As sombras gigantescas projectadas nas paredes da Sala Suggia da Casa da Música, na noite passada, prenderam e envolveram a plateia, encantada com a genialidade dos três músicos que formam o McCoy Tyner Trio.
Os 69 anos de McCoy Tyner já lhe dificultam os movimentos, mas, depois de se sentar ao piano, parece recuperar 20 anos de vida. A leveza das suas mãos, que dançam freneticamente sobre o piano em solos que rasgam a opacidade do ambiente toldado de fumo, confirma o peso da sua carreira. Iniciou-se no jazz durante os anos 50, tocando com John Coltrane, e deixou a sua marca no panorama musical de então, criando harmonias e ritmos invulgares. Durante os anos 60, o pianista encetou os seus próprios projectos, reinventando tanto a música popular como estilos musicais de culturas distantes. O resultado foram 80 álbuns, 4 Grammys e o prémio Jazz Master do National Endowment for the Arts, atribuído em 2002.
Gerald Cannon e Eric Kamau Grávátt completaram o trio. Eric ocupou-se da bateria de forma competente, tendo brilhado sob os holofotes durante alguns solos. Foi, porém, Gerald Cannon quem dominou não apenas o contrabaixo mas também o público da Casa da Música.
Fica aqui uma amostra da genialidade de McCoy Tyner, já com alguns anos.
segunda-feira, fevereiro 26, 2007
Elogio ao Domingo (II)
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Inspiring quotes (8)
terça-feira, fevereiro 20, 2007
Inacabado
Sem sentido,
Lançada na cegueira branca
Da folha amachucada.
Perdida, desencontrada.
Letra por letra, sílaba por sílaba.
Os acordes da sinfonia
De Letras
Em vão se procuram
E se desejam.
De soslaio se captam,
De frente se chocam.
Em uníssono,
As palavras
Gritam “vivas” e “aleluias”
Ao Rei que é Sol,
Alfa e Ómega,
O asfalto e o empedrado.
A mão criadora
Faz uma aparição
Rasgada,
Dilacerada,
Ao pé de uma fonte de letras
Armazena munições.
Porque letras podem ser guerras
Mas as guerras não são de certeza letras!
F.L.
Anatomia do silêncio
Em caravelas de quietude
São setas de virtude
Em alvos escolhidos.
Gesto quedo e tranquilo
Em cabelo salpicado
De Luz d’eterno brilho
E na fronte espigado.
Momento d’espiga
Do pão por ti amassado
Em violentas pancadas
De ternura caramelizada.
Acoberta-se de jeito ergonómico!
F.L.
sábado, fevereiro 17, 2007
quinta-feira, fevereiro 15, 2007
COOL-XEIA (de tretas musicais)
Apesar do título, demasiado claro, excessivamente honesto, estava plena de expectativas, depois do anterior “Quelqu`un m`a dit” que tanto e tão agradavelmente me surpreendera.
A primeira reacção foi de decepção. As expectativas criadas ab intrinseco (mea culpa!) foram completamente goradas, à primeira audição. Não correspondia ao que esperava. Nem sei o que esperava. Achei-o demasiado monótono, muito incaracterístico. Ou demasiado característico, já que todas as canções me pareciam iguais. Faltava a panóplia de registos – ora uma balada, ora uma canção mais batida, ... – que o primeiro oferecia. Atrevo-me a dizer que faltava a mais intimista língua francesa, substituída por um mais trivial inglês, ainda que eivado de arcaísmos.
Apesar da desilusão inicial, de então para cá tenho ouvido o disco um sem número de vezes e sempre com agrado acrescido.
A voz rouca, ora lentamente arrastada (o sussurro quase se perde tornando-se inaudível, a espaços), ora aceleradamente fugidia, sempre ondulante, exerce uma força de atracção a que é difícil escapar.
Ouvido num volume (moderadamente) mais elevado, distingui nuances que me tinham escapado. E comecei a prestar atenção às letras. Carla Bruni canta (declama?) belos poemas de autores da Segunda metade do séc. XIX e do primeiro do séc. XX: das americanas Emily Dickinson e Dorothy Parker, do irlandês William Butler Yeats, do inglês Walter de la Mare, do britânico Wystan Hugh e da inglesa Cristina Georgina Rossetti.
Afinal, as boas expectativas ... arriscam-se a ser cumpridas.
quarta-feira, fevereiro 14, 2007
ZOOMático em Dia de S. Valentim
terça-feira, fevereiro 13, 2007
Do meu e-mail (IV)
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
Rocky is back?!
Da nossa Rocky, nada! Nada de nada.
Afinal, de volta está outro Rocky, o miserável Balboa!
Roubo
Narcissus, Caravaggio, c. 1595, Palazzo Barberini, Roma.
