Mia Couto, Terra Sonâmbula, Leya SA, 2008, p. 5.
domingo, fevereiro 20, 2011
Early Night Posts (76)
Mia Couto, Terra Sonâmbula, Leya SA, 2008, p. 5.
quinta-feira, fevereiro 03, 2011
Early Night Posts (75)
Aquele acontecimento aumentou mais ainda a tensão que reinava no bairro. O administrador temia sobretudo uma coisa: que os habitantes se apercebessem que a união deles constituía uma força poderosa para fazer frente ao futuuwat. Por esse motivo julgava necessário acabar com Rifa`a e com todos os que podiam tomar o seu partido.
(…)
Contudo porque será que o nosso bairro sofre de amnésia?
(…)
- Só pela força haveremos de limpar o nosso bairro da podridão dos futuuwat. – continuou Qasim – É pela força que haveremos de realizar a vontade do Fundador! É pela força que haveremos de fazer reinar a justiça, a compaixão e a paz! E a nossa força será a primeira a não ser tirânica! ”
Maguib Mahfouz, Os filhos do nosso bairro, Civilização Editora, 2009, p. 1, p. 217, p. 239 e p. 301.
A actualidade fez-me recordar esta obra de Maguib Mahfouz que conta a história do bairro do egípcio Gabalawi, em que se sucedem os administradores do waqf e os seus futuwwat, sob o flagelo do esquecimento num tempo para todo o sempre volvido.
terça-feira, outubro 26, 2010
Early night post (74)

Gabriel García Márquez, Memoria de mis putas tristes, Barcelona: Debolsillo, 2009, p. 66.
quarta-feira, junho 09, 2010
Early Night Post (73)

Voltaire, O Ingénuo, Vila Nova de Famalicão: Edições Quasi, 2008, pp. 26, 27, 30, 45, 48, 50, 51, 55, 61, 63.
quarta-feira, maio 26, 2010
Early Night Post (72)
“Um dos mais vulgares e divulgados preconceitos consiste em afirmar que cada pessoa tem apenas as suas características determinadas, que existem pessoas boas ou más, inteligentes ou estúpidas, enérgicas ou apáticas, etc. Mas as pessoas não são assim. Podemos dizer de um individuo que é mais vezes bom do que mau, mais vezes inteligente do que estúpido, mais vezes enérgico do que apático – e vice-versa; mas será mentira se dissermos que uma pessoa é boa e inteligente, e que outra é má e estúpida. No entanto, classificamos sempre as pessoas desta maneira. O que é incorrecto. As pessoas são como os rios: a água deles é igual, a mesma por todo o lado, mas cada rio ora é estreito, ora é largo, ora é rápido, ora calmo, ora límpido, ora turvo, ora frio, ora quente. As pessoas também. Cada qual transporta em si o germe de todas as características humanas e manifesta ora umas, ora outras, e às vezes nem parece ele próprio, mas continuando, no entanto, a sê-lo.”
Lev Tolstói, Ressureição, Editorial Presença, 2010, p. 229.
quarta-feira, março 17, 2010
Early Night Post (71) - Frühling ou a anunciação da Primavera
Süße, wohlbekannte Düfte
Streifen ahnungsvoll das Land
Veilchen träumen schon,
Wollen balde kommen
Horch, von fern ein leiser Harfenton!
Frühling, ja du bist's!
Dich hab ich vernommen!
ANUNCIAÇÃO
a deslizar, pausado, na planura.
Mensageiro moroso
dum recado comprido,
di-lo sem pressa ao alarmado ouvido
dos salgueirais:
a neve derreteu
nos píncaros da serra;
o gado berra
dentro dos currais,
a lembrar aos zagais
o fim do cativeiro;
anda no ar um perfumado cheiro
a terra revolvida;
o vento emudeceu;
o sol desceu;
a primavera vai chegar, florida.
terça-feira, março 16, 2010
Early Night Post (71)
"Não se tinham adaptado a uma existência comum, às alegrias das pessoas normais, a um destino mediano; viviam lado a lado com a mesma esperança sem nunca falarem nisso, ou porque não se apercebiam ou simplesmanete porque eram soldados ciosos do pudor das suas almas.
Se calhar também Tronk, provavelmente. Tronk seguia à risca os artigos do regulamento, a disciplina matemática, o orgulho da responsabilidade escrupulosa, e tinha a ilusão de que isso lhe bastava. Mas se lhe tivessem dito: será sempre assim enquanto viveres, sempre igual até ao fim, também ele teria despertado. Impossível, teria dito. Algo diferente terá de acontecer, qualquer coisa realmente digna, que nos permita dizer: agora, mesmo que tenha chegado o fim, paciência.
(...)
Parecia que tinha sido ontem, contudo o tempo não deixara de se dissipar com o seu ritmo imóvel, igual para todos os homens, nem mais lento para quem é feliz nem mais veloz para os desventurados.
Nem depressa, nem devagar, três meses tinham passado. O Natal já se dissolvera na distância, e também o novo ano chegara, trazendo por alguns minutos estranhas esperanças aos homens."
"O deserto dos tártaros", Dino Buzzati, Cavalo de Ferro, 2008, pp. 60-61 e
KZ- Gedenkstätte Neuengamme
"Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
(...)"
sexta-feira, março 12, 2010
Early Night Post (70)

