domingo, maio 27, 2007

Harpas


Orpheus with a Harp Playing to Pluto and Persephone in the Underworld, Jan the Elder Brueghel,

Que soem as harpas,
se risquem os mapas!

Cale-se a lira,
alimente-se a alma,
o Poeta admira
o dorso da chama.

Que soem as harpas,
se queimem os mapas!

Ressoem as trombetas,
traga-se o vinho,
roubem-se as muletas
do coração sozinho.

Que soem as harpas,
naufraguem os mapas.

Escrevam-se as pautas
de harmonia celeste,
afinem-se flautas
de riso agreste.

Que soem as harpas,
se esfaqueiem os mapas!

Acariciem-se violinos
de mãos naufragadas
em rostos andinos
de peles aveludadas.

Que soem as harpas,
se triturem os mapas!

O Trovador é rei
no tempo em que a lei
é amar e fazer
e nunca sofrer.
Tempo favorável
de mandamento cristalino
Inscrito em livro descartável
De título pontino.

Que soem as harpas,
se refaçam os mapas:
não tenho Oriente
nem quem m’atormente,
se a ti te possuo
mais nada procuro!

F.L.

4 comentários:

rtp disse...

Belo o som destas harpas afinadas! :-)

Amândio Sereno disse...

Ora aí está a harmoniosa busca da imortalidade numa tarde chuvosa de Domingo. Muito bom!

GBN disse...

O que quererá o poeta anunciar ao mundo? Ou ao submundo? A repetição da versificação impõe um tema épico ao poema. A gradação semântica cada vez mais violenta e crua dos segundos versos da versificação impele o autor para um recrudescimento do tema: queimar, naufragar, esfaquear, triturar. No final, surge uma perspectiva de redenção, de encontro, do fim do descaminho, "que (...) se refaçam os mapas(...)"?? Sem esquecer a presença do outro bem no final do poema.
Gostei muito caro FL. Um abraço.

filipelamas disse...

Muito obrigado, amigo GBN! O seu avalizado comentário enche-me de alegria!