Roubaram-me a vida!
De um dia ter existido.
Uma certidão,
Um papel que ilustra
Um nascimento,
Um casamento,
Uma morte.
Registo, averbamento,
Acto jurídico primeiro e derradeiro.
Nas pegadas da Lei
Perdido entre artigos
Permissivos de um nome
Que me identifica,
Que dos outros me aparta.
Resta o embalo da sereia,
Projecto de ser que devaneia,
Em busca de um quê
Inexistente,
Brilhante.
Temperada de Emoção,
Com uma pitada de Rasgo
E um pingo d’Encanto.
A mesa está posta,
Os convivas instalados,
Só falta o condimento
Que de sal feito mar
Em ti reside,
Qual perfume selvagem
Inebriante,
Enervante.
Roubaram-me a vida!
F.L.
domingo, fevereiro 11, 2007
Esboço (I)
Escutava um CD com as Sonatas para piano de Mozart. Oferecera-lho um grande Amigo. O dedilhar de Alfred Brendel correspondia ao tom borbulhante que a si mesmo dera nesse dia. Chovia lá fora e a casa estava deserta. Aparte um punhado de livros poeirentos e uma garrafa de whisky meio cheia, o ambiente era soturno, grotesco, escancarado para uma janela imaginária onde a condição do seu ser em nada contradizia a pungente das notas arrancadas. O computador mantinha-o em contacto com o mundo. Contacto? Com quem?
Verteu puro malte no copo de promoção que a empregada lhe trouxera. Ao encharcar o estômago com aquele líquido sentiu-se estamagado. De súbito, tudo era pequeno, reduzido, minúsculo. Mesmo Mozart. Ria-se em som estridente e louco. O pequeno Mozart armado em génio a um piano arvorado em actor de mignotage da sociedade coeva. Também ele o fora na casa de campo de um casal que se dizia “progenitor”, entoando harmónicas composições campestres para gáudio das “forças vivas” da aldeia. O cura pretendia-o no coro de vozes angelicais, mas ele ansiava por correr mundo. Partiu um dia, renunciando logo ser “filho pródigo”. “A “prodigalidade” só existe se lhe atribuirmos o sentido que os outros dela pretendem”, ouvira a um professor monocórdico de Retórica em Milão.
Entrava-se agora na segunda faixa do CD. O tom desanuviava e o afastamento de si enobrecia o carácter. Ligaria a uma velha conhecida. Falaria sem sentido, pelo gosto de sentir ofegantes palavras do outro lado da linha. Encadeado, agrilhoado às palavras que o comprometiam, pintava de vermelho o espaço em volta com figuras geométricas sugeridas por movimentos neo-realistas.
Gostava de “movimentos”. Faziam-no pertencer a qualquer coisa. Talvez por isso coleccionasse cartões: de clubes, partidos, escolas, lojas, bancos. Os sms pululavam com promoções de 40% para clientes exclusivos. As marcas “gold” e “prestige” acomodavam-lhe o pensamento a um etéreo céu de consumismo que o apartava do consumo de si mesmo.
“Consumo e contacto”. Duas palavras a eliminar do seu vernáculo dicionário. Assim o escrevera num guardanapo que a seu lado repousava depois de uma estóica luta com lábios manchados de mostarda.
Ignoto
Sem licença pedir.
Instalou-se em espaços inertes
E cresceu à custa de húmus de Fados.
Copiou emoções,
Armou-se de inteligentes defesas,
Vestiu a húmida pele do desencontro
E foi ficando a um canto do Ser.
Ganhou carta de alforria
Na linfa da corrente
Do sangue enfeitiçado
Pelos glóbulos de promessas vãs.
Entranhou-se nos ossos,
Calcificou as lágrimas.
Do seu nome pouco se diz saber:
Apenas que era curto,
Como curto é tudo o que corta cerce
O trevo que verde ameaça nascer.
Em ti, simplesmente Voragem.
F.L.
Cronos
Em ti apostei o futuro.
Presente:
Por ti contradisse o passado.
Futuro:
Em ti idealizo o presente.
Encerrado em baú que se visita.
Presente:
Respirando o segundo vivido.
Futuro:
Projecto gostosamente preparado.
F.L.
Burlesco
Rodopio de cor e luz
Em harmonia burlesca ensaiada;
Refulgente gente minguada
De notas musicais em toada.
No salão o murmúrio sussurra,
O êxtase mal consegue conter-se
É a alma q’alegria empurra
Em movimentos que ameaçam perder-se.
Enfim entra o bobo
Ladeado de dançarinas festivas.
Será do fato que é novo
Ou da felicidade que vai nos convivas?
