sábado, junho 28, 2008

"O Prazer da Leitura"


O Prazer da Leitura
AA. VV.
Teorema, Fnac, 2008
4 €

Há livros assim: de qualidade muito desigual, mas que valem a pena pelo aspecto humanitário. É o caso de “O Prazer da Leitura”, lançado por ocasião dos 10 anos de presença da FNAC no nosso País, reunindo contos de escritores renomados como Mário Cláudio, Francisco José Viegas, Lídia Jorge, Nuno Júdice e Rui Zink.
Começando pelo último, de modo a cumprir a determinação bíblica, como sempre, os palavrões são mais que muitos e tentam esconder um texto pobre e uma ideia singela: o computador em que o escritor trabalhava foi desligado em virtude de um corte de fornecimento de energia provocado por quem verdadeiramente trabalha: aqueles que o fazem com as mãos, em trabalho braçal. Fez-me lembrar uma pessoa que, há uns meses, me disse claramente que eu pouco fazia, apesar de o próprio também ter uma profissão dita “intelectual”…
O conto de Francisco José Viegas é um interessante mini-policial com a trama a decorrer na FNAC de Santa Catarina e, mais uma vez, representando um curioso confronto entre as “ciências do espírito” e as “ciências policiais” (pasmem-se!).
Nuno Júdice escreve prosa de modo denso e quase cifrado, em tom um tanto melodramático, mas enxuto, com palavras acutilantes, directas e que, aqui e além magoam o leitor. Porventura o conto mais expressivo desta colectânea.
Para esta época de estio, o preço de 4 € e alguma leveza na construção literária tornam “O Prazer da Leitura” numa espécie de “salada de Verão”, fresquinha e pouco dada a ricos nutrientes.

sábado, junho 21, 2008

Pintado de Fresco (VIII)

NOTA DA ADMINISTRAÇÃO

No já longínquo mês de Novembro de 2006, o Pintado de Fresco conhecia o seu último episódio, a que se seguiu uma espera de quase dois anos.
A administração do Tretas entendeu que esta novela dos tempos modernos, escrita a quatro mãos entre mim e a rtp, a que se juntará - esperam
os nós - a querida rocky, tinha de regressar, após sentirmos uma vaga de fundo a que não pudemos ficar indiferentes:)
Pedimos ao vastíssimo auditório que clique na etiqu
eta em baixo deste post e releia os episódios anteriores, de modo a perceber o que ora se publica.
Aguardamos a vossa crítica sincera e temos já de marcar um evento social pelo renascimento desta que é uma pérola da nossa literatura:)


Mário já não se sentia assim desde que, aos quinze anos, no colégio interno para onde os pais o haviam desterrado, conseguiu chegar à fala sobre “coisas de gente grande” com a escultural professora de Inglês, vinda de um mundo diferente, mais ousado, mais desligado de preconceitos e que, sem ele o imaginar, já antevia um futuro de “lady” com o Fontes Jr., por entre peles caríssimas e férias o ano inteiro.
Fora, na verdade, a sua primeira grande desilusão. Depois daqueles encontros furtivos e tórridos junto à praia da Memória (tão adequadamente colocado lhe parecia agora o nome…), adolescente/jovem/adulto, um misto de tudo e de nada, um turbilhão de emoções galgando comportas, sentira que Kate se limitava a ver nele um enorme e chorudo livro de cheques. Correra com ela, por entre berros assustadores em final de tarde de Outono, condizente o tempo meteorológico com o tempo do sentir que ameaçava despedaçar um corpo ainda tão jovem.
Tentava afastar esse pensamento à medida que, sobre as 13 h, se aproximava da entrada do Meridien.
“Deixa-te de infantilidades! É só uma mulher! Mais uma… Não. Mais uma não vale a pena… Já chegou a Madalena!”, parecia rezar em voz baixa. “Como se chama a menina da vespa?...”, o esforço era notório, pois a ressaca ainda não levantara ferros por completo. “Ah! Isso! Margarida!... Eh, pá… Mais um M…”
Já próximo das 13.30 h, o desânimo começou a vencer Mário. Olhava para todos os lados, à procura da rapariga cujo rosto tão claramente ficara gravado na sua retina e, quanto mais vislumbrava os transeuntes, mais se convencia que aquele encontro havia sido um tremendo erro.
“O que vai ela pensar de mim? Como pude ser capaz de deixar um bilhete com o meu número? Já não me conheço…”
As duas horas já haviam feito a sua entrada. O telemóvel permanecia mudo. Nem sinal de Margarida. Tivera o impulso de lhe ligar, mas entendia esta “provação” como o justo castigo pela sua inabilidade.

