quarta-feira, setembro 29, 2010

Embargo

"Embargo", de António Ferreira, baseado na obra homónima de José Saramago, é uma experiência de "nonsense" e de algum humor. Um homem preso ao carro que urina pelas pernas abaixo, um coelho "mágico", uma trotinete em troca de uma máquina ultra-moderna que elabora desenhos tridimensionais de pés que seria a grande aposta da indústria do calçado...
Interpretações fraquinhas, com falta de vigor e de expressão, luz fraca e planos antiquados compõem o ramalhete.
Vale por alguns momentos de humor e por alguma alegoria do Homem preso à máquina, à tecnologia, por alguma (pouca) densidade de um diálogo entre pai e filha, pelo alheamento da realidade.

Obrigado à T. e ao T. pelo convite:)

domingo, setembro 26, 2010

Wall Street 2 ou o triunfo da economia do nada

Wall Street 2, de Oliver Stone, alia a lucidez da reflexão sobre a actual situação económico-financeira com os mais puros sentimentos humanos. Puros no sentido de serem pertença do género humano. A ganância e a generosidade. O amor e o egoísmo.
De tudo somos mesmo capazes, ainda que em detrimento daqueles que nos são mais próximos. Retenho a frase: "Os pais são os ossos onde os filhos afiam os dentes". Um verdadeiro "case study" para os Colegas psicólogos...
A vertigem do boato e o modo como ele influencia decisivamente os mercados de acções e daí se propaga à dita "economia real" são assustadores. Tudo, ao fim e ao cabo, se baseia na informação: boa ou má, saudável ou "lixo do subprime". A economia produtiva que tanta tinta e sangue fez correr, que alimentou revoluções e ideais, que fez nascer génios e ditadores, essa parece posta de lado, uma espécie de peça de museu. Viva a economia baseada... no Nada..., ou melhor, no nada.
Eu, por mim, preferia aquela que se baseava em produtos que víssemos, em géneros que comêssemos ou mesmo em adornos que pudéssemos usar. Devo ser um antiquado.

O curso de Direito segundo Mexia

Pedro Mexia in Grande Reportagem


Uma amiga de longa data pediu-me que lhe corrigisse as vírgulas na Tese de
Doutoramento. Com certeza que sim. Atirei-me, pois, às vírgulas. Mas
confesso que não estava preparado. É que a tese - não sei como dizer isto -
debruça-se sobre a problemática da cessão dos créditos.

Confortavelmente esticado na minha caminha, de lápis na mão, dei por mim
teletransportado ou, se preferirem, transplantado para a década de noventa
do século passado. Essa tarde recordou-me outras tardes, árduas e
infindáveis, há 12 ou 13 anos. Era, nessa época, aluno do curso de Direito.

Saquei o canudo em 1995. E, depois disso, tenho mantido o silêncio.
Mas agora, passado o período de nojo, aproveito para deixar aos meus
leitores dois ou três avisos sobre o dito curso.

Pois bem: trata-se da mais inconcebível, árida, macilenta e desprezível das
criações humanas. Reparem que nem sequer me refiro ao Direito propriamente
dito: sobre essa matéria a conivência dos juristas com tiranias sortidas e
as obras completas do Kafka chegam e sobram. Quero agora evocar apenas o
curso, aqules cinco penosos anos de colónia penal. Convém aliás explicar que
o curso de Direito tem cinco anos não por exigências curriculares mas como
forma de homenagem aos planos quinquenais soviéticos. A lógica de opressão,
de dirigismo e de extermínio é a mesmíssima. Não vou agora aqui sumariar a
minha experiência estudantil, a qual, aliás, foi aprazível a princípio e se
tornou depois indiferente.

Mas recordo-me bem do momento de viragem. Em pleno terceiro ano, o meu
descontentamento veio ao de cima violentamente, como um almoço mal digerido.
Estava numa aula de Direitos Reais. Estava aborrecido. Estava com sono.
Escrevinhava coisas num caderno. E em cima do estrado, o monocórdico mestre
dissertava sobre a «servidão de estilicídio». Eu explico: trata-se de
garantir escoamento das águas quando um prédio vizinho não está a mais de
cinco decímetros do outro. A minha vaga insatisfação com o curso tornou-se,
nesse segundo, algo de muito mais agudo, como uma úlcera que rebenta. Eu não
sabia o que queria fazer da minha vida; mas não era certamente estudar o
escoamento de águas e a distância entre os prédios. Que se lixasse o
estilicídio. Eu queria distância era do curso. Porque essa era a nossa
faina. Engolíamos, como óleo de rícino, noções assim intragáveis durante dez
infindáveis semestres.

