segunda-feira, janeiro 28, 2008

Jorge Ribeiro de Faria

Partiu como viveu. Sereno, sem alaridos (não apreciava protagonismos estéreis), anunciando o que estava a acontecer com a verdade a que os mais próximos estavam habituados. Gostaria de crer que no momento decisivo acenou ao futuro com o sorriso dos que sabem que estiveram presentes sempre que era essencial, defendendo a Liberdade que tanto amava, os Valores Universais que a todos nos ensinou e aquela reflexividade impeditiva de atitudes precipitadas. Talvez não tenha sido, porém, um sorriso, mas um leve esboço de lábios que se descolam, pois o medo faz parte do Homem, e sempre se orgulhou em sê-lo. Assim: em cumes e baixios, em planícies e terrenos acidentados de orografia exposta de quem comandou gente de carne e osso em colónia penal, nas salas do poder, na Academia que tantas vezes o surpreendia por não resistir (podê-lo-á fazer?) a manter-se o último bastião da decência, da honestidade e da humildade.

Imagino-o agora a conversar com as suas árvores, em amena cavaqueira com as suas folhas, em elevadíssimos diálogos teóricos e práticos com as suas flores, terminando essa jornada de trabalho gostoso com aquela forma peculiar de sorrir, aquele cofiar de cabelo puxado para trás, em prova plena de fronte sempre levantada, nunca em tom porfiador, mas em oferenda pacata de transparência. Sim, por trás dos óculos que punha e tirava, os olhos pequenos brilhavam quando pedia licença para passar (nunca pisar) pelo primeiro e pelo último degrau de uma escada convencionalmente chamada «sociedade».

Sem saber, ajudou-me muito. Saí do seu gabinete com pesos de consciência, com penas leves de felicidade, com gestos concretos de alento. Só nunca saí do espaço que fazia o favor de comigo partilhar igual ao que havia entrado.

Onde vou (vamos) agora encontrar isto?

A morte é vivida com o egoísmo da ausência para quem fica e com o altruísmo dos que partem, dizendo a quem os queria tanto que agora o palco é só deles. Possamos todos quantos o amamos – sim, no presente –, ao menos, não fechar a porta a ninguém.

11 comentários:

Anónimo disse...

Muito bonito. E há pessoas que fazem bem mais falta do que se pensaria.

Liliana Borges da Costa disse...

Nas palavras do Professor Pestana de Vasconcelos: era um Gigante.
Deixa Saudades a quem teve o privilégio de o conhecer.
lbc

Anónimo disse...

Belíssima homenagem...
A minha memória desperta numa fracção de um tempo marcado pelas primeiras palavras do Fundador; o silêncio e a admiração voltaram a instalar-se...AhLim

Anónimo disse...

Palavras JUSTAS as tuas, meu caro André! Fica na lembrança a doçura de um Homem, a genialidade de um Ser e a Humildade de um brilhante Professor de Direito! E apetece-me dizer que "A morte não é a maior perda da vida. A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos"... e creio que o nosso Professor pouca coisa deixou morrer dentro de si enquanto viveu! Um exemplo de Vida e de Estudo!
Sem reticências, a Eterna Saudade!
À sua Família, um Abraço sentido!
Ricardo Sarmento Duarte
(FDUP - 1997/2002)

hm disse...

Tão bem escrito quanto sentido. Devemos ao Professor Ribeiro de Faria não desistir de lutar pela Faculdade tal como ele a queria.

Anónimo disse...

Muito bonito.

O Professor fica guardado na nossa memória e no nosso coração, como mestre e como pessoa.

Sem ele, ficámos um bocadinho órfãos.

P disse...

Homenagem sentida, Filipe. Sempre a morte e a vida e a morte... e nós no meio dessa espiral. Do pó para o pó e, nos entretantos, tudo o resto ( e não é pouco!)
Abraço

Paula Faria disse...

Não podia deixar de agradecer a sentida homenagem que aqui faz ao meu pai, e a sua presença amiga nestes momentos que nos custam tanto a passar. Por tudo, um grande bem haja!

x disse...

muito bonito o texto. os meus sentimentos à família e amigos. *

Anónimo disse...

As minhas condolências pela partida de um Professor exemplar. De um antigo assistente da secção de Direito da Fac. de Economia do Porto, onde ele iniciou a sua careira académica.

rtp disse...

Bela homenagem num momento tão triste!
O Professor Ribeiro de Faria era, de facto, um jurista ímpar, um docente brilhante, mas sobretudo uma pessoa de uma estatura moral gigantesca.
Guardarei para sempre na memória, mais do que os seus (importantes e incontornáveis) ensinamentos jurídicos, as inúmeras e inolvidáveis lições de vida que magistralmente a cada passo dava!
Iluminava os momentos mais tormentosos com uma palavra amiga. O Professor não dava conselhos – por temer coarctar a liberdade de decisão de quem lhos pedia –, oferecia palavras que se revelavam sempre boas conselheiras!
Destacava-se na Academia e na Vida pelos os valores de rectidão, justiça e humildade que imprimia em todos os seus actos e pelo respeito irrefragável pelo próximo que manifestava no cuidadoso trato com que brindava todos aqueles que com ele se cruzavam
Deixou, por isso, para além da sua preciosa e imperecível obra, uma marca em todos aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer. E essa só desaparecerá quando todas essas pessoas - entre as quais afortunadamente me conto - desaparecerem... Entretanto voltou para a companhia das árvores da Póvoa de Lanhoso com que ele tanto gostava de conversar!
Rute Teixeira Pedro