terça-feira, agosto 08, 2006

Curtas sobre Metragens


Le Goût des Autres, O Gosto dos Outros, 2000.
Realização: Agnès Jaoui.
Argumento: Agnès Jaoui e Jean-Pierre Bacri.
Elenco: Agnès Jaoui, Jean-Pierre Bacri, Anne Alvaro, Alain Chabat, Gérard Lanvin, Christiane Millet.
Duração: 110 minutos.
*****
Tributário do chamado «cinema de autor» ainda tão em voga em França, Le Goût des Autres (O Gosto dos Outros), realizado, escrito e também interpretado por Agnès Jaoui, parece, às primeiras cenas, uma comédia romântica sem conteúdo. No entanto, basta ultrapassar esse pré-conceito inicial e rapidamente se verifica estarmos perante um excelente filme, premiado com três Césars em 2001, melhor argumento nos Prémios Europeus do Cinema de 2000, Grande Prémio das Américas no Festival de Montreal em 2000 e nomeação para os Óscares, na categoria de melhor filme estrangeiro (2001).
O argumento reflecte o contraste e o sectarismo entre os mundos das personagens, verdadeiros porta-estandartes de cada um de nós. Jean-Jacques Castella (Jean-Pierre Bacri, marido de Agnès), um rico industrial, self made man, casado com Angélique (Christiane Millet), decoradora frustrada, de gosto muito duvidoso (casa florida, cheia de cores que ferem a vista), frívola, mais interessada em salvar um passarinho ferido do que o seu próprio casamento, vive no seu mundo de gostos simples, quase simplórios, com parcos conhecimentos de música, cinema, teatro ou pintura. A peça Bérénice, na qual se apaixona à primeira vista por Clara (Anne Alvaro), actriz de 40 anos («faltam-me dois minutos para conceber», observa ela), semi-amadora, desiludida com os homens e com o mundo, é o ponto de viragem no mundo do industrial, principalmente quando descobre que Clara é a sua professora de Inglês, língua da qual necessita para concluir um importante negócios. Aulas responsáveis por momentos de fino humor, como aquele em que Castella aprende a pronunciar the ou nothing. De gostos requintados, conhecedora das belas-artes, com um círculo de amigos pseudo-intelectuais e em que alguns deles fazem gala da sua diferença (bem explorada a questão da homossexualidade vista pelo homem do povo que é Castella, ao mesmo tempo buçal e de uma ternura desarmante), a actriz aceita, de modo relutante, a entrada do seu aluno no seu grupo de amigos, onde começa por ser tratado como um ignorante (sem que este se aperceba), até ganhar um certo ascendente (muito por via de uma boa conta bancária à qual nem os mais intelectualóides permanecem imunes).
A história de amor desenvolve-se: Castella declara-se a Clara através de um poema que escrevinha em Inglês, mal recebido pela professora, demasiado amedrontada para embarcar num amor verdadeiro aos 40 anos. Mais um preconceito – a idade –, que faz com que o espectador, aqui como em outras cenas, adivinhe o enredo que se seguirá – aspecto menos positivo do filme este da previsibilidade.
Choque ainda entre dois homens: o motorista (Bruno Deschamps, o actor Alain Chabat) e o guarda-costas de Castella (Franck Moreno, o actor Gérard Lanvin). O primeiro, algo ingénuo, à procura de manter uma relação à distância com a namorada que se encontra nos EUA a fazer um estágio, embora durma com Manie (Agnès Jaoui), empregada de um bar, com quem «já o fizera uma vez»; o guarda-costas, ex-polícia desiludido com a corrupção que grassa no país, supostamente pragmático e realista, até que disputa Manie, com quem vive um romance que, se houvesse coragem de ambos, acabaria em algo duradoiro. No meio, o mundo de Castella e o de Weber (Xavier De Guillebon), licenciado em Universidade parisiense de referência, bem-falante e com bons fatos, de tom paternalista e quase desprezando a (ausência de) cultura de Castella.
O filme termina com a resposta à interrogação do porquê de Bruno aparecer a ensaiar flauta transversal vezes sem conta. Afinal, ele faz parte de uma banda, local onde se sente verdadeiramente integrado. Aliás, Agnès Jaoui resume aqui de modo soberbo a mensagem do filme: por mais diversos que sejam os nossos gostos, todos procuramos um lugar onde nos sintamos parte de um todo, de preferência sem que tal obnubile a nossa originalidade.
Banda sonora interessante, com alguns clássicos de Verdi, Mozart ou Schubert, fotografia a deixar um sabor a pouco, para representações de bom nível. A iluminação desmerece as restantes componentes fílmicas.
No ouvido, uma das frases iniciais, na boca de Bruno: «só por encontrares uma ostra estragada, não vais deitar fora as outras» e uma das deixas da segunda peça interpretada por Clara: «o mais difícil é depender dos outros». Ostras e pessoas, neste particular, a diferença não é grande.

5 comentários:

M. disse...

Belo filme!

Anónimo disse...

Grande filme...em que cinema anda?

filipelamas disse...

Já não está nos cinemas. Há em DVD a bom preço, p. ex., na Fnac. Foi, contudo, exibido ainda este mês no Porto, no âmbito de uma excelente iniciativa designada «Cinema fora do sítio».

Mariazinha disse...

Adorei este filme,já basta das balelas amaricanas que se movem só para fazerem dinheiro!
Obrigada pela visita ao meu blog.

Manel disse...

Um grande filme, onde quem se move nestes meios da "coltura" não pode deixar de se reconhecer. Quanto às ostras, já a Beauvoir dizia que é o que somos, ostras lado a lado. Felizmente, muitas de nós ainda conservam a pérola.

Obrigada pela visita. Esta visita, por sua vez, é a repetir.