Um povo rural, adormecido,
preso por grilhões de atavismo,
contemplando retratos poeirentos,
obrigado a venerar deuses impostos,
acorda em manhã simples, pura e grande.
Com armas nas ruas,
corações em sobressalto,
Capitães do sonho e da lembrança da guerra
anunciam «posto de comando»
de vontades, de fraternidade, em Grândola.
A Vila Morena e a azinheira
são campos de cravos que pululam
em espingardas, canhões, peitos agora abertos,
em vozes que gritam «Liberdade!».
Revolução quase sem mortos,
sem que muitos dela tivessem real consciência:
assim são as coisas exactas na vida dos Povos –
estão lá, omnipresentes, em hibernação,
apenas aguardando o retumbar dos tambores
para espreguiçarem a ditadura
e restituírem a escolha do caminho a seguir.
De inofensivos cravos nas mãos,
os Portugueses atónitos contemplam
esta esquecida palavra de cristal: «Liberdade!».
O que fazer com ela?
O que fazer dela?
Aí reside o seu extremo significado.
Tal como a perfeição, Abril
faz-se por aproximações sucessivas,
em jardins de cravos, e rosas, e orquídeas,
e papoilas, e margaridas, e flores campestres.
É nessa multiplicidade de cores
que ainda hoje dorme a força de Abril,
à espera do príncipe que ponha termo
à Letargia.
Este príncipe é o operário, o agricultor,
o professor, o profissional liberal, o militar.
Príncipe é quem queira de Abril
receber a capa da Fraternidade e abrir
auto-estradas de ilusão de duplo sentido,
vagas e precisas, abstractas e concretas.
Impossível cumprir Abril?
Quem disse que os sonhos se cumprem?
F.L.
10 comentários:
É verdade que os sonhos não se cumprem, mas também não precisamos de caminhar para o pesadelo...
Sem dúvida..."Quem disse que os sonhos se cumprem?"
Viveremos nós hoje essa dita LIBERDADE?
Parece-me que és o único que em poucas palavras percebeste o que quis dizer!
Para bom entendedor meias palavras bastam :-)
Um bj Sony
estremeci ao ler o poema e lembrei-me de uma coisa que li há uns dias. (...) «Respeitando o trabalho dos poetas e aceitando como plausível que esse é um domínio ao qual só se acede por uma espécie de epifania (algo como uma invisível picada de abelha, à qual eu fosse miseravelmente imune), fui mantendo os "versos" na gaveta, talvez à espera que o tempo passando lhes conferisse algum interesse, nem que fosse no sentido arqueológico do termo. Hoje, porém, estou convencido de que o esquecimento é o melhor destino que lhes posso dar, aos meus tristes e trôpegos poemas.»(...)manuel jorge marmelo -a doçura.
isto foi o que pensei em relação a mim, relativamente ao 'Abril' sei que é de um grande poeta. não tenho dúvidas e espero que nenhum "verso" fique na gaveta. parabéns.
viva a liberdade, sempre!
Porque a "ideia de Abril" é sempre uma máquina em movimento. Um ponto de partida e não um ponto de chegada. E nisso estou de acordo com as palavras que aqui deixaste!
Belo Poema sobre esta data importantíssima da nossa história. Palavras bem escolhidas para transmitir uma mensagem Verdadeira: a de que Abril tem de ser, todos os dias, construído. E, para tal, não pode ser esquecido NUNCA. As riquezas - não medidas em dinheiro e, por isso, mais valiosas - que nos legou têm de ser vigilantemente protegidas. Custaram muito a conquistar! Abril, sempre!
Uma verdadeira homenagem ao Abril de hoje, de ontem de amanhã. Os sonhos comandam a vida, logo há que os manter eternamente.
Sereno sorriso
não esquecemos abril.
mas de que se lembrarão os nossos filhos? em que exemplos se reverão?
que fazemos nós, hoje; os de 30, 40, 50 anos, para além de contas?
depois de escrevermos um poema, ouvirmos zeca afonso, anotarmos no calendário a próxima greve (de 1 dia, que o governo agradece), pensarmos que isto da globalização é um monstro com o qual não podemos medir forças, consultamos o saldo no banco e consideramos ser muito bom haver lá "algum".
números. é o que lhes deixamos.
sem a desculpa da inocência.
O que nós "fizemos" aos nossos filhos está bem espelhado nos frutos( e pais) deste Blog, e outros, de jovens com que aprendo!
Demos lhe um mundo Livre, com uma globalização que lhes permite conhecer outros mundos e traze-los para o País, que tanto amamos.
Tanta coisa que lhes foi dada e permitida... Agora o MUNDO e este Portugal é deles, para o construirem. E, de certo, muito bem , como o demonstram estes post.´s :).
Obrigada FL pela sua poesia....
MARIA
Obrigado a todos pela costumada simpatia e, em especial, à Xana e à Maria pelas palavras que muito me tocaram!
Eu, como parte de uma geração que (in)felizmente não soube o que foi viver Abril, agradeço à Maria as simpáticas palavras.
Agradeço porque não têm aquela arrogância de que usam muitos daqueles que o viveram, ao referir-se às gerações mais novas.
É verdade que os jovens não sentem o 25 de Abril da mesma forma que quem o viveu. Mas também é verdade que não o podem fazer pelo simples facto de o não terem vivido!!!
Há de facto, entre a "malta jove" aqueles pra quem o 25 de Abril é só "bué, porque não há aulas"...
Esses não sentem mas vivem (tal como eu) a Revolução todos os dias, em actos tão simples como um comment a um post ;-) E isso deveria ser suficiente para quem de facto ama a Liberdade, e traz na alma a Revolução.
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