Gatos e mais gatos
Doris Lessing
Livros Cotovia
12.50 €
Nunca gostei muito de gatos. Há qualquer coisa naquele modo de ronronar, de ser arisco, de prezar a independência acima de tudo, de muitas vezes “não conhecer o dono”, que me fazem olhá-los de esguelha e raramente ter o impulso de uma festinha sentida.
Contudo, ao ver “Gatos e mais gatos” (1967), da Prémio Nobel da Literatura (2007) Doris Lessing, decidi arriscar, sobretudo pela curiosidade em conhecer a escrita desta mulher nascida na Pérsia e que tem nos gatos referências de vida.
Como seria de esperar, o livro vive de descrições de estórias destes felinos domésticos (e até dos selvagens), desde as longas superfícies da África do Sul até ao mais modesto apartamento nos subúrbios de uma Londres decadente. Existem descrições pungentes do sentimento de culpa de matar gatinhos recém-nascidos devido ao elevado número da ninhada e à falta de donos, episódios de salvamentos de uma gata parideira soterrada aquando de uma forte chuvada em terras para além da metrópole do British Empire.
Sobretudo, Doris Lessing descreve com grande mestria as relações de domínio, dependência e subserviência que se estabelecem entre Gata Cinzenta e Gata Preta, a primeira sempre tratada com maior desvelo e complacência advenientes da culpa (de novo esse sentimento tenebroso assola a Autora, de jeito autobiográfico?) em ter-lhe sido usurpada a maternidade. Nos comportamentos das gatas, nas pequenas diatribes e nas mais clamorosas injustiças, revemos as relações humanas, a certeza de que a maior parte da interacção entre os homens se baseia em equilíbrios de poder. É essa a verdade nua e crua que a Autora nos oferece, assim como a sua preferência pelos animais. De facto, poucas vezes Doris se refere às pessoas, o que nos faz pensar que, apesar da crueldade de algumas atitudes das gatas, tal é preferível a enfrentar, reflectido nos outros, o género de que somos constituídos (medo, fuga de Lessing?).
A cerca de metade da narrativa, nota-se alguma perda de força, como se os gatos tivessem decidido esparramar-se num telhado aberto a um dia solarengo, exigindo do leitor um sacrifício acrescido que, no final, acaba por compensar.
Não me reconcilie com os gatos, porém, aprendi a ver neles pessoas em ponto pequeno. Para o bem e para o mal. Como sempre.
1 comentário:
ia comprar este livro, na feira do livro... agora vou comprar noutro sítio qualquer :)
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