Foto: rtp
Puxo o cobertor esfarrapado e puído. Agasalho-me por entre os buracos remendados de uma roupa encontrada em contentor de lixo e que esteve já em locais, experimentou sensações e serviu de armadura a episódios que nunca conhecerei. O cão pulguento alivia-me a solidão com a respiração tranquila de quem habita um palácio de ilusões. No seu focinho húmido estão reflectidas as luzes da cidade. Aquelas que um dia te iluminaram quando te vislumbrei pela primeira vez. Somos mais de cinco. Os cartões, os jornais, os plásticos são mais ainda, contrastando em sarcástico humor com a penúria dos estômagos. Não sinto as mãos, os pés, os braços, as pernas. No tronco há ainda qualquer coisa que bate. Descompassado. Aflito. A recordar-me o que mais temo: há um fio de existência (não vida) a correr em veias contraídas e secas. Um milhafre! Como voa e sorri para mim! Aquela coisa já bate mais devagar. Os meus olhos trejeiteiam no redemoinho do voo da ave. E é a esse redemoinho que me entrego. Tranquilo,
1 comentário:
O nosso mundo está repleto de contrastes. Senti-o quando tirei esta foto. Senti-o, também, quando, por exemplo, vi no metro de Paris, muitos sem-abrigo acomodando-se nas partes laterais das escadas rolantes para passarem uma noite menos gelada. Ou quando fui despertada para o movimento, então especialmente activo nas margens do Sena, dos "Filhos de D. Quixote".
Às vezes precisamos de certos abanões para não nos deixarmos embalar pelo corre-corre da nossa vida e anestesiados pelo conforto que vamos tendo, eliminarmos da nossa fotografia (realidade) quotidiana estas imagens incrivelmente próximas.
Só uma precisão final (quase) indiferente para a importância da questão abordada. A Ponte em causa não é a Alexandre III, mas ... a "Pont de l'Alma"...
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