Um cenário de sete portas fechadas em clima sombrio num castelo de um duque, de sua graça “Barba Azul”. O nobre e a sua quarta mulher, Judith, chegam ao desejado lar, deixando ela para trás um jovem príncipe. O duque deveras apreensivo com o conhecimento da sua personalidade que o castelo revelará àquela que foi conquistada à meia-noite e que se prepara para descobrir quem é o homem atrás do título nobiliárquico.
Tudo é lúgubre, soturno, triste. Judith reclama a abertura das portas que guardam segredos malquistos, ante um duque que oscila entre o terror e o infindo desejo de se revelar. As portas vão sendo abertas: uma câmara de tortura, uma sala de armas, uma sala de tesouros, um magnífico jardim de flores coloridas, a vista para o Reino, o Império, um lago de águas calmas e cinzentas e, finalmente, as três anteriores mulheres, aprisionadas, misto de realidade e recordação.
Cada uma delas representa fases diversas da vida: a juventude, a idade adulta, a dita “média idade” e, ao que parece, a Judith está destinado o papel de quadratura do círculo, de mulher juntamente a quem se espera a morte em doce enlevo.
O simbolismo é uma constante, através da aparente simplicidade com que Béla Bartók nos brinda. Tida como uma das mais representativas óperas em um acto da centúria passada, nela perpassa um pessimismo antropológico exponencialmente elevado. A Humanidade, apesar dos erros que comete, mesmo deles tendo consciência, reincide. Cada vez mais.
Hino à prisão das fantasias, a um certo “locus horrendus” temperado por períodos de “locus amoenus” em que o sentimento sobrepõe a razão, “O Castelo do Duque Barba Azul” assume-se como obra puritana, como crítica de costumes, ao condenar a riqueza, o poder, a opulência, a crueldade. Mesmo os ambientes naturais são regados por sangue inocente. Incomoda o pecado que Bartók associa a manifestações hedonistas, principalmente em uma época em que o momentâneo é a cultura dominante.
Lembra Soren Kierkegaard, o seu radicalismo religioso, a “ponte” que lançava para o reino do bem, o isolacionismo humano no meio da multidão tentadora. Lembra os castelos em que nos fechamos e de cujas ameias contemplamos altivos o mundo.
A altivez e a proximidade que sentimos da figura do duque humano, finito, imperfeito. Este o paradoxo que trouxe comigo depois de ter assistido a esta ópera na nossa Casa da Música.