quarta-feira, janeiro 31, 2007

Porto de Vista Esclarecida (V)

Gbn acertou! Trata-se de uma imagem do coração do grandioso vitral que coroa a maravilhosa livraria Lello, e onde se lê a máxima "Decus in Labore".
Esta superfície translúcida, jóia maior do tesouro da livraria portuense, cobre-a delicadamente de uma luz coada que, sem tanger o encanto misterioso e acolhedor do vetusto ambiente, revela timidamente a sua imensa beleza.
O edifício, situado na Rua das Carmelitas, 144, abriu as suas portas como Livraria Lello (antes acolhia a Livraria Chardron), há mais de 100 anos, no dia 13 de Janeiro de 1906. Em meados dos anos 90 beneficiou de importantes trabalhos de restauro e remodelação, sob a orientação do arquitecto Vasco Morais Soares, que lhe restituíram algum do esplendor que o passar do tempo inevitavelmente lhe foi retirando.
Na sua alva fachada em estilo neogótico destacam-se duas figuras que representam a Arte e a Ciência e foram pintadas por José Bielman.

Atravessando as suas portas de vidro o encantamento é inevitável. Uma escadaria monumental aprisiona-nos, por momentos, o olhar. Mas, depressa cede o protagonismo aos preciosos mostruários de madeira repletos de livros, às altas estantes ocupadas de saber, ao tecto rendilhado, ao cuidado soalho, aos pilares habitados por bustos de ilustres escritores. Entre os retratos talhados vamos distinguido rostos familiares, embora o nome de alguns tarde em acorrer à memória, ou apareçam misturados os de vários.
Subindo as escadas, deparamo-nos com idêntico cenário. Com a vantagem de podermos demorar-nos na sala de estar propícia à leitura e contemplação.
Neste espaço, dando concretização ao objectivo de fazer dele "um dos pólos da vida cultural portuense", expõem-se obras de pintura, escultura e até se representam peças de teatro. Mas, disso falarei noutro post.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Vox populi (I)


NOVIDADE: Homenagem à sabedoria popular.


Homem feito, miúdo perfeito.


Mulher feita, criança desfeita.





Man Woman, Allen Jones, 1963, Tate Collection, Londres.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

domingo, janeiro 28, 2007

Regresso ao passado (take #4)

"Feno de Portugal, Aroma da Natureza"!

Lembram-se da música que acompanhava a publicidade a este sabonete aí pela década de 80? Não sei se ainda se fabricam, mas o certo é que foram destronados por outras marcas. É pena. Feno era de Portugal e tinha um cheirinho óptimo!
Tenho uma excelente memória olfactiva e parece que estou a sentir o odor com que ficava quando, em miúdo, me lavava com Feno. E como era o sabonete que os adultos usavam, tinha a sensação de que já estava a ficar um homenzinho! À sua maneira, para além de contribuir para que não andasse para aí a perturbar o equilíbrio olfactivo dos meus concidadãos, Feno foi uma espécie de instrumento que auxiliava a entrada no estranho mundo dos adultos.
Onde quer que estejas, obrigado Feno! Podes estar orgulhoso porque continuo a tomar banho!

Inspiring quotes (4)


A audácia é a defesa mascarada do oprimido.

Ignotu
.
(? - ?)



Desenho a carvão de Alex Katz (n. 1927).
Untitled #1, 2002.

O Oráculo Leittini - o seu Horóscopo Alternativo (2)

Capricórnio (23/12 – 20/1)

Semana bem positiva! O remédio que começou a tomar já está a surtir efeitos! Tenha cuidado com o corações e com os animais de estimação lá de casa! É certo que "os animais são nossos amigos", mas com as devidas distâncias!

Aquário (21/1 – 19/2)
Finalmente vai sair da redoma de vidro e contactar com o mundo. Escolheu foi mal a altura, pois está o chamado "frio do caraças". Agasalhe-se ou então escreva já ao Pai Natal a pedir para mudar de elemento. Talvez o Fogo lhe faça bem.

Peixes (20/2 – 20/3)
Semana cansativa, com grandes desafios no seu local de trabalho. Pela primeira vez vão pedir-lhe que atenda um telefonema. Apesar dos nervos iniciais, vai ver que é capaz de distinguir o telefone do agrafador. Pelo sim, pelo não, leve sempre consigo uma caixa de primeiros socorros. Parecendo que não, facilita!

