segunda-feira, abril 26, 2010

Real Edital

Real Edital
Ut Rex porro vita quod venia

Digna-se El-Marquis do Forno, Majestade Sereníssima, mandar o seu plebeu Ministro dos Assuntos Culturais e Quejandos informar a populaça que:

1. "Pieira" deriva do alto Fornense "pieirus" e que, segundo cópia do manuscrito datado de 1346, conservado no Real Tombo Fornense, terá sido pela primeira vez utilizado por um indivíduo dos patas ao léu para designar a sua mulher que, acometida de doença hoje conhecida por "gripe", terá ficado com os brônquios atacados, o que lhe provocou um estranho barulho na garganta, a que se alude hodiernamente quando nos referimos a dificuldades respiratórias. O m.q. "ter gatos".

2. Dona LN, Senhora de Aquém e Além Mar, será agraciada com o Grande Colar da Ordem Terceira Fornense, Grau Cultura, por ter iluminado as mentes mais sombrias com tão brilhante explicação.

3. Formula S. Alteza Sereníssima um novo desafio:

"Cartimância".


E para constar se lavrou o presente edital que, depois de assinado por mim, Dom Luís de Allbuquerque Mattos de Sarayva e Menndonça, Ministro dos Assuntos Culturais e Quejandos, por graça do Senhor Marquis, vai ser afixado electronicamente nos locais de estilo da Corte.

Palácio de S. Pancrácio Fornense, aos vinte e seis dias do mês de Forno-Quatro do ano da graça do Senhor Marquis de trinta e dois.
Dom Luís de Allbuquerque Mattos de Sarayva e Menndonça

domingo, abril 25, 2010

Abril


Com ou sem cravo na lapela, comemorar Abril não pode continuar a ser uma sucessão de pseudo-moralismos históricos e de recadilhos inter-órgãos de soberania. Não pode ser uma esotérica evocação do passado sem perspectivar o futuro. Não deve ser um apelo ao divisionismo num país marcado pelo desemprego, pela dívida, pelo défice, pela desestruturação do aparelho produtivo nacional e pela perda do controlo de sectores estratégicos que garantem a manutenção de Portugal como Nação (haverá algum mal em usar um conceito de larga tradição sociológica, política e jurídica?).
Não deve ser um mero feriado que se lamenta ter calhado a um Domingo.
Deve ser um momento de reflexão e de alavancagem: se todos formos um pouco melhores e mais exigentes naquilo que fazemos, da periferia europeia faremos centralidade mundial.

terça-feira, abril 20, 2010

quinta-feira, abril 15, 2010

Arte


Georges Braque, O Português, 1911.


A arte está destinada a desconcertar, enquanto a ciência cria certezas.


Georges Braque (1882-1963)
Obrigado, S!

domingo, abril 11, 2010

Cambridge

Bridge of Sights

Imagens do St. John`s College


Punting - River Cam

Uma árvore (supostamente :-)) descendente daquela sob a qual Isaac Newton descobriu a gravidade - à entrada do Trinity College onde Newton estudou

Árvore à entrada do Clare College


A proeminente capela do King`s College

Mais Punts no River Cam

No interior da sala de jantar do Gonville & Caius College (a imagem não faz jus à magnificência da sala. Um cenário digno de um filme de Harry Potter)

Ao Gonville & Caius College pertenceram 12 prémios Nobel (por exemplo, Sir James Chadwick que descobriu o neutrão ou Francis Crick que descobriu a estrutura do ADN) . Um número extraordinário, mas superado pelo Trinity College.
Aliás, a Universidade de Cambridge e os seus 31 Colleges já "produziram" mais de 80 prémios Nobel. Neste ponto está muito à frente do "the other place" (ie, Oxford).

Corpus Christi College (onde me encontro alojada)


Uma das famosas cabines de telefone vermelhas e (ao longe) a torre da Biblioteca da Universidade de Cambridge, ambas desenhadas por Sir Giles Gilbert Scott.

Mais Punts

Parker`s Piece


A marca portuguesa - in casu devida aos carregamentos de vinho do Porto

quinta-feira, abril 08, 2010

Quero / I want


Ippolito Scarsella, Virgin and angels imploring Christ not to punish lust, avarice and pride.

