quinta-feira, dezembro 14, 2006

Sorver


A Árvore da Vida, Gustav Klimt (1905-1909), Museu Austríaco de Arte Aplicada, Viena, Áustria.

Sorver a vida de um trago,
Mastigar o ar que oprime
A explanação do ser.
Ser cavalo alado sem
Asas de anjo e
Sem chifres de diabo.
Recusar o maniqueísmo
De dias claros ou escuros
Na esperança de assim
Alcançar a redenção
Em teu regaço
Onde reencontro
A infância perdida (nunca vivida?)
E, inebriado pelo
Cheiro maternal leitoso,
Enfrento as hipocrisias mundanas,
A podridão das entranhas dos que me rodeiam
(Nada mais são que o espelho de mim
Reflectindo imagem levemente satírica
De alguém que se toma muito a sério).

“Ser inteiro”, como em Pessoa,
É integrar frágeis pés de barro
Em corpo obeso e farto
Que se inclina como em Pisa,
Que estrondeia qual boneco de feira
E aos trambolhões disformes
Esgravata para o fim do
Percurso
Que foi somente estrada
De sentido único,
Bordejada por daninhas ervas
E por árvores copadas
De frutos e manás vedados
Em cruzamentos entrelaçados.

F. L.

8 comentários:

rocky disse...

Finalmente o bálsamo poético que nos veio acalmar a sede! Parabéns pelo regresso (em grande) e pelo belo poema que «sorverei».

rtp disse...

Subscrevo inteiramente as palavras da Rocky!
Curiosamente (ou não) filipelamas, o nosso GRANDE poeta (um dinossauro da poesia, no mínimo - :-)), verteu neste poema uma série de reflexões que perpassavam nos posts anteriores: "ser inteiro" que vai buscar a Pessoa não será o oposto de ser bailatino na acepção de Kundera? Sorver a vida de um trago, mas sem perder cada nuance de sabor que ela contém não irá de encontro às palavras de Dostoievsky?
Filipelamas caldeou tudo com o seu dom poético, e oferece-nos esta rica "infusão", que, como diz a Rocky, só temos de sorver para nos aquecer a alma!

Anónimo disse...

lindo. sério, vc está progredindo a cada semana.

Anónimo disse...

O Poeta chegou, com Força Vida Alma e Sentido, revejo-me bem nessas palavras passadas pelos sentidos no nosso Mundo.....Pura e simplesmente fantástico, Um grande abraço e obrigado por este regresso em grande

GBN disse...

A leitura deste poema remeteu-me para a dimensão labiríntica da poesia ortónima pessoana. Aliás, como nos alerta o vate no final, depreende-se uma obliquidade entrelaçada na sua poesia. Poesia densa, viva e aturada numa sôfrega procura de redenção. Mas redenção de quê caro FL?

Seja (re)bem-vindo FL. A sua falta aqui neste processo "poético-bloguístico" consubstancia uma falta absolutamente insuprível, o que nos impede - ávidos leitores - de poder entrar no mérito da discussão da sua poesia.

GBN disse...

Onde se lê «de poder entrar no mérito da discussão da sua poesia.»

deve ler-se:

«de poder entrar na discussão do mérito da sua poesia». :)

filipelamas disse...

Obrigado a todos pelas vossas palavras.
Caro gbn: vejo que as aulas de DPC podem estar a ter algum êxito. Quanto à sua sagacidade, basta lê-lo. A redenção é, de facto, neste momento, um tema que me é muito caro. Um dia falamos disso...

Anónimo disse...

Que grande regresso. Belíssimo.

j.g