***

Perto do Mondego, alguém passeava com Alberto Caeiro debaixo do braço. “O guardador de rebanhos” para uma ovelha tresmalhada. A personagem caminhava de semblante pesado, porém sereno, como se transportasse o peso do mundo.
Uma carrinha com os dizeres “Associação Juntos Venceremos”, vestida de um bege muito sujo, já em final de vida, fez soar uma chiadeira aparentada de travões.
- Rodrigo, ‘bora pró Porto, carago!

segunda-feira, junho 16, 2008

Heartstopper

Heartstopper de Emiliana Torrini.

sábado, junho 14, 2008

The Happening - O Acontecimento



The Happening (2008) – O Acontecimento
Realização e argumento: Manoj Night Shyamalan
Elenco: Mark Wahlberg, Zooey Deschanel

The Happening parte de uma ideia muito interessante: e se as plantas se revoltassem contra os humanos, em virtude das constantes agressões que fenómenos como a poluição para elas constituem? Como não se podem mover, a sua “natureza” reclamaria que largassem toxinas na atmosfera capazes de gerar a auto-destruição de todos quantos fossem atingidos, principalmente quando se encontram em grandes grupos, como nas principais cidades dos Estados Unidos.
Um professor de Ciências de Filadélfia, a meio de um casamento em que parece ser traído, vivendo sem paixão verdadeira, torna-se a principal figura da trama. O egoísmo humano motivado pela desesperada luta pela sobrevivência é retratado apenas em esboço.
Se a ideia de base é muito boa, a acção é demasiado caricatural, excessiva mesmo, tornando o filme ainda menos credível.
Esperava-se mais do realizador Manoj Night Shyamalan, o mesmo de “O Sexto Sentido”, em que a reviravolta é suave e apta a deixar-nos atónitos. Tudo o que falta neste “O Acontecimento” que, por rectas contas, de acontecimento cinematográfico tem muito pouco.

Doris Lessing - "Gatos e mais gatos"


Gatos e mais gatos
Doris Lessing
Livros Cotovia
12.50 €


Nunca gostei muito de gatos. Há qualquer coisa naquele modo de ronronar, de ser arisco, de prezar a independência acima de tudo, de muitas vezes “não conhecer o dono”, que me fazem olhá-los de esguelha e raramente ter o impulso de uma festinha sentida.
Contudo, ao ver “Gatos e mais gatos” (1967), da Prémio Nobel da Literatura (2007) Doris Lessing, decidi arriscar, sobretudo pela curiosidade em conhecer a escrita desta mulher nascida na Pérsia e que tem nos gatos referências de vida.
Como seria de esperar, o livro vive de descrições de estórias destes felinos domésticos (e até dos selvagens), desde as longas superfícies da África do Sul até ao mais modesto apartamento nos subúrbios de uma Londres decadente. Existem descrições pungentes do sentimento de culpa de matar gatinhos recém-nascidos devido ao elevado número da ninhada e à falta de donos, episódios de salvamentos de uma gata parideira soterrada aquando de uma forte chuvada em terras para além da metrópole do British Empire.
Sobretudo, Doris Lessing descreve com grande mestria as relações de domínio, dependência e subserviência que se estabelecem entre Gata Cinzenta e Gata Preta, a primeira sempre tratada com maior desvelo e complacência advenientes da culpa (de novo esse sentimento tenebroso assola a Autora, de jeito autobiográfico?) em ter-lhe sido usurpada a maternidade. Nos comportamentos das gatas, nas pequenas diatribes e nas mais clamorosas injustiças, revemos as relações humanas, a certeza de que a maior parte da interacção entre os homens se baseia em equilíbrios de poder. É essa a verdade nua e crua que a Autora nos oferece, assim como a sua preferência pelos animais. De facto, poucas vezes Doris se refere às pessoas, o que nos faz pensar que, apesar da crueldade de algumas atitudes das gatas, tal é preferível a enfrentar, reflectido nos outros, o género de que somos constituídos (medo, fuga de Lessing?).
A cerca de metade da narrativa, nota-se alguma perda de força, como se os gatos tivessem decidido esparramar-se num telhado aberto a um dia solarengo, exigindo do leitor um sacrifício acrescido que, no final, acaba por compensar.
Não me reconcilie com os gatos, porém, aprendi a ver neles pessoas em ponto pequeno. Para o bem e para o mal. Como sempre.

quinta-feira, junho 12, 2008

terça-feira, junho 10, 2008

3, 2, 1 ... Feist

"1, 2, 3, 4" do álbum The Reminder da Feist.