Não apenas a acção de despejo, o IRS ou a recorribilidade do acto
administrativo, assuntos minimamente perceptíveis, mas muitas e muitas
bizarrias. A Constituição da Costa Rica. O inadimplemento culposo. A
impugnação pauliana. A venda a retro. A ineptidão da petição inicial. As
prescrições presuntivas. A substituição quase-pupilar. O fideicomisso. O
anatocismo. A enfiteuse. Os vícios redibitórios. Os impedimentos dirimentes
relativos. O contrato sinalagmático. O registo das sociedades em comandita.
O benefício da excussão. E, claro, a cessão de créditos. É preciso ter um
interesse desmesurado acerca das regras que regulam uma sociedade, em todos
os seus nauseabundos detalhes, para estudar estas salgalhadas. E para
aguentar os infindáveis casos entre o "senhor A" e o "senhor B", que vendiam
um ao outro casas, se processavam, pediam licenças de uso e porte de arma,
deixavam violas de gamba em usufruto, e por aí em diante. Por vezes iam mais
longe: o usufruto era em Amesterdão, a arma de Poiares da Beira, o processo
na Califórnia e a casa nas Comores. Quid juris?, perguntavam, sacanas, os
lentes. Não sabíamos nem queríamos saber.

Por esta altura, todos nós queríamos mais era que o senhor A e o senhor B se
quilhassem. Manhãs e tardes a fio assisti a isto. Noites e noites a fio
estudei isto. Vou ter olheiras para sempre por causa disto. Arruinei a minha
caligrafia por causa disto. Sofri horrores de nervos e bexiga por causa
disto. Aguentei o prof. Soares Martinez por causa disto. Comprei e sublinhei
de capa a capa catrapázios de setecentas páginas sobre a pensão de alimentos
por causa disto. Por isso vos digo, ó finalistas do liceu: não se metam
nisso.

Parafraseando Jaques Séguéla, diria que há actividades bem mais decentes.
Como pianista num bordel.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Bravo, Isabel!

Só agora tive o (des)prazer de visualizar a mensagem de bom ano lectivo de Isabel Alçada.
Aconselho vivamente que todos a vejam. Um exemplo monumental do estado da educação em Portugal e de como não se dirigir a alguém. Antes de mais, o estilo: a Sra. Ministra parece que está a falar para mentecaptos. Mesmo (ou "memo", como ela própria diz...) um aluno de 6 anos acharia o tom infantil, com referências buçais e que roçam o anedótico – desde indicações sobre o pequeno-almoço, a importância de "comer coisas boas", até à maravilhosa descoberta de que o dia tem 24 horas e que os meninos devem dormir bem, dedicar-se a práticas desportivas... e estudar!
Já se sabia que os manuais de estudo, os métodos propostos (impostos) pelos "cientistas da educação" advogavam uma infantilização de consequências ainda não totalmente perceptíveis. Agora, não se esperava que a titular da pasta da Educação (!!) participasse neste suicídio colectivo que é o de desresponsabilizar os estudantes, diminuindo-os a seres inferiores incapazes de pensar.
O tom de voz, a extrema lentidão do discurso é o retrato fiel do País: empatado, a ruir por dentro, em estado de implosão.
Bravo, Sra. Ministra! Adorei esta "Uma Aventura no início do ano lectivo"! "Memo"!


sexta-feira, setembro 17, 2010

A Gaivota

A Gaivota, Teatro Nacional São João.
A Gaivota” nas palavras do Autor do texto (Tchékhov) numa carta enviada a Aleksei Suvórin em 1895: “Estou a escrever uma peça. […] Escrevo‑a com bastante agrado, embora pecando horrivelmente contra as regras de cena. É uma comédia com três papéis femininos, seis masculinos, quatro actos, uma paisagem (vista para um lago); muita conversa sobre literatura, pouca acção, cinco arrobas de amor”.