domingo, julho 09, 2006

Ocas


Aviso: para o possível leitor mais incauto, adverte-se que este «post» é auto-destrutivo.

O tema é tudo menos novo, tanto mais que estou firmemente convencido de que nada inventamos. A maiêutica socrática lá tinha a sua razão. O mote são as palavras, ou melhor, o modo desbocado como em regra as pronunciamos. O tom fácil como a elas recorremos em momentos (que deviam ser) simples da vida.
«Amigo», «Amor», «Gratidão», «Obrigado», «Sim», «Não».
As palavras têm uma ressonância própria, um conteúdo, uma forma, uma linha de corpo mais ou menos pronunciada qual corpo de uma mulher. A repetição torna-as ocas, banais, quase obscenas. Corremos o risco de, quando o significante na verdade (outra palavra empregue em vão) corresponde ao significado, não mais termos no nosso campo lexical um som ou conjunto de sons expressos de modo gráfico e reconhecido por uma comunidade que seja dotado da intensidade que lhe desejamos atribuir. Quantos «amigos» deveriam ser só «colegas» (palavra risível) ou «conhecidos»; quantos «amores» no máximo almejariam o epíteto de «desejos» ou «caprichos»? Quantos «sins» são verdadeiramente «nãos»?
Tudo isto porque as palavras são perfumes frágeis que se acondicionam em frascos pequenos e esguios. Que se partem e sentem todas as ressonâncias. Que, quando abertos, se evaporam num brado só e se gastam amiúdas vezes somente para esconder odores e não para os realçar. Palavras desbotadas, descoloridas, inertes, esvoaçantes qual coberta em janela ribeirinha fria, honrada e a tresandar a gente. Gente que mais do que palavras usadas, usa os gestos. Feios, brutos, ignóbeis, sublimes, humanos. Tudo, no fundo, palavras gastas.

Quadro de Vieira da Silva, "Bibliothéque en Feu", 1974, óleo sobre tela
Centro de Arte Moderna,
Fundação Calouste Gulbenkian



3 comentários:

Joe disse...

Estou a ver que a combinação ioga/surf produz efeitos secundários inesperados. Ou terá sido a despedida de solteiro? Ou o casamento no sábado?
Hei de voltar com calma, mas neste momento há coisas mais prosaicas que me chamam, designadamente uma barriga a dar horas.

Anónimo disse...

Não é comentário a este post, era só para saudar o facto de a RTP agora também ser "contributor". É o que eu digo....

Anónimo disse...

Ja mudavas o post pa uma coisa mais alegre gd mano!!;)

Abracao;)