Juan Gris, Arlequim com guitarra
A publicação recente de Percepções e Realidade, de Pedro Santana Lopes, fez-me recordar um excerto d’A Lentidão, de Milan Kundera, que, mais uma vez, transcrevo.
“Todos os homens políticos de hoje, segundo Pontevin, são um tanto bailarinos, e todos os bailarinos se metem em política, o que, apesar de tudo, não deveria fazer-nos confundir uns e outros. O bailarino distingue-se do homem político corrente pelo facto de não desejar o poder mas a glória; não deseja impor ao mundo esta ou aquela organização social (borrifa-se para isso), mas sim ocupar o palco fazendo refulgir o seu eu.
(…) O combate travado pelo bailarino é aquilo a que Pontevin chama judo moral; o bailarino lança a luva em desafio ao mundo inteiro: quem é capaz de se mostrar mais moral (mais corajoso, mais honesto, mais sincero, mais disposto ao sacrifício, mais verídico) do que ele? E maneja todos os recursos que lhe permitam colocar o outro numa situação moralmente inferior.
Se um bailarino tiver a possibilidade de entrar no jogo político, recusará ostensivamente todas as negociações secretas (que são sempre o terreno de jogo da verdadeira política) denunciando-as como mentirosas, desonestas, hipócritas, sujas; adiantará as suas propostas publicamente, de cima de um estrado, cantando, dançando, e chamará os outros citando-os pelo nome a seguirem-no na sua acção; insisto: não discretamente (a fim de dar ao outro tempo para reflectir, para discutir contrapropostas), mas publicamente, e se possível de surpresa: «Está disposto agora mesmo (como eu) a renunciar ao salário do mês de Março em benefício das crianças da Somália?»
(…) [O bailarino] não concluiu como Fausto um pacto com o Diabo, concluiu-o com o Anjo: quer fazer da sua vida uma obra de arte e é nesse trabalho que o Anjo o ajuda; porque, não te esqueças, a dança é uma arte! É nesta obsessão de ver na sua própria vida a matéria de uma obra de arte que se encontra a verdadeira essência do bailarino; ele não prega a moral, dança-a!”
“Todos os homens políticos de hoje, segundo Pontevin, são um tanto bailarinos, e todos os bailarinos se metem em política, o que, apesar de tudo, não deveria fazer-nos confundir uns e outros. O bailarino distingue-se do homem político corrente pelo facto de não desejar o poder mas a glória; não deseja impor ao mundo esta ou aquela organização social (borrifa-se para isso), mas sim ocupar o palco fazendo refulgir o seu eu.
(…) O combate travado pelo bailarino é aquilo a que Pontevin chama judo moral; o bailarino lança a luva em desafio ao mundo inteiro: quem é capaz de se mostrar mais moral (mais corajoso, mais honesto, mais sincero, mais disposto ao sacrifício, mais verídico) do que ele? E maneja todos os recursos que lhe permitam colocar o outro numa situação moralmente inferior.
Se um bailarino tiver a possibilidade de entrar no jogo político, recusará ostensivamente todas as negociações secretas (que são sempre o terreno de jogo da verdadeira política) denunciando-as como mentirosas, desonestas, hipócritas, sujas; adiantará as suas propostas publicamente, de cima de um estrado, cantando, dançando, e chamará os outros citando-os pelo nome a seguirem-no na sua acção; insisto: não discretamente (a fim de dar ao outro tempo para reflectir, para discutir contrapropostas), mas publicamente, e se possível de surpresa: «Está disposto agora mesmo (como eu) a renunciar ao salário do mês de Março em benefício das crianças da Somália?»
(…) [O bailarino] não concluiu como Fausto um pacto com o Diabo, concluiu-o com o Anjo: quer fazer da sua vida uma obra de arte e é nesse trabalho que o Anjo o ajuda; porque, não te esqueças, a dança é uma arte! É nesta obsessão de ver na sua própria vida a matéria de uma obra de arte que se encontra a verdadeira essência do bailarino; ele não prega a moral, dança-a!”
4 comentários:
Citação muito interessante e oportuna! O retrato assenta que nem uma luva ao ... bailarino! :-)
Todos somos bailarinos, cada um à nossa maneira. Oscilamos entre pontos, entre estados de alma. Nada de mal vejo nisso, desde que não percamos o equilíbrio, o qual não é dado por aspectos extrínsecos, mas pela certeza de que nos deitamos e dormimos tranquilos (mesmo que demoremos a adormecer...).
Na verdade, fl, num momento ou noutro e a escalas diferentes, todos "dançamos a moral" em estrado mais ou menos improvisado. Há é quem faça disso modo de vida...
P.S.: Ainda bem que regressaste, filipelamas!!!
Idem, idem, aspas, aspas!
P.S. - Idem Idem, aspas, aspas.
;-)
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