Carneiro (21/3 – 20/4)
Depois de ter estado a semana passada a caminhar mais de 6 horas seguidas, é altura de descansar e curtir os "Morangos com Açúcar", a "Floribella" e todas as novelas que entopem a televisão portuguesa. Caso sinta uma certa estupidificação, não se esqueça de aproveitar a onda e inscreva-se num partido político. Chegará a líder na mesma semana.

Touro (21/4 – 21/5)
Vai ter uma semana tramada. Não por causa de pressões externas de signos invejosos, mas porque o Pingo Doce decidiu fazer uma promoção de bife do lombo a 2€. A este preço não pode ser boi nem vaca. Esteja atento. Viverá rodeado de talhantes inimigos que lhe querem fazer a folha.

Gémeos (22/5 – 21/6)
Não se deixe abater depois de ter descoberto que a tal miúda da semana passada afinal chama-se Manel... Há mais Manéis, rectior, marés que marinheiros! Concentre-se na sua família. Leia livros sobre as mais modernas técnicas de separação de gémeos e consulte o Dr. Gentil Martins. Verá que os seus bolsos pesarão menos.

Caranguejo (22/6 – 23/7)
Está no bom caminho! Já só dá dois passos para trás e um para a frente. Com o seu jeito natural, será contactado pelo Tony Carreira para fazer as novas coreografias da tournée pelo Olympia e por Alguidares da Beira de Baixo. Não desperdice esta oportunidade única!

Leão (24/7 – 23/8)
Ultrapasse esse mau humor. Vá dar uma aparadela à juba e ficará como novo! Os negócios estão favorecidos e o tráfico de marfim também. Avizinham-se, contudo, problemas legais. Consulte o signo Virgem. Daí, talvez não... Se calhar este signo é como um advogado honesto... não existe...

Virgem (24/8 – 23/9)
Experimentou a luz do chamamento e acabou a dançar em cima de uma coluna de uma disco manhosa de Viseu. Esqueça o motoqueiro que encontrou e lhe jurou a pés juntos que era primo do Senhor D. Duarte. Não vê que eles não são parecidos? E não venha com aquela história de mau-gosto de que nem os filhos de S.A.R. têm parecenças com o Duarte Nuno...

Balança (24/9 – 23/10)
Vá a um casino e aposte o salário do mês. A sorte sorri-lhe! Problemas com as articulações devido ao excesso de peso em um dos pratos. As conjugações astrais aconselham uma viagem a um sítio exótico, tipo Bagdade. Se for lá não deixe de dar cumprimentos meus aos donos das petrolíferas.

Escor
pião (24/10 – 22/11)
Semana agitada, com pancadaria à mistura. Use os seus atributos e talvez consiga evitar o pagamento das taxas moderadoras do Correia de Campos. Receberá uma visita inesperada: a D.G. Impostos enviou-lhe um daqueles sujeitos engravatados que lhe fará umas perguntas simpáticas. Cuidado com a língua!

Sagitário (23/11 – 22/12)
A velhinha é mesmo o amor da sua vida! Vá em frente e arrisque tudo! Planeie a sua semana de modo a não esquecer os medicamentos, o gel para fixar a placa, as fraldas e a botija de água quente. Com tanta azáfama a semana passará depressa e a velhinha já estará mais velhinha... Sucessão à vista, portanto.

Com(trastes)


Paris, Ponte Alexandre III.
Foto: rtp

Puxo o cobertor esfarrapado e puído. Agasalho-me por entre os buracos remendados de uma roupa encontrada em contentor de lixo e que esteve já em locais, experimentou sensações e serviu de armadura a episódios que nunca conhecerei. O cão pulguento alivia-me a solidão com a respiração tranquila de quem habita um palácio de ilusões. No seu focinho húmido estão reflectidas as luzes da cidade. Aquelas que um dia te iluminaram quando te vislumbrei pela primeira vez. Somos mais de cinco. Os cartões, os jornais, os plásticos são mais ainda, contrastando em sarcástico humor com a penúria dos estômagos. Não sinto as mãos, os pés, os braços, as pernas. No tronco há ainda qualquer coisa que bate. Descompassado. Aflito. A recordar-me o que mais temo: há um fio de existência (não vida) a correr em veias contraídas e secas. Um milhafre! Como voa e sorri para mim! Aquela coisa já bate mais devagar. Os meus olhos trejeiteiam no redemoinho do voo da ave. E é a esse redemoinho que me entrego. Tranquilo, em paz. Pela primeira vez desde aquela carícia em criança, um calor toma-me. E não é do aquecimento experimentado em estações de metro. Não garanto o que seja. Recordo apenas que me disseram um dia que se chama “felicidade” ou coisa parecida.

