A Sepultura dos Lutadores, René Magritte, Nova Iorque, Colecção Particlar
No Teatro Carlos Alberto, até dia 21 de Outubro.
Fui ao Jardim das Cerejeiras no Teatro Carlos Alberto e gostei do que vi. O grupo Ensemble Sociedade de Actores, ao revisitar o Cerejal de Anton Tchéckhov cumpriu o desígnio do autor, dando às palavras da última peça do russo, uma roupagem de comédia. Não sendo um espectáculo imperdível vale, desde logo, pelas interpretações consistentes, em especial, de Emília Silvestre, de Jorge Pinto e de um magnífico Alexandre Falcão.
A profusão de risinhos e o espalhafato de algumas reacções (em minha opinião, numa toada um pouco excessiva) quase escondiam a profundidade de um texto denso composto de frases curtas e sincopadas construídas com palavras simples, mas delicadas.
É, pois, num quadro de jocosidade imprópria para a gravidade do momento vivido, que as personagens se vão inconscientemente afundando num naufrágio anunciado: a venda em hasta pública do Cerejal, em finais de Agosto para saldar as múltiplas dívidas que se foram acumulando.
Vai-se, então, encrespando o mar revolto em que uma família de robusta posição social e patrimonial desagua após um passado de glória e respeito. Estamos na Rússia de finais de oitocentos, inícios de novecentos - tão bem descrita, não só por de Tchékov, mas também por Dostoievsky ou Tolstoi - em que a riqueza pessoal se media em número de almas (rectius, escravos, ou melhor, mujiques). E, é nesta encruzilhada de tempos, em que se joga a passagem para um futuro em que o progresso chega ao ritmo do caminho-de-ferro, que vamos conhecendo: uma Luibov Andreievna regressada a casa, após uma desilusão amorosa na civilizada Paris, para um exílio que se avizinha sombrio; o seu irmão Gaev, um jovem de meia-idade que esgota a sua riqueza em rebuçados e que, no fim da vida, tem de trocar o jogo de bilhar por um lugar, bem remunerado, numa instituição bancária; Trofímov, o eterno estudante que, imbuído das lições materialistas, proclama, com alegria, viver acima do amor (como se tal possível e desejável fora!); e o Múgique (Lopákhin) surpreendentemente vazio depois de conquistar o seu sonho, comprando o cerejal, propriedade em que os seus pais viveram agrilhoados ("onde nem na cozinha entravam").
E tudo se desenrola sob o olhar e aroma da personagem principal, símbolo e motor de um passado romântico e glorioso e que tem que ser sacrificado nas arras de um futuro que se antevê civilizado, eficiente e evoluído. O Cerejal não chega a ser visto. Nunca. E, no entanto, está lá. Sempre. O cerejal ou a ideia do cerejal. Não se vê, mas existe. Existirá? Sente-se. Percebe-se a sua presença. E que é existir, senão ser percebido?
A profusão de risinhos e o espalhafato de algumas reacções (em minha opinião, numa toada um pouco excessiva) quase escondiam a profundidade de um texto denso composto de frases curtas e sincopadas construídas com palavras simples, mas delicadas.
É, pois, num quadro de jocosidade imprópria para a gravidade do momento vivido, que as personagens se vão inconscientemente afundando num naufrágio anunciado: a venda em hasta pública do Cerejal, em finais de Agosto para saldar as múltiplas dívidas que se foram acumulando.
Vai-se, então, encrespando o mar revolto em que uma família de robusta posição social e patrimonial desagua após um passado de glória e respeito. Estamos na Rússia de finais de oitocentos, inícios de novecentos - tão bem descrita, não só por de Tchékov, mas também por Dostoievsky ou Tolstoi - em que a riqueza pessoal se media em número de almas (rectius, escravos, ou melhor, mujiques). E, é nesta encruzilhada de tempos, em que se joga a passagem para um futuro em que o progresso chega ao ritmo do caminho-de-ferro, que vamos conhecendo: uma Luibov Andreievna regressada a casa, após uma desilusão amorosa na civilizada Paris, para um exílio que se avizinha sombrio; o seu irmão Gaev, um jovem de meia-idade que esgota a sua riqueza em rebuçados e que, no fim da vida, tem de trocar o jogo de bilhar por um lugar, bem remunerado, numa instituição bancária; Trofímov, o eterno estudante que, imbuído das lições materialistas, proclama, com alegria, viver acima do amor (como se tal possível e desejável fora!); e o Múgique (Lopákhin) surpreendentemente vazio depois de conquistar o seu sonho, comprando o cerejal, propriedade em que os seus pais viveram agrilhoados ("onde nem na cozinha entravam").
E tudo se desenrola sob o olhar e aroma da personagem principal, símbolo e motor de um passado romântico e glorioso e que tem que ser sacrificado nas arras de um futuro que se antevê civilizado, eficiente e evoluído. O Cerejal não chega a ser visto. Nunca. E, no entanto, está lá. Sempre. O cerejal ou a ideia do cerejal. Não se vê, mas existe. Existirá? Sente-se. Percebe-se a sua presença. E que é existir, senão ser percebido?
No Teatro Carlos Alberto, até dia 21 de Outubro.
3 comentários:
Confesso que tenho andado um pouco afastada das ofertas culturais da nossa cidade... Mas há sempre alguém (rtp) que nos mantém a par do que por aí se faz! :)
Achei que havia desnível de qualidade entre actores... Mas também gostei!
Não podia estar mais de acordo, domingonomundo!
Gostei muito das interpretações dos três actores que citei.
Quanto aos elementos mais novos têm ainda muito a aprender. :-)
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