Era uma vez um país muito antigo que, em «depressão major», chegou a uma encruzilhada. Como em vários locais de (in)decisão, duas placas indicando a «Terra do Faz-de-Conta» e a «Terra da Realidade».
A decisão afigurava-se grave: ia-se (sobre)vivendo em estado pré-comatoso (comatoso?) induzido pela pletora arcaica de achaques e arrebiques de passados lautos engalanados com candeeiros de fuste e chiques camas de dossel, tudo seduzindo para um mundo rosa de riqueza mantida à custa de balões de oxigénio contaminado, chamados «bancos», propagandeando regaladas férias ao sol, princesas e príncipes perfeitos, cidades de chocolates e galáxias de brinquedos.
Escolher a realidade implicaria optar pela bruxa má e pelos monstros feiosos que obrigavam os meninos a despender energias em projectos concretizados à medida das migalhas de bolachas que se tinha no bolso. O terror maior era, porém, dar razão à irritante formiga trabalhadora e aforradora, bem como queimar em lume inquisitorial inapagável o papel de figurante do tal país em que se podia ostentar uma superioridade ociosa escondida sob um mando de inferioridade coitadinha de fado inelutável, mesmo que esse papel amiúde terminasse com oiro, pimenta e cravinho transformados em incómodas complicações gástricas.
Estava o dito país de Inês posto em desassossego quando soaram incómodos barulhos de exércitos de esfomeados, estropiados e demais classes malcheirosas. Anunciavam uma crise social profunda, uma perda de identidade e de espírito gregário de um povo partilhando, até ali, língua, cultura (?) e etnia similares, tidas por poção mágica contra qualquer mal.
Estremeceu o país e quem carregava o leme, ansiando por um milagre ao jeito de umas pequenas crianças em aldeia perdida nas serranias. À falta de intervenção divina, por ali passou um mocho escolástico debitando teorias e análises multifactoriais, por horas discursando. Embevecido, o país deu vivas e ordenou a construção de um estádio com o nome do mocho. Todavia, logo perscrutou que nada mudara por duas razões: estava sobretudo acostumado ao imobilismo e soavam mais fortes as rocas dos bandos urrantes.
De novo atando as mãos à cabeça, pejorando contra divindades e amaldiçoando bolorentas bonomias seculares, o vento de Leste trouxe uma chita magra e simpática que, após amena cavaqueira, engoliu o tal país e, engordada, seguiu em frente, por uma terceira via dita progressista, humanista e sensível a profundos sentimentos sociais.
E assim, no interior da barriga da ágil chita, limitando-se a escolher o melhor lado onde estender o travesseiro, o tal país viveu feliz para sempre.
2 comentários:
Bela fábula! O acriticismo generalizado começa a ser preocupante. É preciso acordar e agitar o país adormecido. As palavras são um bom começo.
Absolutamente brilhante!
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