sábado, janeiro 27, 2007

Dicionário da Academia das Ciências - o Verdadeiro (I)

ALMA

Para um cientista: Aquilo que dá dinheiro aos intelectualóides que não seguem o método científico.
Para o político: Quem? Nunca ouvi falar… Mas se é daqueles eleitores fantasma que constam dos cadernos, é deixá-lo estar!
Para o padre: O que preenche o corpo e se elevará (ou não) depois da morte.
Para a Princesa Diana: Crash! Pum! Ti-nó-ni! Ti-nó-ni!
Para o Paulo Bento: A nova palavra que passei a usar depois de os ** dos Gato Fedorento terem arruinado a minha “tranquilidade”.
Para o Primeiro-Ministro: O que vendi a um sujeito com chifres na cabeça.
Para o Presidente da República: O que o meu delfim vendeu a um sujeito com chifres na cabeça.
Para o filósofo: O resultado de um processo de desmaterialização de um qualquer ideário e que pode conduzir a uma alienação capaz de nos impedir de aceder ao númeno; o númeno em si para certos filósofos.
Para um dirigente do PCP: O que o patronato inventou para destruir o aparelho produtivo, para encetar um ataque em grande escala ao Povo Trabalhador, entregando o capital às grandes corporações de interesses que se movem na sombra do imperialismo americano. NOTA: Dá para qualquer definição do dicionário.
Para George Bush: Soul? Isn’t that a sort of music? Or a country in Africa or Asia? Well, I’ve had some scotches… Rice, come here and solve this mess…

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Inspiring quotes (3)


A única coragem é falarmos na primeira pessoa.

Arthur Adamov (1908-1970)
Argumentista russo

ZOOMático


Eis os T & L, no dia mais frio do ano! Pela primeira vez olhando a câmara! (E sem os conhecidos chapéus!)

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Inspiring quotes (2)


Não me interessa quem me apoia quando tenho razão; o que quero é o apoio de alguém quando esta me falta.

Sir John Alexander MacDonald
(1815-1891)
1.º Primeiro-Ministro do Canadá

quarta-feira, janeiro 24, 2007

ZOOMático


Nas margens do Mondego

Bang Bang (my baby shot me down)

Tendo recebido várias interpelações, amigáveis mas não sem laivos claros de um teor inequivocamente cominatório, sobre o retardamento no cumprimento da minha prestação no âmbito da blogonovela “Pintado de Fresco”, procuro inspiração para a árdua tarefa, depois do último (e esquisito) episódio.
Aqui fica uma das músicas que serviu de banda sonora a um dos episódios, Bang Bang (my baby shot me down), cantado por Nancy Sinatra. Optei por esta versão mais calma para apaziguar os ânimos. Temi que o cover dos Audio Bullys (Generation, 2006), com as batidas da dance music, e aquele que a personagem Margarida* ouviu, não fosse do agrado das hostes mais clericais deste blog!

* Sim, Margarida! E não Madalena, nem Xana! Já são muitas personagens femininas! Um número tão elevado pode gerar confusão (só) aos mais distraídos!

segunda-feira, janeiro 22, 2007

T&L - derivações em (casa do Rei) Sol Maior

Quid est? Código de Hammurabi

A Thumbelina acertou! E deu uma resposta circunstanciada q.b.. De facto, trata-se do Código de Hammurabi que se encontra no Museu do Louvre em Paris.
No cimo da estela de basalto negro vê-se o rei Hammurabi (1792-1750 a.C) perante Shamash, Deus do Sol e da Justiça a "ditar" as regras que se reproduzem na parte inferior.
Entre o prólogo, onde se faz um relato histórico da investidura do rei e da formação do seu império e o epílogo de natureza lírica, encontram-se 300 regras aplicáveis às mais diversas situações da vida corrente. Aí se encontram preceitos de direito da família, de direito penal, de direito comercial, e até de direito profissional.
Além desta estela que se encontrava na cidade de Sippar (cidade do Sol), existiam outros exemplares espalhados pelas demais cidades do reino. Esta exposição pública das normas, em escrita cuneiforme e numa linguagem simples, serviria o propósito "ignorantia legis neminem excusat", não fora reduzido o número de pessoas (escribas) que sabiam ler.

