Apesar de ainda ser cedo, não resisto a algumas passagens deste magnífico livro que o FSP fez o favor de me oferecer e que devorei em um trago: Voltaire, Cândido ou o Optimismo, trad. da ed. original de 1759, por Rui Tavares, Lisboa: Tinta-da-China, 2006:
A música nos dias de hoje é apenas a arte de executar coisas difícies, e aquilo que é apenas difícil não pode agradar com o tempo. (p. 138)
Ora bem, disse Cândido a Martinho, haveis de convir que aqui está o mais feliz dos homens, pois está acima de tudo aquilo que possui. - Não vedes, disse Martinho, que está desgostoso de tudo o que possui? Disse Platão, há muito tempo, que os melhores estômagos não são aqueles que rejeitam todos os alimentos. - Mas, disse Cândido, não se tira algum prazer de criticar tudo, vendo defeitos onde os outros homens só crêem enxergar belezas? - Quer dizer, respondeu Martinho, que há prazer em não ter prazer nenhum? (p. 144)
- Pois bem! meu querido Pangloss, disse-lhe Cândido, agora que fostes enforcado, dissecado, moído de pancada, e que já remastes nas galeras, continuais a pensar que tudo vai pelo melhor no mundo? - Continuo a defender a minha primeira opinião, respondeu Pangloss; porque, enfim, sou Filósofo: não me convém andar a desdizer-me (...). (p. 160)
Martinho concluiu que o homem tinha nascido para viver nas convulsões da inquietude, ou na letargia do tédio. Cândido não concordava, mas não garantia nada. Pangloss confessava que tinha sofrido horrivelmente; mas tendo defendido em tempos que tudo ia às mil maravilhas, continuava a defendê-lo, embora não acreditando em nada. (p. 167)
- Tendes razão, disse Pangloss; pois quando o homem estava no Jardim do Éden, foi expulso ut operaretur eum, para que trabalhasse: o que prova que o homem não nasceu para o repouso. - Trabalhemos sem dissertar, disse Martinho, é o único meio de tornar a vida suportável. (p. 170)
5 comentários:
Realmente, não fosse tratar-se de Voltaire, diria que este livro é um milagre!
Bela escolha a de FSP! Tenho vontade de ler "Cândido" há muito tempo, por conhecer vagamente o conteúdo, por ser de Voltaire, e por se chamar Cândido, palavra e nome que me dizem muito no seu significante e nos seu significado.
Está anotado na minha lista (enorme) de livros a ler. :-)
Li-o no meu 6º ou 7º ano da Alliance Française. Muito interessante mesmo.
É de facto um livro que se lê num abrir e fechar de olhos..
Muito bem escolhidas as passagens, que demonstram bem como a visão utópica que o filósofo Pangloss transmitiu a Cândido se foi desvanecendo ao longo da obra: se este é o melhor dos mundos possíveis, interroga-se Cândido, como será o pior?
A critica social é tão feroz e a visão sobre a essência do homem e da vida tão pessimista que parace romper com a realidade que descreve, abrindo o caminho a novas perspectivas...
Também já li este "Cândido" mas, como já foi há algum tempo, confesso que já não tenho muito presentes as passagens transcritas. De qualquer maneira, soube bem reler estes pequenos trechos!
Talvez porque milito convictamente na facção garrafa-meia-vazia, do livro retive aquilo que acho que é a "moral da história" : não há optimismo que resista à realidade!
RTP, falha grave !!! ;-)
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