domingo, novembro 12, 2006

O morro

O morro que me sustém
É sustido por pinheiros altos e esguios
Que firmes desafiam as nuvens
E os pássaros, as aragens e as brisas,
Os deuses e míticos convivas.
É um morro sólido, transversal,
Que trespassa corpo e alma
Em um só coro.
Que me dá vida e exige ser vivido.
Este morro é misto de sonho e realidade,
De memória e presente,
De avanços e recuos,
De decisões resolutas e de indecisões dilacerantes.
Perscruto por vezes o morro.
O escrínio em que ele assim se transforma
É o suficiente para dele me afastar
Ante a visão do espelho que me reflecte.
Não gosto de me ver homem duplicado,
Talvez por um de mim já ser demais,
Porventura por convencimento disfarçado.
Sim, vou partir todos os espelhos,
Vou cortar todas as amarras,
Vou destruir o morro.
Para quê?
Simplesmente porque existo e sou.
E ser não se explica, vive-se.
E viver é não nos cansarmos da fadiga de nos vermos,
Dia após dia, ano após ano.
-Convives comigo, ó Eu?
-Deixa-me entrar no teu mundo reservado.

F.L.

3 comentários:

rtp disse...

Muito bem!
De notar a curiosa omnipresença, na obra poética (é que já se pode fazer uma análise da mesma tal a vastidão que está a ganhar!) de filipelamas do vocábulo "escrínio".
E, por outro lado, cumpre saudar o regresso, depois de afazeres vários o terem afastado um pedaço do blog.
Eu não disse que o afastamento se colmataria de uma penada. :-)

Anónimo disse...

Palavras para quê, poema muito bonito cheio de conteúdo e de imagem, e alguma filosofia..."Este morro é misto de sonho e realidade"...
"E viver é não nos cansarmos da fadiga de nos vermos"
Parabéns e continua pois gosto imenso de te ler

rocky disse...

Parabéns por mais este poema com que nos brindas.
O Eu é o mais implacável e dilacerante dos seres que nos espelham. Por vezes, apetece mesmo evitar o seu olhar e viver apenas.