domingo, outubro 22, 2006

Karol ou o Papa corcovado

A entrega do Anel do Pescador a Karol Wojtila, no dia 22 de Outubro de 1978, marca o início de um dos pontificados (o 265.º) mais relevantes da História. Não falarei do espírito ecuménico, das desculpas formais por acções e omissões da Igreja Católica (Inquisição e Holocausto, respectivamente), mas destaco sim o intenso trabalho de preparação para uma certa modernidade de uma das mais antigas, pesadas e viciadas instituições do mundo. Não uma modernidade em que a Igreja vendeu ou entrou em saldos quanto ao seu património ideológico. Muito pelo contrário: João Paulo II (Ratzinger?) foi dos pontífices mais intransigentes em questões de fé e de recusa à abertura que muitos movimentos católicos reformistas reclamam.
Contudo, Karol conseguiu ser o Papa das multidões, em grande parte devido ao seu olhar e sorriso enternecedores que desarmavam qualquer um. Mantém-se-me na lembrança a visita a Cuba, em que El Comandante se referia a Su Santidad com um misto de reverência e de quase vergonha.
A aceitação da doença e a mensagem que através de um ser cuja voz mal se ouvia e percebia foi, para mim, o legado mais sublime de João Paulo II: os mais indefesos devem ter lugar nas sociedades modernas. Esta perspectiva interpela-nos e incomoda-nos, porquanto somos bombardeados com a cultura do belo, do rápido, do sucesso. O Papa corcovado foi a desmistificação de tudo isso.
Para quem, como eu e tantos outros, se habituaram a crescer com Karol, ele era quase uma visita de casa, um avô de rosto sereno e que inspira confiança. Um regaço em que tantas vezes desejei repousar.

3 comentários:

rtp disse...

Também eu nutro uma grande admiração pelo Papa João Paulo II e pela obra que (nos) deixou.

Anónimo disse...

Quantas vezes não me questionei sobre o porquê de não resignar, se o condicionariam... O tempo é bom conselheiro e, ainda que a distância não permita objectividade, já se sente saudade desse 'regaço' de que o Filipe fala.

Anónimo disse...

várias vezes me interroguei sobre qual o sentido da exposição pública da fragilidade, até a ter percebido como testemunho de humanidade, numa época em que expulsámos do espaço público as nossas debilidades e nos envergonhamos com todas as fraquezas..