Inspiring quotes (1)







Every man must decide whether he will walk in the light of creative altruism or in the darkness of destructive selfishness.

Martin Luther King (1929-1968)

domingo, janeiro 21, 2007

O Oráculo Leittini – O seu Horóscopo Alternativo (1)

O T&L, ciente da urgência em encontrar novos clusters (que não os cereais...) contratou, a um preço astronómico, o Professor Leittini, famoso astrólogo, cartomante, parapsicólogo, prestidigitador para, uma vez por semana (mais ou menos, porque o caché é muito elevado, mesmo para o Tretas), responder às inquietações mais profundas de Domingo: como será a minha semana?
Desafiamos os nossos leitores (2 ou 3, no máximo!) a relatarem o grau de acerto com que Leittini os vai brindando em cada semana.
Isto sim, é serviço público!

Não nos responsabilizamos por eventuais acções que os leitores venham a tomar em virtude do Oráculo e juramos a pés juntos que a imparcialidade absoluta de Leittini o faz nem sequer associar algumas características dos signos aos respectivos nativos que conhece!

Capricórnio (23/12 – 20/1)

Bicho ruim! Sempre a marrar em tudo! Deixe de ser teimoso e vá alisar os enfeites da cabeça. Pelo caminho vá ao Professor Katamambo que lhe dará aquele remédio que é «tiro e queda» naquela coisa que tanto o preocupa. If you know what I mean

Aquário (21/1 – 19/2)
Quando é que sai desse microcosmos em que vive? Não acha irritante ser um vidro que contém água e onde vivem uns animais estúpidos e inúteis que têm como ponto alto do dia andar às voltas feitos tolinhos quando alguém lhes coloca comida? Cresça!

Peixes (20/2 – 20/3)
Você não faz mesmo nada! Deixe de ter pena de si próprio e coloque as barbatanas fora de molho. Já viu o que consegue fazer dentro de água e não tem sido famoso… Saia e divirta-se com as amigas algas. Se lhe faltar o ar, ao menos fez algo de diferente esta semana e para a próxima dá-me menos trabalho por ter menos um signo…

Carneiro (21/3 – 20/4)
Essas coisas que tem na cabeça devem pesar! Mas provavelmente você merece-as! Coloque uns enfeites e um daqueles coletes que os pobres trazem a cobrir os assentos do carro. À noite, quando caminhar(?) para casa evita ser atropelado por um TIR.


Touro (21/4 – 21/5)
A sua semana terá sete dias. Isto se o frio que ameaça fazer das suas não a encurtar como por vezes faz a certos organismos vivos. Respire normalmente e verá que terá uma semana pacífica. Pelo menos os problemas respiratórios não o irão incomodar.

Gémeos (22/5 – 21/6)
Como são dois, tem a vida facilitada. Trabalha por dois, manda por dois, dorme por dois e come por dois. Cuidado com a dieta. Avizinham-se problemas de estômago e do tracto intestinal. Aquela miúda gira que o confundiu com o seu gémeo a semana passada, está a ver? Veja mesmo se é uma miúda…

Caranguejo (22/6 – 23/7)
Chega de andar para trás! Ponha as patas ao contrário e, ao menos uma vez na vida, caminhe como os signos normais! Deixe o seu desejo de protagonismo e a mania de ser diferente! Repare que ninguém gosta muito de si. Para além de ser excêntrico dá umas dentadas que não são agradáveis. E nem sequer usa Colgate!

Leão (24/7 – 23/8)
Vá tratar desses dentes! Sempre a abrir a boca… Se ao menos fosse como certas modelos de lábios deslumbrantes! Mas não, assuma que tem pêlo nos beiços e vá a uma esteticista. Não venha com a história de que isso é para mariconços! Na verdade, você já só é rei da sua porcalhota!

