"Domingo de manhã, 29/3/1998
Caro João,
Caro João,
Um dia era eu miúdo, apanhei um «alfaiate», um desses insectos de patas longas que sobrevoam os riachos como helicópteros. Foi uma glória! Insectos daqueles são dificílimos de capturar, e eu, criança desalmada, pus-me a mirá-lo e a remirá-lo e fiquei deslumbrado com as asas (3 pares, suponho), que eram tão transparentes que se reduziam a delicadas nervuras suspensas do nada.
Como entomólogo de sadismo curioso arranquei uma das asas, a mais pequena e soltei o bicho para ver o resultado. Céus! O voo do «alfaiate», que sempre me inigmara pelas suas miraculosas suspensões, pelos arabescos à tona da água e pela sua inimaginável esquiva, esse voo, em vez de tombar, tomou imediatamente outro desenho. Em vez de planar, corria com as asas na vertical como que a golpear a água…
Lembrei-me disto depois da bela frase com que termina o seu texto de que gostei verdadeiramente muito.
Quantas asas pede um voo que partiu em busca de outro equilíbrio?
Quantas leituras tem um livro olhado pelo mesmo olhar a diferentes horas de nós mesmos? E que leitura será a de um poema em Braille decifrado por alguém que o conheceu antes de cegar?
Desculpe o arrazoado, e obrigado por me ter dado a conhecer este texto. Um abraço sublinhado do seu amigo de sempre.
Como entomólogo de sadismo curioso arranquei uma das asas, a mais pequena e soltei o bicho para ver o resultado. Céus! O voo do «alfaiate», que sempre me inigmara pelas suas miraculosas suspensões, pelos arabescos à tona da água e pela sua inimaginável esquiva, esse voo, em vez de tombar, tomou imediatamente outro desenho. Em vez de planar, corria com as asas na vertical como que a golpear a água…
Lembrei-me disto depois da bela frase com que termina o seu texto de que gostei verdadeiramente muito.
Quantas asas pede um voo que partiu em busca de outro equilíbrio?
Quantas leituras tem um livro olhado pelo mesmo olhar a diferentes horas de nós mesmos? E que leitura será a de um poema em Braille decifrado por alguém que o conheceu antes de cegar?
Desculpe o arrazoado, e obrigado por me ter dado a conhecer este texto. Um abraço sublinhado do seu amigo de sempre.
Zé"
Carta de José Cardoso Pires a João Lobo Antunes in "Numa cidade feliz" de João Lobo Antunes, Gradiva, pp. 174 e 175.
Carta de José Cardoso Pires a João Lobo Antunes in "Numa cidade feliz" de João Lobo Antunes, Gradiva, pp. 174 e 175.
3 comentários:
correspondência interessante...
:-D
espero que esteja disponível em livro...
csd
"Quantas asas pede um voo que partiu em busca de outro equilíbrio?
Quantas leituras tem um livro olhado pelo mesmo olhar a diferentes horas de nós mesmos? E que leitura será a de um poema em Braille decifrado por alguém que o conheceu antes de cegar?"
Era isto mesmo. :)
fantástico!
Quantas asas pede um voo
abraço
P.
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