O cheiro estava ali. Intenso, forte, suave ao mesmo tempo. A chuva miudinha que ameaçava cair dava à cidade uma tonalidade de cinzento que se reflectia nos típicos táxis. Uma rapariga hippie passou por mim esboçando um sorriso. Depois um punk. De seguida um yuppie, de copo da Starbucks na mão, atafulhado com a pasta e uma cópia do The Guardian. Sentia-me leve, uma pena a esvoaçar num mundo que aos poucos me parecia ter sido construído só para mim. Como se o Criador não tivesse descansado ao sétimo dia, mas tivesse continuado a trabalhar por conta própria para um dono de obra exigente. Sentia-me diferente e igual. Aquilo que dentro de portas é pouco convencional – a alegria sincera espelhada no rosto, a resposta “está tudo óptimo!”, à costumeira “então como vais?”, como se a felicidade fosse uma praga que importa conter –, aqui é o vulgar. Os transeuntes fazem-me viajar na viagem, percebendo que não há pautas para ser feliz, apenas notas sonantes e dissonantes que cada um compõe em sinfonia, concerto, música de qualquer estilo. Agarrei uma colcheia, uma breve e uma semi-breve e saciei-me com a arte dos antigos e dos modernos. Deitei-me no jardim da praça central, olhando os altos prédios de multinacionais e admirei o céu que, só para mim, desenhou um caracol com uma língua vermelha. Não mais despertei, pois finalmente percebi que já estava desperto há muito tempo. Apenas precisava de ganhar distância – com gente, espaço e tessitura, de carne e osso.
3 comentários:
Belas palavras para um mote muito interessante e inspirador: viajar!
Muito bem, gostei muito.
É a "primeira pedra" para o lançamento de um livro em prosa?
Beijinhos Danny (2.º comentário em dois dias!)
Bem, Danny!
Tu vê lá, não quero que te canses:))
Que grande honra, mais um comentário, e logo em dois dias consecutivos:)
Obrigado pelas palavras tão simpáticas!
De facto, espero um dia ainda escrever ficção, começando por um livro de contos. Vou treinando aqui, que ninguém leva a mal os erros!
Bjs.
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