A roda de gente a girar,
Do fundo da sala arranca clamor:
A tontura veio p’ra ficar
Voando p’ra além do condor!
É espada de paz abençoada!
F.L.
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
Palco das Letras - "A última gravação de Krapp"
Vai rememorando o passado, seleccionando memórias e emoções. Avança as menos boas, ouve repetidamente as mais agradáveis. Krapp (quase) não age, (apenas) reage ao já vivido. E, nós, vamos assistindo ao caleidoscópio de emoções, através das suas expressões. Nós e os livros – todos os livros. Apenas um – um dicionário – assume, por breves instantes, algum protagonismo, desvendando o significado de "viduidade".
Ouve-se, lá fora, uma autocarro que passa. Sinal de vida, de acção. Mas Krapp, como na sua gravação, permanece quieto, enquanto o mundo em volta se move e o move.
A voz gravada evoca resoluções incumpridas. Escarnece das aspirações antigas. Por entre o desfile de lamentos, Krapp vislumbra "o momento mais feliz dos últimos quinhentos mil momentos". Ouve o seu relato repetidamente. Revive-o uma e outra vez.
Desconcerta-nos quando, quebrando o seu choro de lamúrias, à pergunta "Reviver?" responde veementemente "Não!", ou quando se auto-impõe a repressão das suas doces quimeras.
Afirmação e ordem vãs. De novo, mergulha nas lembranças, lançando a questão que o verdadeiramente tortura. Podia ter sido feliz?. Podia?
Sempre na dúvida, tira a bobine e coloca outra. Esta, a estrear. Grava a sua última gravação. Porque precisa de ser, "ser outra vez, ser outra vez.". Poucas são as palavras ditas. As derradeiras, no entanto, muito significativas: "talvez os melhores anos já tenham passado. Aqueles em que havia uma chance de felicidade. Mas não os queria de volta. Não com o fogo, em mim, agora. Não, não os queria de volta."
Jorge Pinto, actor, um muito verosímil Krapp, recebe os aplausos merecidos. Coube-lhe, não só a interpretação, como também a tradução do texto de Samuel Beckett (1958) e a encenação.
Até 24 de Fevereiro. Na Livraria Lello, às sextas e sábados, às 21h30. Por 7.50 €. Com uma duração de cerca de uma hora. É conveniente reservar.
quarta-feira, fevereiro 07, 2007
Porto de Vista esclarecida (VI)
Já conhecia a sua imponência, pelo exterior. Deparo-me, inevitavelmente, com ele, em cada regresso ao Porto pela Ponte do Freixo ou nas idas ao vizinho Dolce Vita.
Os corredores interiores são iluminados, e bem decorados com composições de azulejos interessantes.
Sem discutir os excessos de gastos em estádios, a confusão de prioridades num país com tantas carências, o Estádio do dragão é uma bonita herança da plêiade de estádios, que, por ocasião do Euro 2004, nasceram como cogumelos em Portugal (alguns dos quais, hoje, quase abandonados, sempre vazios, e com gastos enormes de manutenção!)
Voltando ao estádio do dragão... Reconheço a beleza arquitectónica do edifício. Mas, foi precisamente o jogo jogado no relvado, o seu encanto e a magia, que faltaram no sábado à noite. No embate FCPorto- Estrela da Amadora, não se viu futebol (o F.C.P. acusou a falta de Quaresma, um ex-leaozinho!). Apesar do golo do Anselmo, para mim e para os seis elementos da claque do Amadora que se encontravam no estádio, ter sido mágico ...
terça-feira, fevereiro 06, 2007
Definições
Allegory of Sight, Jan Brueghel The Elder e Peter Paul Rubens, c. 1619, Museu do
Alimento da alma
Resplandecente
Em boca açucarada
De lábios carnudos guarnecida.
Pedaço de céu
Antolhado de brisa
Que perpassa
Em conjugações de matizes mil.
Dor:
Gemido lancinante
Afastado da ombreira do Tempo
Recordado em trechos musicados
Por uma noite de chuva intrépida.
segunda-feira, fevereiro 05, 2007
Dois dos blogs que mais gostava de consultar desapareceram inesperadamente no fim da semana passada.
Falo de "Eu, Badolino" e do "Toutinegra Futurista". Dois espaços blogosféricos muito diferentes, mas que me deixaram saudades em igual medida! Visitava-os com assiduidade à procura de novos posts, que, em ambos, eram colocados com lenta parcimónia.
No "Eu Badolino" – através do nome, a reminiscência do livro escrito por Umberto Ecco, logo me despertou uma especial curiosidade, prometendo-me a magia que sentira com a leitura do dito - encontrava pedaços de histórias, interessantes reflexões, bocados de vida belamente recortados, trechos literários de grande qualidade. Tudo muito bem escrito. Numa prosa com sabor a poesia. E, mesmo, a (única, penso eu) incursão pela (formalmente verdadeira) poesia mereceu aplauso.