Quero ver o sol beijar os ladrilhos da tua Alma
e aspergir rios de mel em torrentes de lava.
Quero ver a lua ondear teus cabelos de calma
vestidos e de filigrana urdidos.
Quero ver um cometa desfazer a pedra cava
em melodias de orquestrados sentidos.
Quero.

F.L.

I want to see the Sun kiss your soul’s bricks

and strew Honey Rivers on lava streams.

I desire to see the moon dimpling your calm

dressed and filigree weaved hair.

I long to see a comet destroy the concave rock

in orchestrated senses melodies.

I do want.

F.L.


Embrace Life

terça-feira, abril 06, 2010

Dicionário Alternativo


By Appointment and with the necessary Authorization of Her Excellency, the Minister for Cultural Affairs of the High Kingdom of the Oven, Ms. Thumbelina, Duchess of St. Oven-in-the- Fields:

Alternative dictionary's new word: "pieira".

Not going anywhere

Por Keren Ann

sábado, abril 03, 2010

Brecht, poética, governar e WC

O Príncipe de Maquiavel é, como sabemos, o livro de cabeceira aconselhado a qualquer político.

A antologia de poemas de Bertolt Brecht (Porto: Campo das Letras, 2000) deveria ser o livro que todos nós, administrados, deveríamos ler em suaves tragos ao acordar. Lê-lo ao deitar por certo retiraria a tranquilidade necessária para um sono repousado. Ao iniciar o dia, quando bem digerida, a palavra brechtiana seria mais perigosa que qualquer conspiração terrorista.

Não se ignora que Brecht era ideologicamente comprometido. Apesar de nunca se ter inscrito no Partido Comunista, o homem que nasceu alemão (1898) e morreu austríaco (1956) elabora hinos profundos dirigidos à classe operária («Quem construiu Tebas, a das sete portas?/Nos livros vem o nome dos reis./Mas foram os reis que transportaram as pedras?» – Perguntas de um operário letrado). Entre uma super-estrutura e uma infra-estrutura de medo, desânimo, escravatura e uma ironia contagiante, o Poeta ridiculariza Hitler e todos os ditadores. Não que nisto se encontre uma visão maniqueísta. Ela só o é aparentemente. Recorde-se que Brecht parece sentir aversão intrínseca ao arquétipo de “homem bom”: «Escolhemos um bom paredão e vamos fuzilar-te com/Boas balas atiradas por bons fuzis e enterrar-te com/Uma boa pá debaixo da terra boa» [de que adianta ser bom?] – Algumas perguntas a um «homem bom». A conclusão de que os proletários são bons e os burgueses e latifundiários são maus é uma redutora e inconsequente visão da sua poética.

A ironia e o desdém em relação aos poderes instituídos são por demais evidentes. No poema Sente-se, cortante é o verso em que a idiotice é apresentada como o sumo alimento da classe: «Não há dinheiro que o pague.». Os políticos são satirizados ao ponto de a sua missão ser apresentada como o alfa e o ómega da ventura humana: «E atrever-se-ia a nascer o sol/Sem a autorização do Führer?» [amiúde referido como «o pintor», conhecida que era a vocação de Hitler em dedicar-se a essa carreira. A pintura teria perdido incomensuravelmente menos que a Humanidade…] (Dificuldade de governar). A esta figura, de jeito tão merecido apresentada como o anti-Cristo em Brecht, está reservado um mimo notável: «Se este homem insubstituível ressuscitasse ao oitavo dia [ao sétimo não poderia ser, marcando-se com a certeza da aritmética o que a História já deixava a descoberto] /Não acharia em todo o império uma vaga de porteiro» (A propósito da notícia da doença de um poderoso estadista).

De modo explícito e em tom acusatório puro: «Ou será que/Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira/São coisas que custam a aprender?» (idem). A resposta é dada e surge com uma simplicidade infantil comovente: «Mas não seria mais simples para o governo/Dissolver o povo/E eleger outro?» (A solução) – o uso de mecanismos democráticos invertidos em um jogo que desafia os traços estruturantes da ciência política.

O Autor fala de modo desabrido de um dos possíveis fins – do suicídio tem uma visão que diríamos romanceada, embora a pedagogia que assalta toda a sua obra logo o obrigue a asseverar-nos que: «De qualquer modo/Não se deve dar a impressão/De que se dava/Muita importância a si mesmo» (Epístola sobre o suicídio). Da relatividade da vida (e da morte) dá testemunho seguro ao ditar-nos o seu testamento (cerrado): «Gostaria que nela [pedra tumular] escrito fosse:/Ele deu sugestões: nós/Aceitámo-las./Uma tal inscrição/A todos honraria.» (Dispenso a pedra tumular).

