Partiu como viveu. Sereno, sem alaridos (não apreciava protagonismos estéreis), anunciando o que estava a acontecer com a verdade a que os mais próximos estavam habituados. Gostaria de crer que no momento decisivo acenou ao futuro com o sorriso dos que sabem que estiveram presentes sempre que era essencial, defendendo a Liberdade que tanto amava, os Valores Universais que a todos nos ensinou e aquela reflexividade impeditiva de atitudes precipitadas. Talvez não tenha sido, porém, um sorriso, mas um leve esboço de lábios que se descolam, pois o medo faz parte do Homem, e sempre se orgulhou em sê-lo. Assim: em cumes e baixios, em planícies e terrenos acidentados de orografia exposta de quem comandou gente de carne e osso em colónia penal, nas salas do poder, na Academia que tantas vezes o surpreendia por não resistir (podê-lo-á fazer?) a manter-se o último bastião da decência, da honestidade e da humildade.
Imagino-o agora a conversar com as suas árvores, em amena cavaqueira com as suas folhas, em elevadíssimos diálogos teóricos e práticos com as suas flores, terminando essa jornada de trabalho gostoso com aquela forma peculiar de sorrir, aquele cofiar de cabelo puxado para trás, em prova plena de fronte sempre levantada, nunca em tom porfiador, mas em oferenda pacata de transparência. Sim, por trás dos óculos que punha e tirava, os olhos pequenos brilhavam quando pedia licença para passar (nunca pisar) pelo primeiro e pelo último degrau de uma escada convencionalmente chamada «sociedade».
Sem saber, ajudou-me muito. Saí do seu gabinete com pesos de consciência, com penas leves de felicidade, com gestos concretos de alento. Só nunca saí do espaço que fazia o favor de comigo partilhar igual ao que havia entrado.
Onde vou (vamos) agora encontrar isto?
A morte é vivida com o egoísmo da ausência para quem fica e com o altruísmo dos que partem, dizendo a quem os queria tanto que agora o palco é só deles. Possamos todos quantos o amamos – sim, no presente –, ao menos, não fechar a porta a ninguém.