Franz Kafka, Carta ao Pai, Almargem do Bispo: Coisas de Ler, 2007.
Preço: € 9.50
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Escrita em Novembro de 1919, Carta ao Pai é um manifesto edipiano
Hermann é apresentado como um pai ditador, desprezando tudo o que o filho faz, não faz, diz ou não diz, as suas amizades, os seus gostos, o projecto de futuro que traça, o abandonar do negócio familiar para que estaria predestinado. O filho retrata-se ainda como o fraco que o pai desejava fora forte, o apoio em relação a quezílias familiares que nunca foi; ao invés, o pai vê no seu descendente um aliado para os devaneios das irmãs deste último.
O medo com que a carta inicia depressa alastra para o medo dos trabalhadores de Hermann em relação a um tirano empregador que atira caixas para o chão e apelida os seus colaboradores de inimigos pagos (p. 44). O próprio acto da escrita é apresentado como um paradoxo composto por uma pseudo-libertação e um hino à figura paterna (Kafka colocava os seus manuscritos na mesinha-de-cabeceira do pai e aguardava um comentário. Um dia ele chegou: Agora és livre. - p. 69), ao redor de um medo e repulsa pelo próprio corpo que, no limite, conduziria à hipocondria de Franz, à escolha (?) da profissão – apresentada como o que de mais perto existe do “não fazer nada” – e até mesmo da mulher com quem partilhar o leito.
O tom acre, azedo, ressabiado, não torna a leitura uma tarefa agradável, assim reforçando o modo como esta específica relação paterno-filial se desenrolaria. O estilo está, pois, ao serviço da mensagem.
Pena são, na edição da Coisas de Ler, da responsabilidade de Ana Nereu, os erros de sintaxe e de pontuação estranhamente avultados.
Termino com uma deliciosa referência de Franz Kafka ao Direito – curso que acabaria por tirar (1906) sem qualquer pingo de gosto –, bem demonstrativo da falta de interesse que esta ciência (?) pode ter: Portanto, estudei Direito. Isso significou que durante alguns meses antes dos exames, afectando consideravelmente os nervos, alimentei-me intelectualmente de letras de serradura que, além disso, tinham sido previamente mastigadas para mim por mil bocas.
5 comentários:
Interessante a mensagem final, tão apropriada à época que muitos vivem! :-)
Este post fez-me ir buscar um livro que muito vagarosamente vou lendo, "Kafka, para uma Literatura Menor", da Assírio & Alvim. Sobre esta Carta, narra o livro:
"... o interesse da carta situa-se num certo deslize; Kafka passa de um Édipo de tipo neurótico, em que o pai bem-amado é odiado, acusado, declarado culpado, a um Édipo muito mais perverso, que cai na hipótese da inocência do pai..."
" A questão do pai não se trata de saber como tornar-se livre em relação a ele (questão edipiana), mas como é que se encontra um caminho onde ele não encontrou nenhum"
Este post aguça o apetite para leituras mais longas...
Há coisas engraçadas. Aconteceu, há coisa de dois anos, pegar no carta ao pai depois de ter acabado um livro do hervÉ bazin que aborda a relação de um filho com a mãe, em tom autobiográfico, creio. O título, "de víbora na mão", ilustra a bonita relação do pequeno com a mãe...
De tal forma que quando comecei a ler a carta ao pai, do kafka, decidi parar, já não tinha estômago para outra dose...
"letras de serradura" de facto parece-me uma expressão adequada à época... x)
Eu sei que é uma vergonha uma crítica literária que se preze nunca ter lido nada de Kafka nem de Dostoievski!
Mas é a pura verdade!
Só não sei por onde começar...
CSD
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