Brecht não faz poemas para o leitor, mas sim com o leitor. Este último é convidado de honra na sua obra, é estrela da primeira companhia da guerra que tão de perto viveu e que o fez transformar-se em cidadão do Velho e do Novo Mundo. Em Sente-se, Brecht apelida o leitor de «idiota», confrontando-o com a sua pequenez («Você é um idiota./Está realmente a escutar-me?/Não há pois dúvida alguma de que me ouve com clareza e distinção?») e com a crueza do auto-conhecimento («E no entanto não é desinteressante para você saber o que você é/E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe»).

Ele é capaz do escatológico, com uma inesperada ode heróica ao WC (O canto de Orge): «Nesse lugar é permitida a cada um a alegria/De ter por cima a estrela e, por baixo, a porcaria.»; «Lugar de humildade: nele saberás bem/Que não passas de um homem que nada retém».

Adverte-nos para a necessidade de estarmos sempre abertos ao que é novo, a não nos quedarmos pelo imobilismo, até porque a mudança está inscrita na natureza das coisas: «Quem ainda está vivo nunca diga nunca./O que é seguro não é seguro.» (Elogio da dialéctica). Contudo, da modernidade tem o Autor uma visão desconfiada, sancionando concepção bíblica de que nada de novo existe debaixo do sol: «A carne nova come-se com velhos garfos. (…) As novas antenas continuaram a difundir as velhas asneiras. [boutarde à comunicação social?] /A sabedoria continuou a passar de boca em boca.» [um apelo ao historicismo desligado do Volkgeist de que o nacional-socialismo se serviu como sustentáculo de hermenêutica jurídica?]

A visão descomprometidamente comprometida de Brecht fá-lo retornar aos assomos bíblicos: «Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.», revelando o génio da ascese, do sacrifício, do estóico suportar da ignominia: «Pela glória, quem não faria grandes coisas/Mas quem/As faz pelo olvido?» (Elogio do trabalho clandestino).

Dono de uma inigualável riqueza interior, da dor tem a preclara visão de caminho para a redenção e para a mudança: «Para atingir o que é grande há que passar por grandes transformações./E as pequenas transformações são inimigas das grandes transformações./Tenho inimigos. Logo devo ser célebre» (Citação). Cortes abruptos de pensamento são constantes na poética brechtiana.

A inteligência aguda e o modo inquietante como vê de um ângulo nunca visto as realidades estão bem patentes em Da Violência: «Do rio que tudo arrasta se diz que é violento./Mas ninguém diz violentas/As margens que o comprimem.». Ainda mais: «O que tem fome e te rouba/O último pedaço de pão chama-lo teu inimigo/Mas não saltas ao pescoço/Do teu ladrão que nunca teve fome» (Quem é o teu inimigo). Ainda: «Ah, nem todo o homem que regressa a sua casa é um vencedor/Mas não há vencedor que não regresse a sua casa.» (Este homem sabia elaborar um plano, e caiu…). Palavras incómodas contra o comodismo de encarar a realidade segundo grelhas de leitura pré-dadas e que se recebem de forma acrítica. Escrita revolucionário, dado que carregar no sangue o espírito revolucionário é ver o que mais ninguém vê; é sujeitar o mundo a uma leitura alumiada por uma perspectiva de jogo de luzes impassível de apreensão instantânea.

Devemos terminar. Brecht, neste exacto momento, asseveraria, com um olhar que imaginamos matreiro, sagaz e estupidamente humano: «Criança educada deve saber estar calada.» (O que uma criança tem de gramar).

André Lamas Leite

Docente Universitário

Elpino Duriense


Ulrich Zasius, O jurista, 1566, Stockholm, Statens Konstsamlingar.


Vós perguntais as razões

Porque tenho noite e dia

Sobre a meza em companhia

As Pandectas e o Camões:

He, se vós o não sabeis,

Que a leitura do Poeta

He correctiva dieta

Depois de ter lido as Leis.

António Ribeiro dos Santos (1745-1818), Poesias de Elpino Duriense, vol. III, pp. 136-137.