segunda-feira, abril 02, 2007

Palco das Letras - "Felizmente não é Natal"


Felizmente não é Natal
Rivoli – Grande Auditório
Elenco: Lourdes Norberto, Manuela Maria, Paula Lobo Antunes e Álvaro Faria.
Tradução e Adaptação: Marta Mendonça.
Produção: C. M. Oeiras – Publicoleto.
Até 8/Abril/2007
Quinta a Sábado: 21.30h // Domingos: 17h
Bilhetes de 10 € a 25 €

Um cenário minimalista: um quarto de um lar de idosos, bem arrumado, relativamente luxuoso. Uma iluminação arejada e eficaz. Duas grandes senhoras do teatro português: Lourdes Norberto e Manuela Maria.
Com base num texto de Carles Alberola, a trama reflecte o dia-a-dia de um depósito de velhos em que Fernanda (Lourdes Norberto) e Leonor (Manuela Maria) desenrolam mágoas sobre a vida e sobre o crepúsculo da vida, sempre em tom jocoso e bem-disposto, a arrancar grossas gargalhadas a propósito da milenar dicotomia homens/mulheres, saúde/doença, vida/morte.
Leonor vive uma história que julga ser só sua, mas que contudo é partilhada por todo o microcosmos do lar: o seu filho Alberto (ou António, como Leonor o vê) vinha visitá-la nos dois primeiros anos de permanência naquele lugar de onde se vêem laranjeiras que antes de morrer decidem florir como nunca, apenas para depois… morrerem. E no mundo de Leonor continuava a vir todos os meses. No mundo do real (seja lá o que isso for), já se haviam passado sete anos desde o último encontro). Religiosamente, Leonor vestia-se a preceito para estar sentada no banco de jardim, sozinha, a falar sobre a neta, a nora, o filho.
Fernanda é o arquétipo de mulher de armas, revoltada interiormente e dessa revolta alimentando a sua força. Os filhos não a visitam pela simples razão de estarem no estrangeiro. Ou também assim não será? Viverão as duas num mundo imaginário?
E a empregada (Paula Lobo Antunes) que está grávida de um tal Luís que o mais certo é não ser o pai da criança? Será ela real?
Reais foram as palmas emocionadas do público perante a chegada do filho Alberto (Álvaro Faria), como se a plateia se projectasse no drama tão familiar a que assistia, desejando, de forma ardente, o regresso do filho pródigo para poder continuar a tarde de Domingo em descanso, com a esperança de que a velhice trará amparo, afago e carinho.
Retrato bem-humorado, inteligente e mordaz da velhice na Europa e nos ditos países “civilizados”. E sim, o Natal nos lares deve ser mesmo triste. Felizmente (ainda) não é Natal.
Não fora o riso, o assunto seria sério. Talvez o seja.

14 comentários:

Anónimo disse...

Olá de novo, estou a ver que este cantinho é muito ligado às artes :-) felizmente para mim que também sou fã de boa arte, teatro, um bom musical, uma boa orquestra claro sem faltar o som de um bom piano e o fabuloso e rei dos instrumentos musicais aquele que faz o nosso coração chorar como as suas cordas: violino!
Sou amante de um bom musical...com vozes que me elevem ao Céu! Na verdade sou amante da vida! Pois amo tudo!Àcerca do "felizmente não é Natal" sem dúvida que é uma época triste...e quem mais sofre tb penso que são os idosos nas ditas casas de abrigo, mas que de porto de abrigo nada têm! Por vezes atraves da ironia mostramos ao Mundo os seus males!
Um bj Sony

Joaninha disse...

Deve ser uma peça com um realismo um bocado pesado e talvez sobre um tema que ainda é tabu - a velhice. Uma boa crítica.

S. disse...

Talvez falar a sério a brincar seja um método honesto de tocar nas feridas, aplacando-lhes o excessivo sentimentalismo.

Mundos imaginários, todos temos. Às vezes, mais credíveis, mais reais. [O que é o mundo senão a percepção que temos dele?]

Parece-me perspicaz esta crítica digna e bem-humorada ao fenómeno do "invernecer" no mundo ocidental.

Bem-haja a sugestão.

verde disse...