Virgem (24/8 – 23/9)
Esta semana não vamos usar a tradicional piada com este signo. Coitado, há tanto tempo no Zodíaco e nunca mais se consegue um upgrade… Deixe lá, ouvi dizer que estamos perante uma crise de vocações. Sempre será uma saída profissional relaxada!

Balança (24/9 – 23/10)
O pingo que sente no nariz é inversamente proporcional à sua capacidade para amar. Doseie tudo com conta, peso e medida e verá que os espirros até podem ser sexys quando vertidos numa soirée requintada. Palavra de Bobone!


Escor
pião (24/10 – 22/11)
O seu veneno vai trazer-lhe bons resultados. Como a indústria farmacêutica em Portugal floresce à custa de antidepressivos e ansiolíticos, veneno por veneno ninguém dá pela diferença. Boa semana nos negócios. Quanto ao resto, o habitual. Andará sempre sozinho. Com o seu feitio não é muito popular. Deixe lá, quando entra em transportes públicos apinhados tem muito espaço à sua volta!

Sagitário (23/11 – 22/12)
Essa seta que trás consigo é mesmo sua? Deixe-se de materialismos e entre numa onda ecológica! Pegue numa flor e ofereça-a a uma velhinha simpática sentada num banco de jardim. E se ela disser alguma coisa, lembre-se: «isso é Impulse». Semana apaixonada, portanto. Ah! Não se esqueça de confirmar a conta bancária da velhinha!

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Post scriptum

Thomas Mann. Mário e o Mágico (Mario und der Zauberer).
Original de 1930.
Publicações D. Quixote, 1988, 4,99 €.

A escrita bebe-se de um trago, ante a fluência e limpidez das palavras e o carácter subliminar da mensagem. No conto Mário e o Mágico tudo está eivado de um segundo sentido que convida o leitor a emaranhar-se na História e a perceber pontos de contacto com as maiores atrocidades cometidas na II Grande Guerra. Não tivesse sido o livro publicado em 1930 e tendo como pano de fundo a Itália fascista («a praia fervilhava de crianças patriotas – um fenómeno contranatura e arrasador»).
Pelas lentes de uma família austríaca que passa férias, em Setembro, numa estância balnear italiana – Torre de Venere –, sentimo-nos incomodados com os olhares reprovadores e sobranceiros que, mesmo em um nível social alto, nos são lançados por quem nos vê como extranei.
Pelo meio, verificações filosóficas: «é sabido que o mundo procura a tranquilidade e afugenta-a ao lançar-se sobre ela numa ânsia ridícula»; «um certo poeta disse que a inércia é que nos amarra a situações penosas» e ditadores de 12 anos: «esse rapaz (…) era um dos pilares de uma mentalidade colectiva que, embora dificilmente palpável, pairava no ar» (porventura já em 1930 algumas crianças fossem tiranos aos quais os pais obedecem como se de um Rei Sol se tratasse).
Grande parte da obra descreve, com extraordinário realismo, a actuação de Cavaliere Cipolla, o mágico (forzatore, illusionista, prestidigitatore) que, perante o clamor e admiração da sala, vai realizando os seus truques, vai humilhando, reprovando comportamentos, hipnotizando. Tudo, por rectas contas, o que os totalitarismos põem em prática. O corcunda mágico é, afinal, a personificação de todos os ditadores do mundo: acena ao povo com um punhado de truques, de balões de ar efémeros e enganadores (como se vivessem) para, no final, conduzir as massas aos seus intentos.
Retém-se o passe de mágica com a Sra. Angioleri, dona da Pensão Eleonora onde a família está hospedada e que se ufana por ter contactos com a irmã de Il Duce. O sarcasmo que Mann dedica à relação matrimonial, ao transformar o marido da estalajadeira em um animal que choraminga pela mão que o alimenta, ridiculariza, em geral, os contactos humanos e, do mesmo passo, mostra-os com toda a sua crueza: relações entre seres incompletos e inseguros.
O modo como Thomas Mann termina o enredo sublima o Homem, é o momento catártico que em surdina se ia desejando com o ardor da Liberdade. Mais ainda porque esse desagrilhoamento dá-se por intermédio de Mário, um giovanotto, pobre empregado de mesa do café Esquisito, de olhar doce e de sorriso fácil, enfim confrontado com o conhecimento público do seu amor julgado secreto: Silvestra. É por desonra que o mágico é morto; é por via da emoção que a Humanidade é salva.
Mann homenageia os verdadeiros heróis: os que a História teima em condenar à penumbra, ostentando, nos anais, à frente de um acontecimento, aquele ou aqueles que detêm o poder. O poder que faz claudicar o poder anterior. Sempre assim foi e sempre assim será.
Ao fim e ao cabo, Thomas Mann tudo resume – pela voz de Cipolla – à vetusta questão do (in)determinismo: «A liberdade existe e também a vontade existe; porém, o livre arbítrio não existe, pois uma vontade que tenha por alvo a sua própria liberdade embaterá no vácuo». Interpela-nos ainda com a afirmação apodíctica: «ordenar e obedecer constituem juntas apenas um princípio, uma unidade indissolúvel; quem sabe obedecer sabe também mandar e vice-versa; um pensamento está implícito no outro, assim como o povo e o seu líder estão implícitos um no outro». Dá que pensar!