Porto de Vista Esclarecida (XXVI)

O alf acertou! Parabéns por desvendar este Porto de Vista e pela rapidez na resposta!
Era um fotografia da estátua de Garcia da Orta. Trata-se de uma Estátua de pedra da autoria de Vilar, realizada em 1971 e erigida na Praceta de Tomé Pires à Rua de Sagres nas proximidades da Avenida da Boavista.
No endereço www.vidaslusofonas.pt/garcia_da_orta.htm encontram-se interessantes informações sobre a vida e obra deste importante médico e naturalista do século XVI. Vale a pena uma consulta. Deixo aqui um breve excerto:
«Garcia da Orta nasce em Castelo de Vide, filho de Fernando (Isaac) da Orta e de Leonor Gomes. - 1523: Retorna a Portugal depois de estudar medicina em Salamanca e Alcalá de Henares. - 1530: Ingressa como professor de Lógica na Universidade de Coimbra. - 1534: Parte para Goa, Índia portuguesa, onde passa a residir, a trabalhar como médico e no comércio de especiarias e pedras preciosas. - 1563: Publica o seu Colóquios dos Simples e Drogas da Índia. - 1568: Falece. - 1580, 4 de Dezembro: Condenado post-mortem pelo Tribunal do Santo Ofício pelo "crime" de "judaísmo" (...)». In www.vidaslusofonas.pt/garcia_da_orta.htm

domingo, junho 08, 2008

quarta-feira, junho 04, 2008

Lições intemporais

Enquanto caminhava pelo jardim do palácio, perguntou o jovem príncipe ao sábio grego:
- Mestre, o que é mais importante dominar num povo de modo a que a minha Casa não caia em outras mãos?
- Compreende a música. Domina os músicos.
- Mas... os músicos? – respondeu atónito o príncipe – Eles pouco ganham e não têm poder!
- Atiram com palavras aos corações dos homens, neles semeiam tentações, revoltas, ilusões. Vendem-lhes a percepção de que tudo pode ser mudado. Contra isso, nada podes. Tu, o Senhor teu Pai, nosso Rei, ou o maior monarca de todos os tempos.
Pensativo, o jovem interlocutor voltou à carga:
- Então porque não se matam os músicos todos? Porque enchemos os nossos salões de árias e concertos, de cantos e baladas? – denotava-se argúcia na pergunta.
- Os músicos são como ervas daninhas. Experimenta arrancar uma e logo verás quantas iguais nascem e quão mais fortes se tornam. Aprende, jovem príncipe: o inimigo quer-se por perto, dominável e dominado. Deste modo, o músico é útil à tua Casa: adormece o povo. E enquanto ele dorme, tu e os teus reinam, mandam e desmandam. É a lei natural das coisas...


Acordai - letra: José Gomes Ferreira
música: Fernando Lopes Graça

domingo, junho 01, 2008

Viajar

O cheiro estava ali. Intenso, forte, suave ao mesmo tempo. A chuva miudinha que ameaçava cair dava à cidade uma tonalidade de cinzento que se reflectia nos típicos táxis. Uma rapariga hippie passou por mim esboçando um sorriso. Depois um punk. De seguida um yuppie, de copo da Starbucks na mão, atafulhado com a pasta e uma cópia do The Guardian. Sentia-me leve, uma pena a esvoaçar num mundo que aos poucos me parecia ter sido construído só para mim. Como se o Criador não tivesse descansado ao sétimo dia, mas tivesse continuado a trabalhar por conta própria para um dono de obra exigente. Sentia-me diferente e igual. Aquilo que dentro de portas é pouco convencional – a alegria sincera espelhada no rosto, a resposta “está tudo óptimo!”, à costumeira “então como vais?”, como se a felicidade fosse uma praga que importa conter –, aqui é o vulgar. Os transeuntes fazem-me viajar na viagem, percebendo que não há pautas para ser feliz, apenas notas sonantes e dissonantes que cada um compõe em sinfonia, concerto, música de qualquer estilo. Agarrei uma colcheia, uma breve e uma semi-breve e saciei-me com a arte dos antigos e dos modernos. Deitei-me no jardim da praça central, olhando os altos prédios de multinacionais e admirei o céu que, só para mim, desenhou um caracol com uma língua vermelha. Não mais despertei, pois finalmente percebi que já estava desperto há muito tempo. Apenas precisava de ganhar distância – com gente, espaço e tessitura, de carne e osso.

