos da época. A avidez do público era engrossada pelo anonimato dos escritores – apenas desvendado dois meses após a publicação do primeiro episódio –, a que acrescia uma estranha semelhança da ficção romanesca com a realidade. A crítica satírica e corrosiva de costumes de Ramalho e Eça (em tempos, professor e aluno no Colégio da Lapa, no Porto) fez mesmo surgir um surto de paranóia colectiva (comparável , porventura à actual «Floribella») que afastou várias pessoas dos caminhos para Sintra.
O romance «O mysterio da estrada de Cintra», publicado em 1884, relata acontecimentos que serviram de base ao realizador que lhes juntou uma perspectiva da amizade entre Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, integrada na «Geração de 70» e na luta contra o Romantismo, a qual retrata com correcção a ténue linha entre a Amizade pura e o ódio mais comezinho.
As interpretações de Ivo Canelas (Eça) e de António Pedro Cerdeira (Ramalho) são de bom nível, especialmente a do primeiro actor, encarnando um Eça como o imaginamos: altivo, cáustico e com traços físicos bem marcados (o «Fura-Vidas» da SIC, em que Ivo Canelas contracena está a anos-luz deste trabalho). Nicolau Breyner, no papel do director do «DN» confirma o que já todos sabemos – a excelência de actor que é: a paradoxal mansidão e a rispidez do director não podiam ter encontrado melhor protagonista. A interpretação dos actores Flávio Galvão e Giselle Itiê não traz nenhum especial «apport» ao filme. Luísa, a condessa devassa, interpretada por Bruna di Tullio surge um pouco deslavada e sensaborona.
O som é péssimo – os nossos realizadores ainda não dominam as técnicas de conjugar a voz dos actores com o som que o público deve apreciar; as «décalages» são constantes. Nota positiva para a fotografia, embora a iluminação seja fraquita. Como alguém dizia no final, a banda sonora era demasiado previsível e, acrescentamos nós, até mesmo «pimba» dentro do género clássico.
O filme custou 2,3 milhões de euros. Para o preço exigia-se mais, principalmente ao nível do acordar de consciências e da crítica de comportamentos e preconceitos sociais. Bem vistas as coisas, o género humano, as suas volúpias, desejos inconfessados e traumas são os mesmos, estejamos em 1870 ou em 2007.
A RTP (que não a nossa treteira!) anuncia a rodagem de uma mini-série intitulada «Os novos mistérios da estrada de Sintra», realizada pelo mesmo Jorge Paixão da Costa, e que se propõe acompanhar o enredo desde o séc. XIX à actualidade. Veremos se aí há rasgo para os aspectos que gostaríamos de ver retratados.

5 comentários:

Thumbelina disse...

Obrigada Filipelamas acabou de me poupar 4€!!!

Exactamente porque tinha intenção de ver o filme, resolvi esta semana reler o clássico folhetim. Mas, se é assim como diz, acho que não vale o trabalho de ir ao cinema sobretudo depois de ter lido a história (à qual dificilmente algum filme fará justiça.

Já a série "nome de código: sintra" que a RTP - a outra ;-) - exibiu recentemente, uma adaptação livre d'o Mistério, era bastante interessante e "bem feita" e só tive pena de não ter conseguido acompanhar.

Pegando na sua deixa, proponho que o T&L produza "O Mistério na Estrada de Perosinho" baseada na história do rapto da Floribella que a leva a uma casa onde jaz morto o talento para representar... ;-)

Bom FDS!

Anónimo disse...

Cara Thumbelina,
à parte dos defeitos do filme, este tem as suas qualidades e acima de tudo, tendo em conta as condições dos filmes portugueses em geral, não acho que este seja um filme menor. Você é que sabe se vale ou não a pena, e para isso terá de visioná-lo.

Não estou a querer contrariar a opinião postada neste blog. Estou só a querer dizer que há coisas boas que compensam certas menos boas.

E se o cinema português não tiver audiências, como é que você quer que o nivel de qualidade possa aumentar? Não se esqueça que a Warner e a Paramount não financiam os nossos filmes.


Um grande bem haja.
Nuno Diogo.

filipelamas disse...

Cumpre esclarecer que o comentário não teve por fim retirar espectadores ao filme, mas tão-só veicular os seus pontos fortes e fracos. Como em todos os filmes, portugueses ou estrangeiros.
Obrigado pela visita, Nuno Diogo.

rtp disse...

Também vi o filme. Concordo com a apreciação de filipelamas. Parece-me, aíás, que das suas palavras não se retira a ideia ou conselho de que não se deva ir ao cinema ver este filme.
Destacam-se várias interpretações como se diz no post. Eu sublinho a prestação de Ivo Canelas.
O argumento é muito interessante. Por partir de factos reais. Por nos levar ao encontro de um outro (o mesmo?) país. Por nos pôr em contacto com as palavras de Eça e de Ortigão. Por nos transmitir a essência vida moderna ("Fazer tudo à pressa!").
E sendo um filme português excedeu as minhas expectativas, quanto à luminosidade (normalmente é tudo tão escuro!), ao ritmo (não tão demasiadamente lento como a maioria), ao teor jocoso (sem cair numa toada de mau gosto: o que acontece com excessiva frequência, quando se trata de uma comédia).
Saí da sala do cinema com vontade de o recomendar. Apesar de ter reparado em inúmeras deficiências, que me parecem (a mim que sou leiga) relativamente fáceis de eliminar. Mais estupefacta fiquei quando vi que o orçamento não era tão assim tão magro.

Thumbelina disse...

Acalmem-se as hostes!

Não sou assim tão sugestionável ;-)e não nego à partida um filme que desconheço!

É que já ouvi a mesma opinião de várias fontes - e fidedignas - e a desilusão é uma constante...

Normalmente, costumo preterir filmes estrangeiros em favor de portugueses no que toca à escolha no cinema (o que também já me valeu alguns insultos por parte de amigos ... lol) mesmo até porque, infelizmente, não há outras oportunidades de os ver - raramente passam mais tarde nas televisões nacionais.

Por outro lado, não acho que tudo que é nacional é bom ou que tudo o que é nacional é mau.

E também acho que em nada favorece o cinema português o argumento de que "para filme português" ou "para o orçamento, condições, etc." até está muito bom.

Anyway, para tirar as dúvidas vou tentar ver o filme!

Ps: este comment foi feito ao abrigo do Direito de Reposta. LOL