Gostei muito da crítica. O tema da velhice pode ser um tema assustador quando se refere à velhice em solidão. Há duas semanas no novo programa de António Barreto, "Portugal - um retrato social" foi muito focado este problema. Não sei se viram, eu fiquei com um nó na garganta. A ideia que tenho é de que em termos gerais a actual geração dos nossos avós, os velhinhos de hoje, foi uma geração muito castradora para a geração dos nossos pais. Talvez por isso as pessoas fiquem mais abandonadas, porque os laços afectivos são frágeis. Talvez a nossa geração seja diferente (espero) e arranje novas soluções para que os velhos, antes considerados mestres, sábios, conselheiros, recuperem o seu estatuto. Talvez a nossa geração consiga que se sintam de novo úteis e importantes, porque de facto o são.

Anónimo disse...

"Velhos são os trapos" (vulgo).
Frase mais idiota e eufemística que conheço.
Velhos são os velhos. Essa é a verdade.
E enquanto que em África e no Oriente, os velhos são sinónimo de sabedoria e alvo do respeito dos mais novos, no Ocidente, eles são desrespeitados, abandonados e considerados um fardo e uma inutilidade pela sociedade e pela própria família.
Adorava ver a peça, apesar, da tua esclarecida sinopse.
É um tema que me toca muito, e me preocupa, por ver o egoismo e a displicência dos mais jovens.
E não é por ser ou não Natal, é pelo quotidiano dessas pessoas que morrem mais de solidão do que de qualquer doença.

Anónimo disse...

Ia sugerir-lhe "O saque", mas já não está no TNSJ. Só mesmo no Centro Cultural de Belém, de 18 a 21 de Maio.

MR

x disse...

passei ontem pelo rivoli e vi na fachada o anúncio, agora estou convencida. custa-me cada vez mais ver o quanto ficamos sós à medida que os anos vão passando por nós deixando as suas cicatrizes.dói-me.
obrigada pela sugestão.*

Anónimo disse...

Oi,adorei a sua página.Parabéns!!!

rtp disse...

Subscrevo inteiramente a tuas belas palavras! O texto do dramaturgo valenciano, Carles Alberola é bastante bom (para o género em questão: de entretenimento não demasiado pesado), a interpretação, em especial das duas protagonistas é excelente(a Paula Lobo Antunes manifesta uma grande evolução desde o trabalho televisivo da "Morgadinha dos Canaviais"; por outro lado soube-me bem rever Álvaro Faria que recordo de séries televisivas dos anos 80: Duarte & Companhia, por ex.)e o tema versado é, sem dúvida, pleno de interesse. O modo como é tratado, com uma tonalidade cómica perpassada por um travo dramático, é digno de aplauso. O espectador diverte-se durante as duas horas de espectáculo, e sai de lá com o coração cheio, cheio de reflexões, lições, resoluções, ....
Retive várias passagens do texto. Deixo aqui (aproximadamente, pois cito de memória) três interessantes pedaços ditos pela personagem de Lourdes Norberto: "Deus é um dramaturgo de segunda; é óptimo a escrever primeiros actos e a criar expectativas; mas descura sempre os finais felizes"; "As pessoas não morrem de velhice. Morrem de tristeza" e "Não podemos tirar os sonhos a uma pessoa; são eles que a mantêm viva"

M. disse...

Gostei muito deste texto.

M.M. disse...

Ainda bem que gostaram da peça.
Vai estar novamente em cena a partir de hoje no Auditório Eunice Munoz, em Oeiras.
É óptimo ler aqui o interesse pelo texto. Obrigada.

filipelamas disse...

Cara M.M.,

Muito obrigado pela visita! É uma honra para nós!
Com o seu blog poderemos acompanhar as adaptações cénicas que vai realizando. Está de parabéns!
Continue o excelente trabalho e vá dando notícias, p.f., dos seus projectos.

M.M. disse...

Obrigada, Filipe.
Cá voltarei, claro.

o Reverso disse...

ante ontem, 24.5, fui ao teatro Mário Viega ver "elas sou eu".
ri-me, mas não...
hoje vou ao antigo convento das mónicas: "uma solidão muito ruidosa".
julgo que vou gostar.