segunda-feira, dezembro 22, 2008

"Tailorado"


René Magritte, Le fils de l'homme, 1964.


Em mim mesmo não caibo.

A minha pele estica e sobrepõe-se

ao ser que debaixo dela irrompe.

Em cada manhã me contemplo

e estranho, como a água estranha

a quentura e por isso borbulha.

Em meus ossos me não parto.

Mas também me não sinto.

Sou um fato sem cabide, despido

de irreverências e de rebuços, tailorado

em fazenda axadrezada de vida exagerada.

Ao contrário de Pessoa, tudo nada

exagero

e assim me motivo e passo indelével

pelos dias loquazes.

Parece que caibo em minha carne

quando calco o empedrado da rua e

em solas vivo.

Mas é mesmo minha a carne,

ou do estranho que nela habita?


Filipe Lamas

2 comentários:

rtp disse...

Belíssimo poema!
Palavras pungentes para descrever um sentimento dilacerante!
Parabéns pela beleza do poema, poeta filipelamas!

P disse...

Que poema, Filipe!
(Comentário atrasado mas sempre a tempo para um texto destes.)