segunda-feira, março 01, 2010
quinta-feira, janeiro 28, 2010
65 anos - Early Night Post (68)

26 de Janeiro [de 1945]. Jazíamos num mundo de mortos e de larvas. O último vestígio de civilização desaparecera à nossa volta e dentro de nós. (…)
Uma parte da nossa existência reside nas almas de quem entra em contacto connosco: eis porque é não-humana a experiência de quem viveu dias em que o homem foi uma coisa aos olhos do homem. Nós os três [Levi, Charles e Sómogyi] devemos uns aos outros ter conseguido evitá-lo em grande parte (…)
Mas a milhar de metros por cima de nós, nos rasgos entre as nuvens cinzentas, desenvolviam-se os complicados milagres dos duelos aéreos. Por cima de nós, nus, impotentes e inermes, homens do nosso tempo procuravam a morte recíproca com os instrumentos mais requintados. Um gesto do seu dedo podia provocar a destruição de todo o campo, aniquilar milhares de homens; enquanto o conjunto de todas as nossas energias e vontades não chegria para prolongar um minuto a vida de um só de nós.
Os russos chegaram enquanto Charles e eu levávamos Sómogyi para um lugar pouco afastado. Estava muito leve. Virámos a maca na neve cinzenta.
Charles tirou o boné. Tive pena de não ter boné. (...)"
Primo Levi, "Se isto é um homem", Teorema, 2009, p. 40, pp. 43-44 e pp. 174-176.
segunda-feira, janeiro 11, 2010
Early Night Post (67)

"Todos descobrem, mais tarde ou mais cedo na vida, que a felicidade perfeita não é realizável, mas poucos se detêm a pensar na consideração oposta: que também uma infelicidade perfeita é, igualmente não realizável. Os momentos que se opõem à realização de ambos os estados-limites são da mesma natureza: derivam da nossa condição humana, que é inimiga de tudo o que é infinito. Opõe-se-lhe o nosso sempre insuficiente conhecimento do futuro; a isto se chama, num caso esperança; no outro, incerteza do amanhã. Opõe-se-lhe a certeza da morte, que impõe um limite a qualquer alegria, mas também a qualquer dor."
quarta-feira, janeiro 06, 2010
Early Night Post (66)

