O Poder dos Sonhos, El Poder de los Sueños.
Edições Asa, 2006, 9 €.
São 120 páginas de puro fel, de opróbrio, de ressentimento, de um “anti-americanismo” primário e bacoco. É certo que, de quando em vez, a memória de um companheiro de luta ou o idealismo político de uma sociedade sem classes perpassam o discurso e irrompem a mancha opaca de seguidismo ideológico militante.
Depois de ter lido com agrado o “Ninguém Escreve ao Coronel”, Luís Sepúlveda impressionou-me pela negativa.
São bem conhecidas as posições políticas de esquerda marxista-leninista do escritor e as suas “bicadas” ao “imperialismo”, a sua amizade com Chávez, o ódio a W. Bush e a sua idolatria por Allende, El Camarada Presidente.
Tendo integrado o “governo dos 100 dias”, esta recolha de textos publicados em jornais e alocuções proferidas em acontecimentos de índole cultural ou de pura intervenção política, em nada faz justiça ao título El Poder de los Sueños. Recuso-me a acreditar que eles – os sonhos – possam ser vividos quando se tem uma mundividência maniqueísta entre eles – Rice, Cheney, Rumsfedl (à época), Powell (também à época e descrito como um negro envergonhado da sua origem rácica: «um negro que chegou a empalidecer», p. 56) – e nós, os puristas, os ídolos, os que lutam e acreditam.
Apontar o outro como demoníaco é sinónimo de inseguranças por resolver (irresolúveis?) e de ocultas admirações.
A discursividade de Sepúlveda, baseada em uma armadura conceptual de uma certa esquerda decrépita, vai tombando ao longo do livro. Fica a nu uma perspectiva fechada à globalização e incapaz de perceber que o caminho não passa por acabar com este fenómeno mas, ao invés, aproveitar ao máximo as suas potencialidades e fazer dessa universitas algo que, num puro espírito tributário de valores herdados da Revolução Francesa, transforme monstros arcaicos em clusters – como agora se diz – ou, em “Português emigrantês”, em “desémerdés” criativos. Bem vistas as coisas, Sepúlveda está no Restelo como o Velho, ululando contra a Gesta das Descobertas.
Porque não quero ser equívoco, para o registo conste que não sou de todo fã do actual Presidente dos EUA. Talvez por isso recuso-me a entrar no jogo de reverter nessa figura texana o seu “axis of evil”. É tudo uma questão de estratégia. Não tenho a veleidade de que a minha esteja correcta, mas não é com inconsequentes impropérios de tudo o que é poder temporal que “o sonho pula e avança”. Mesmo quando se tem – como Sepúlveda e tantos chilenos – razões de queixa de ditadores como Pinochet.
Não se trata de branquear a História – essa deve ser feita com a isenção só possível com o imprescindível afastamento temporal dos factos e, como se lê nos manuais, os assassinos devem ser punidos –; pelo contrário, trata-se de passar pela História com a certeza de que ela ocorreu, que com ela se aprendeu e que o caminho é adelante. E não preso ao passado.
Para um escritor, por definição perito em sonhar e nos fazer sonhar, exigir menos que isto é pouco. Mesmo poucochinho.
3 comentários:
Fui presenteada com esse livro este Natal e, confesso, que a falta de tempo ainda não permitiu mais do que uma leitura na diagonal de alguns segmentos.
Não posso deixar, do que li (que ainda é pouco), de concordar que nele perpassa muito de anti-americanismo... Quando ler as 120 páginas posso dizer se é primário e bacoco, como dizes!
O título é, sem dúvida, para estimular à compra!
Aina não comprei!
Dele tenho alguns em casa para ler, quatro ao todo, mas este ainda não medispus a comprar.
Gostei muito de "O Velho que lia romances de amor"
Entretanto vou lendo e transmitisndo as minhas impressões...
Bjo
CSD
Ainda não li. Estive quase a comprá-lo na azáfama consumista de Natal. O título cativou-me e o preço era atractivo. O que tenho lido de Luís Sepúlveda tem-me agradado muito. Ainda assim resisti e deixei o livro na loja.
Do chileno li, então, com gosto "As Rosas de Atacama (histórias marginais)" - colecção de pequenas histórias que encerram (quase) sempre uma interessante lição de vida -, "O velho que lia Romances de amor" - uma hitória pungente eivada de poesia e passada num cenário majestosamente selvagem - e "Encontro de amor num país em Guerra" - conjunto de narrativas imprevistas sobre os "amores e desamores", sobre "heróis e canalhas", sobre as contingências da vida mas a olhar para "uma outra porta do céu".
Vou guardando estas doces memórias até ler "O poder dos sonhos"!
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