O Jurista, Giuseppe Arcimboldo, 1566, Museu Nacional, Estocolmo.
Inauguramos hoje uma nova rubrica que nos irá ocupar vários posts e para a qual estão convidadas as bloggistas residentes e todos os que façam parte da espécie que queremos aqui escalpelizar. Ela é multímoda o suficiente para comportar tratados infindáveis e chatos tal como o nosso objecto de estudo.
Comecemos por uma evidência: o jurista é um bicho estranho (e estamos a ser simpáticos).
Fala uma linguagem própria, procria de modo específico e tem o seu habitat natural.
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Comecemos hoje, então, pela linguagem, rectior (esta é típica), por uma parte dela. Estamos perante um animal que é perito em debitar muitas palavras e, no final, instado a resumir, é incapaz de o fazer ou, se o faz, saem umas latinadas mutatis mutandis cum grano salis maxime hic et nunc. O sim e o não são palavras proibidas a este ser. Abreviaturas como s.m.o., p. e p., à C.S., CPP, CP, LOFTJ, RLOFTJ, CPTA, o extinto CPEREF (um dos meus predilectos), formam uma teia inextricável de miríades distintivas e sub-distintivas de metastisado estado.
Qual mensagem encriptada, o jurista vive de fórmulas redondas e de pensamentos que desafiam a lógica basilar. Se A deve a B, A pode não ser devedor. Tudo depende do ponto de vista e de um expediente de que se possa – mesmo que só de forma remota correcta – lançar mão.
E claro, as chavetas. Se abríssemos o cérebro de um jurista ele estaria pejado de travessões e chavetas. Tudo tem de ser distinguido até a um ponto quase infinitesimal em que nem mesmo o autor percebe o que há já a destrinçar. O mais certo é que a sub-sub-chaveta seja o mesmo que a sub-sub-chaveta anterior. Mas tal é suficiente para alimentar animadas (dentro do género...) disputas doutrinais em que os ditos “Autores” se digladiam em “revistas da especialidade” com fórmulas sarcástica e pretensamente bem-educadas: “o distinto Mestre não pode ter pretendido chegar a esta conclusão”, “se bem entendemos o que o insigne jurista defende”, “se bem pensamos”, “não querendo trair o pensamento que – ao que julgamos – anima o distinto Autor”.
Os adjectivos são, aqui, fórmulas ocas e em que, v. g., a “douta” p. i., o “douto” despacho ou acórdão em versão Habilus são, muitas vezes, idiotices pegadas e modo já conhecido em juízo de dizer “o burro do advogado que fez a porcaria desta peça” ou “o estúpido do juiz que desencantou esta visão peregrina das coisas”.
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Apertis brevis ou brevitatis causa: a consistência axiológico-normativa do que supra se acha vertido em nada responsabiliza, mediata ou imediatamente os administradores do espaço lúdico virtual que aloja o conjunto de caracteres ora sub judice.
Leia-se: não nos responsabilizamos pelas consequências nefastas para a saúde que esta rubrica tenha nos possíveis leitores.
Sob o alto patrocínio de:
National Geographic
Academia Internacional de Antropologia
Canal Panda
Cartoon Network
Floribella
Tide (Que querem? Precisei de detergente lá para casa e o Tide deu mais! Salário de jurista não dá para grandes pruridos "ético-desinfectantes"...)