domingo, março 18, 2007

Curtas sobre metragens

The last king of Scotland, O último rei da Escócia.
Realização
: Kevin Macdonald.
Elenco
: Forest Whitaker, James McAvoy, Kerry Washington.
Argumento
: Peter Morgan, Jeremy Brock.

EUA, 2006.
Sítio oficial: http://www.foxsearchlight.com/lastkingofscotland/

Arreigada está a ideia, no dito “mundo civilizado”, que o mal de África é o povo africano. Xenofobia e racismo à parte, é esta a plasticidade que europeus e norte-americanos desejavam emprestar à opinião pública mundial em décadas próximas da nossa e, porventura, ainda nos dias que correm.
"O último rei da Escócia" é uma aula de real politik. Um órfão criado pelo exército britânico por entre tarefas menores e sevícias maiores transforma-se em animal de estimação que, na altura conveniente, é militar e economicamente apoiado para derrubar o anterior pet que se encontrava, neste caso, no Uganda. Da ilusão (alguma vez terá existido?) de que Idi Amin Dada (Forest Whitaker) mudará o seu país, fazendo dele um lugar mais próspero e justo, depressa somos conduzidos a uma personalidade doentia, obsessiva, caricatural.
Num outro ponto do globo, o recém-formado Nicholas Garrigan (James McAvoy) anseia fugir da sombra tutelar do pai e parte à aventura (humanitária?) para aquele país africano. Um encontro fortuito transforma-o no filho branco de Amin, projecção de uma terrível infância do Presidente em que o agora médico pessoal do regime representa o papel de pai e de mãe, de porto seguro contra a traição, contra o medo de crescer.
A criança grande evolui para ditador enorme com laivos de genialidade operatória do dia-a-dia (veja-se a conferência de imprensa do “estadista”). O olhar perturbado de Amin tresfolga entre o amor a Garrigan e o ódio pela aparente verticalidade que ele representa. Até ao momento em que o médico imaturo se deslumbra com o luxo reservado a muito poucos no meio do caos e da extrema miséria de quase todos. Aí, deixa de haver personagens boas e más; apenas pessoas e a sua condição.
A representação que fez reverter para Forest Whitaker o Óscar de melhor actor principal surge de modo tão natural como a personagem se densifica ao longo do filme, antecipando-se a enorme dificuldade que Whitaker deve ter sentido ao despir a farda do general Amin.
No final, sai-se com o travo amaro de que a situação política em certas regiões continuará a sofrer condicionamentos exógenos. Nessas paragens, a liberdade do Estado e dos cidadãos individualmente considerados é uma miragem proporcional à riqueza, à corrupção e à podridão de várias potências ocidentais.
Não obstante, ficam os sorrisos das crianças africanas. Ao menos daquelas que ainda reúnem forças para correr atrás de anafados carros presidenciais.

4 comentários:

Contra_producente disse...

Ainda estou para ver a película, mas está para breve. O óscar e as críticas tem que significar qualidade. A ver vamos. Com o fim da Guerra Fria e o desconforto da indústria em pegar no assunto do pós-11 de Setembro, Hollywood anda-se a virar cada vez mais para a história política recente de África.

. disse...

Tomei a liberdade de espreitar este blog. Parabéns pela crítica ao "último rei", sem dúvida muito boa.
Quanto a óscares e críticas ditas "oficiais", deixei de lhes prestar atenção há já algum tempo. Acaba por se revelar um pouco fantochada, apesar de me supreender ocasionalmente. O que normalmente se vê é que filmes como "Danças com Lobos" ganham quando concorrem com outros como o "Tudo bons rapazes". E este ano resolveram atribuir um prémio que quanto a mim foi de carreira ao Sr. Scorcese, que tem filmes maus no currículo, preterindo o autor do Babel,Iñarritu, que conta 3 filmes assombrosos, 21 gramas, Amores Perros e Babel.
Por último, a questão África: sempre que há um atoleiro novo para o mundo ocidental, chamam-se as atenções para outros pontos de crise onde não há tanta visibilidade das pressões "brancas"... É a velha técnica da areia nos olhos...

Anónimo disse...

Tudo verdade. Muito bom mas muito violento, especialmente na parte final.

rtp disse...

Gostei do filme. Retrata cruamente essa terrível endemia - a juntar a tantas outras - que assola África: as lutas intestinas engendradas por um reduzido número de poderosos locais, manipulados (numa sombra mais ou menos visível) por outros com interesses na região. Pena é que sejam sempre os mesmos a sofrer na pele este flagelo. E quer queiramos, quer não, a triste verdade é que, por muitos filmes que se façam, tudo parece demasiadamente longínquo. A vontade de mudança por parte daqueles que algo podiam mudar é sempre diminuta, para não dizer nula.
Quanto à interpretação de Whitaker gostei bastante, apesar de pessoalmente valorizar mais a interpretação em papéis de uma outra jaez. Aliás, o papel era talhado para a consagração nos Óscares.
Apreciei, também, o desempenho de James McAvoy, enquanto Dr. Nicholas Garrigan.