O registo de "Toutinegra Futurista" era muito diverso. Desde o primeiro post (e, infelizmente, foram muito poucos) que me rendi às divertidas aventuras do agente secreto, seguidor das pisadas de um outro – o veterano Bico, Grão de Bico – nas distantes terras sul-americanas. Segui as suas hilariantes façanhas e as improváveis peripécias, sempre à espera de novas e extraordinárias proezas. Ainda li a sua última aventura, essa passada em território português, após aterrar no (tão próximo) Aeroporto de Pedras Rubras. Até me pareceu que reconhecia o taxista malandro que o guiava pela cidade invicta. Mas já não fui a tempo de a comentar.
Tinha desaparecido, ela e todo o blog. Assim como o "Eu Baudolino". Tal como ocorrera, em Outubro, com outro blog de que gostava particularmente: o do Mocho depenado.
Fazem falta na blogosfera, pelo menos na "minha" blogosfera.
Curtas sobre metragens - Diamante de sangue
Blood Diamond, Diamante de Sangue
Realização: Edward Zwick
Elenco: Leonardo Di Caprio, Jennifer Connelly, Djimon Hounsou
Argumento: Charles Leavitt
EUA, 2006
Sítio oficial: http://blooddiamondmovie.warnerbros.com
O filme não exagera o tom do chamado “comércio justo”. Sendo certo que, quase no fim, quando Solomon Vandy (Djimon Hounsou) está em Londres onde vende o valiosíssimo diamante rosa que havia achado como escravo numa mina
Di Caprio impressiona pela positiva. Danny Archer revela-se um filho de África na verdadeira acepção da palavra: “TIA” (This is Africa) é o mote que o leva a entrelaçar o seu sangue com a terra vermelha daquele continente esquecido e alvo da cobiça do mundo. Uma interpretação de muito bom nível, bem trabalhada e cheia de antíteses: o outrora soldado idealista da Rodésia (actual Zimbabwe), entretanto mercenário sem escrúpulos, transforma-se em alguém que, por via de uma jornalista americana (Maddy Bowen – Jennifer Connelly) que ainda acredita na mudança do mundo, é capaz de um gesto final de altruísmo, também ele motivado por Solomon, no filme seu retrato oposto. Merecida a nomeação para melhor actor principal.
O drama das crianças-soldado é muito bem captado, por intermédio de Dia, filho de Solomon que, depois de ser raptado por um grupo de revolucionários (RUF), o transforma em “homem”, o enche de ideais sem sentido e o transforma em joguete nas mãos daqueles que da sua própria terra somente querem dinheiro e poder.
Na verdade, o mal de África é a enorme riqueza que nela existe.
domingo, fevereiro 04, 2007
quinta-feira, fevereiro 01, 2007
Early night post (20)
"De entre os dias da minha vida, este foi mais um. Um dia mais. Será acaso pouco vinte e quatro horas de uma existência estimada em poucas décadas? Dar-nos-emos conta dos segundos tão mal aproveitados e dos minutos desesperados por completar uma hora?
No rosto translúcido do fantasma que de tarde me observou, pude verificar as rugas do tempo. Afinal, atirei-lhe eu, tu não és um ser intemporal! De olhos quase cerrados como se contivesse uma fúria repentina, vociferou-me, Acaso acreditas tanto no tempo como em fantasmas? Olha que eu ainda tenho alguma materialidade. Não são vocês que dizem que o tempo escorre pelos dedos das mãos?
Nunca pensara nisso. Na verdade, nunca pensara em tanta coisa. Amanhã terei tempo para isso e ainda mais tempo para me lamentar pelo tempo que passou."
Antero Caetano do Vale, O meu livro imaginário, Impressão Editores, 2006, p. 45.
Ecos de um Concerto
Dia 31 de Março, 2007, Casa da Música, Michel Camilo e Tomatito, Spain Again.
O clip é de outro concerto. Mas, tirando a clara diferença de idades (sobretudo no Michel Camilo, com mais cabelo e sem óculos), a música e o ambiente são os mesmos.
Até se ouve, no final, Camilo a aclamar, de forma veemente, "TOMATITO" e este, no seu tom tímido, a balbuciar "Michel Camilo".
O público, aqui, é, no entanto, mais silencioso do que o da Casa da Música.
O clip fica, sobretudo, como inspiração para outro post de outra treteira. Para não haver desculpas... É que, apesar da prestação em causa exigir "especiais qualidades cíentíficas e artísticas", o art.º 829.º-A do CC vai mesmo aplicar-se.