PS ao post scriptum: agradeço ao amigo Joe o comodato do livro! Como a imagem do conto não estava disponível no sítio da editora, optei por colocar a capa do original. Claro: li em Português; o meu Alemão é muitíssimo arcaico...

Quid est?

Novo ano, nova rubrica! Com este mote em mente decidimos inaugurar uma nova categoria de posts que baptizámos (a falar verdade quem baptizou foi filipelamas, já que só ele, atendendo ao seu passado, está investido da qualidade exigida para o exercío de tão elevado múnus :-)) como "Quid est?".
Tal como no "Porto de Vista" interpelamos o (vastíssimo!) público, lançando o desafio da descoberta da identidade dos entes que aqui formos colocando.
Aqui fica o primeiro repto (muito fácil!).

PS - Rocky e filipelamas, os meninos não podem participar!

Early Night Post (19)

Anuviado

"- Patifes, santos, nunca vi nada disso. Nada é preto ou branco, é o cinzento que se impõe. Homens ou almas, tanto faz... Tu és uma alma cinzenta, estranhamente cinzenta, como todos nós ...
- Palavras, nada mais que palavras ...
- Que mal te fizeram as palavras?"

Philippe Claudel, "Almas cinzentas", Edições ASA, p. 89.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Early Night Post (18)


"Quando algo delicioso e irrecuperável se desvanece, temos certamente a sensação de ter acordado de um sonho. No meu caso, essa sensação é extraordinariamente verdadeira. Porque a minha felicidade se formava realmente do mesmo segredo que a felicidade dos sonhos, porque consistia na liberdade de viver todo o possível e imaginável em simultâneo, de confundir ludicamente exterior e interior, de deslocar tempo e espaço como bastidores. Tal como nós, irmãos da Ordem, viajávamos através do mundo sem carro ou navio, tal como conquistávamos o mundo abalado pela guerra e o transformávamos em paraíso através da nossa fé, assim criávamos o passado, o futuro e o imaginário no momento presente. (...)

As velas arderam até ao fim e extinguiram-se, sentindo-me invadido por um infinito cansaço e, voltando-me, parti para encontrar um lugar onde me pudesse deitar e dormir."

Herman Hesse - Viagem ao País da Manhã, Ed. Asa, pp. 26 e 89.

Early Night Post (17)


"É insuportável. É como estar à beira de um abismo, e ter vertigens, e cada vez a gente a debruçar-se mais, e ter medo de cair, e cair, e não chegar ao fundo e acabar, porque o abismo não tem fundo. E, quando se está caindo assim, quereríamos que tivesse. O céu são muitos céus até ao último. A terra muitas camadas até ao fim. O mar, muita água até que há outra terra. A vida, tudo o que tenho tido e me tens dado. O poder, eu posso ter, se quiser todo o poder do Mundo. Mas tudo isto tem fim, pode ter um fim qualquer. Só este abismo não tem. E cada dia me sinto pior, ou me sinto melhor, não sei."