Senhor Brecht - Gonçalo M. Tavares


Senhor Brecht
Gonçalo M. Tavares
(1.ª ed. 2004; 2.ª ed. 2006)
Editoral Caminho


Gonçalo M. Tavares já nos tem habituado a trabalhos de grande qualidade.
Sr. Brecht não é excepção. O vencedor do Prémio Saramago, em textos curtos, porém muitíssimo densos, vai mostrando como cada um de nós olha para problemas tão diversos como o egoísmo, a política, as relações sociais. Sempre com uma lição forte, despretensiosa de moralismos.
Escrita enxuta, a merecer reflexão, é daqueles livros em que o número de páginas tem de ser multiplicado várias vezes para se atingir o discurso subliminar que nos interpela.
Obrigado, L., pela oferta!

Happy-Go-Lucky

Happy-Go-Lucky (2008)
Realização e argumento: Mike Leigh
Elenco: Sally Hawkins, Alexis Zegerman, Andrea Riseborough, Samuel Roukin, Sinead Matthews
Sítio official: http://www.happy-go-lucky-movie.co.uk/

Deve estar a chegar às salas portuguesas, mas tive a honra de o ver no local de produção… Happy-Go-Lucky (Urso de Prata no Festival de Berlim) é uma sátira às relações humanas, bem ao gosto de Mike Leigh. Uma professora primária bastante irritante (Poppy, Sally Hawkins), sempre sorridente e com comentários despropositados a propósito de tudo e de nada experimenta a sedução do seu instrutor de condução, indivíduo meio sindicalista, revolucionário de sofá, praguejando contra tudo e todos e apaixonado pela sua instruenda, com quem discute e a quem não pode perdoar o facto de ter remexido em feridas que sempre estiveram abertas, mas que a anestesia do tempo tinha tornado suportáveis.

Happy-Go-Lucky tenta ser uma espécie de manual da felicidade, fugindo (nem sempre o conseguindo, porém) a clichés. A proposta é simples: temos tudo aquilo de que necessitamos e se não o tivermos, é porque não nos faz mesmo falta… E a alegria traz mesmo a sorte. Ingenuidade, lirismo? Talvez. Mas numa Liverpool tão acolhedora, numa sala de cinema arquitectonicamente muito diversa daquilo a que estamos habituados, deu bem para acreditar!


Coeurs (Corações)


Coeurs (2006)
Realização: Alain Resnais
Argumento: Jean-Michel Ribes
Elenco: Sabine Azéma, Isabelle Carré, Laura Morante, Pierre Arditi, André Dussollier,
Lambert Wilson.

Neva sem cessar em Paris. Os corações estão aparentemente frios, à espera de algo ou de alguém que os aqueça, nem que seja à custa de um copo de whisky ou de uma reprimida explosão sexual. Por Coeurs (Corações) desfilam as histórias de um agente imobiliário na casa dos 50, 60, conformado a viver com uma irmã bastante mais nova que procura (o Amor?) em encontros fortuitos obtidos com recurso a anúncios de jornal e em que uma flor vermelha serve de identificação em blind dates. Este agente imobiliário acalenta um desejo por uma colega de trabalho, figura central na trama, aparentemente fervorosa católica que trata, depois do emprego, de um velho doente. Mas esta personagem é demasiado rica para se sentar num escritório. A sua cabeça e o seu corpo passam pelo abismo do desejo, da perversão sexual, dos jogos de sedução por vezes doentios, sempre em busca de uma redenção pelos desejos que a impelem a ter uma vida amorosa que os recalcamentos teimam em negar-lhe.

Assiste-se ainda a um ex-militar em busca de um rumo de vida que, à medida que a história vai avançando, se revela uma procura da passagem da adolescência à idade adulta, à volta de bebidas num bar de hotel perante um empregado desgostoso com a vida mas, ao mesmo tempo, com vontade de que o Amor triunfe.

A solidão das grandes cidades, a eterna procura de uma perfeição relacional que não existe, a repressão do desejo, a mania tão humana de negar que o animalesco faz parte da natureza humana… Tópicos para uma introspecção que recomendo!


Terminar com vergonha nacional

ABAIXO-ASSINADO A FAVOR DA ABERTURA DE PÓLO DA CINEMATECA NA CIDADE DO PORTO

"A cidade do Porto sofre de vários e complexos problemas na área da cultura, como é do conhecimento geral. No entanto, esta situação não é generalizável a todo o país. Efectivamente, Lisboa continua a usufruir de forma centralizada dos serviços de certas instituições culturais que deveriam fazer jus ao seu âmbito nacional, como, por exemplo, a Cinemateca Portuguesa, um organismo público suportado pelos contribuintes a nível nacional.

No Porto, é de grande interesse público a criação de uma extensão da Cinemateca, o que permitiria acabar com a carência de exibição cinematográfica sentida na cidade, ao nível da produção anterior à década de 90...."