A Estrela
Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava
Grandes perigos na noite me apareceram
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
De uma cidade a néon enfeitada
A minha solidão me pareceu coroa
Sinal de perfeição em minha fronte
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era de um ferro
Tão pesado que toda me dobrava
Do frio das montanhas eu pensei
«Minha pureza me cerca e me rodeia»
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu
E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram
Disse às pedras do monte que falassem
Mas elas como pedras se calaram
Sozinha me vi delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava
E eu caminhei na noite minha sombra
De desmedidos gestos me cercava
Silêncio e medo
Nos confins desolados caminhavam
Então eu vi chegar ao meu encontro
Aqueles que uma estrela iluminava
E assim eles disseram: «Vem connosco
Se também vens seguindo aquela estrela»
Então soube que a estrela que eu seguia
Era real e não imaginada
Grandes noites redondas nos cercaram
Grandes brumas miragens nos mostraram
Grandes silêncios de ecos vagabundos
Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava
E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava
E a estrela do céu parou em cima
de uma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha a cor que tem a cinza
Longe do verde azul da natureza
Ali não vi as coisas que eu amava
Nem o brilho do sol nem o da água
Ao lado do hospital e da prisão
Entre o agiota e o templo profanado
Onde a rua é mais triste e mais sozinha
E onde tudo parece abandonado
Um lugar pela estrela foi marcado
Nesse lugar pensei: «Quanto deserto
Atravessei para encontrar aquilo
Que morava entre os homens e tão perto»
Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto, pp.29-31
quarta-feira, dezembro 23, 2009
Natal e não Dezembro
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido…
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave…
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
Talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira

sábado, dezembro 19, 2009
Early Night Post (64)
quarta-feira, dezembro 09, 2009
Early Night Post (63)
Caro João,
Como entomólogo de sadismo curioso arranquei uma das asas, a mais pequena e soltei o bicho para ver o resultado. Céus! O voo do «alfaiate», que sempre me inigmara pelas suas miraculosas suspensões, pelos arabescos à tona da água e pela sua inimaginável esquiva, esse voo, em vez de tombar, tomou imediatamente outro desenho. Em vez de planar, corria com as asas na vertical como que a golpear a água…
Lembrei-me disto depois da bela frase com que termina o seu texto de que gostei verdadeiramente muito.
Quantas asas pede um voo que partiu em busca de outro equilíbrio?
Quantas leituras tem um livro olhado pelo mesmo olhar a diferentes horas de nós mesmos? E que leitura será a de um poema em Braille decifrado por alguém que o conheceu antes de cegar?
Desculpe o arrazoado, e obrigado por me ter dado a conhecer este texto. Um abraço sublinhado do seu amigo de sempre.
Carta de José Cardoso Pires a João Lobo Antunes in "Numa cidade feliz" de João Lobo Antunes, Gradiva, pp. 174 e 175.
sábado, agosto 29, 2009
Early Night Posts (62)
- Se o soubesse, estaria pelo menos a meio do caminho.
- Shri Ganesha costumava dizer que o silêncio também é conversa – murmurou.”
terça-feira, agosto 11, 2009
Early Night Post (61)

Als sie einander acht Jahre kannten
(und man darf sagen: sie kannten sich gut),
kam ihre Liebe plötzlich abhanden.
Wie andern Leuten ein Stock oder Hut.
Sie waren traurig, betrugen sich heiter,
versuchten Küsse, als ob nichts sei,
und sahen sich an und wußten nicht weiter.
Da weinte sie schließlich. Und er stand dabei.
Vom Fenster aus konnte man Schiffen winken.
Er sagte, es wäre schon Viertel nach Vier
und Zeit, irgendwo Kaffee zu trinken.
Nebenan übte ein Mensch Klavier.
Sie gingen ins kleinste Café am Ort
und rührten in ihren Tassen.
Am Abend saßen sie immer noch dort.
Sie saßen allein, und sie sprachen kein Wort
und konnten es einfach nicht fassen.
Erich Kästner
domingo, julho 12, 2009
Early Night Posts (60)

sexta-feira, julho 10, 2009
Early Night Post (59)

“As I ponder and reenact the past, time and time again in my thoughts sometimes I can even see certain connections. Everything that happens happens for so many reasons; I don’t Know if I always find the most authentic when I look for just one, I don’t even know if every little thing happened just the way I remember it, or whether I simply remembered it and recounted it that way so often, that I came to believe it myself. I have heard it said that when we are travelling along a mountainous country-side, sometimes you have to take just a step or two for the scenery to change completely in front of your eyes – the relationship of the hills and valleys to each other. The panorama is entirely different from every place you stop to rest. Perhaps it is the same with events, too, and possibly, what I regard today as the story of my life is merely a picture of my life, shaped by my present way of thinking. Of course, it makes it all the more mine; indeed, on such church-bell ringing afternoons as this, as warm and as solitary, I can think of no preoccupation more interesting, colourful and precious than this.”
* Escritora húngara (1880-1918)