Jorge de Sena, "O físico Prodigioso", Edições ASA, pp. 69 e 70

quarta-feira, janeiro 17, 2007

ZOOMático ou Souvenir de Paris (VII)


Étoile bouleversante
by Rocky

Rose Rouge

Eis um fragmento de nu-jazz extraído do incontornável “Tourist” de Sait-germain. O francês mistura como ninguém o jazz com a electrónica, criando sonoridades que muito me agradam. Aqui fica a estonteante “Rose Rouge”, como podia ficar o espectacular “Sure Thing”.
Apresenta a vantagem do apelo das imagens à itinerância. Através do clip vamos boulevardando, através das boémias e despudoradas ruas de Montmartre, sob o olhar vigilante e atento do Sacré-couer.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Rejubilemos! É o Dia que o Senhor Fez! O Bife está Frito!


Ele há tolinhos para tudo!
Pois imaginem que hoje (escrevo ainda a 15/1, espero!) é o dia do Bife Frito, segundo a Wikipédia, essa grande instituição cultural que, por sinal, hoje apaga as suas primeiras 6 velinhas!
O que virá a seguir: o Dia das Ameijoas à Bolhão Pato? Ou do simples Prego em Pão?

Post scriptum

Luis Sepúlveda.
O Poder dos Sonhos, El Poder de los Sueños.

Edições Asa, 2006, 9 €.

São 120 páginas de puro fel, de opróbrio, de ressentimento, de um “anti-americanismo” primário e bacoco. É certo que, de quando em vez, a memória de um companheiro de luta ou o idealismo político de uma sociedade sem classes perpassam o discurso e irrompem a mancha opaca de seguidismo ideológico militante.
Depois de ter lido com agrado o “Ninguém Escreve ao Coronel”, Luís Sepúlveda impressionou-me pela negativa.
São bem conhecidas as posições políticas de esquerda marxista-leninista do escritor e as suas “bicadas” ao “imperialismo”, a sua amizade com Chávez, o ódio a W. Bush e a sua idolatria por Allende, El Camarada Presidente.
Tendo integrado o “governo dos 100 dias”, esta recolha de textos publicados em jornais e alocuções proferidas em acontecimentos de índole cultural ou de pura intervenção política, em nada faz justiça ao título El Poder de los Sueños. Recuso-me a acreditar que eles – os sonhos – possam ser vividos quando se tem uma mundividência maniqueísta entre eles – Rice, Cheney, Rumsfedl (à época), Powell (também à época e descrito como um negro envergonhado da sua origem rácica: «um negro que chegou a empalidecer», p. 56) – e nós, os puristas, os ídolos, os que lutam e acreditam.
Apontar o outro como demoníaco é sinónimo de inseguranças por resolver (irresolúveis?) e de ocultas admirações.
A discursividade de Sepúlveda, baseada em uma armadura conceptual de uma certa esquerda decrépita, vai tombando ao longo do livro. Fica a nu uma perspectiva fechada à globalização e incapaz de perceber que o caminho não passa por acabar com este fenómeno mas, ao invés, aproveitar ao máximo as suas potencialidades e fazer dessa universitas algo que, num puro espírito tributário de valores herdados da Revolução Francesa, transforme monstros arcaicos em clusters – como agora se diz – ou, em “Português emigrantês”, em “desémerdés” criativos. Bem vistas as coisas, Sepúlveda está no Restelo como o Velho, ululando contra a Gesta das Descobertas.
Porque não quero ser equívoco, para o registo conste que não sou de todo fã do actual Presidente dos EUA. Talvez por isso recuso-me a entrar no jogo de reverter nessa figura texana o seu “axis of evil”. É tudo uma questão de estratégia. Não tenho a veleidade de que a minha esteja correcta, mas não é com inconsequentes impropérios de tudo o que é poder temporal que “o sonho pula e avança”. Mesmo quando se tem – como Sepúlveda e tantos chilenos – razões de queixa de ditadores como Pinochet.
Não se trata de branquear a História – essa deve ser feita com a isenção só possível com o imprescindível afastamento temporal dos factos e, como se lê nos manuais, os assassinos devem ser punidos –; pelo contrário, trata-se de passar pela História com a certeza de que ela ocorreu, que com ela se aprendeu e que o caminho é adelante. E não preso ao passado.
Para um escritor, por definição perito em sonhar e nos fazer sonhar, exigir menos que isto é pouco. Mesmo poucochinho.