quarta-feira, outubro 11, 2006
Filosofia da treta (I)
A dimensão de Deus é facto alheio ao entendimento humano. Não que isto signifique um divórcio entre a razão e a fé, a ciência e a religião. Muito pelo contrário, a dialéctica é a única via para enfrentar os desafios fracturantes com que vamos convivendo. A ideia de Deus faz o Homem aspirar ao Absoluto sem, todavia, com este se confundir. Absolutizar a aspiração da vida é ultrapassar limites de finitude de sentimentos que nos impedem de aceder ao que realmente importa, mesmo que tal não signifique qualquer perspectiva altruística. Posso ser o mais egoísta e realizar a felicidade dos outros desde que esteja empenhado em construir a minha própria. Se assim é, o egoísmo, entendido no sentido de legítima aspiração ao bem-estar, deve ser incentivado.
Contra uma certa corrente da generosidadezinha e do caritatismo pseudo-cristão, uma moderada – note-se – lógica hedonista pode bem temperar acessos que perturbam a racionalidade do diálogo humano. Deste modo, complexos de culpa e quejandas psicopatologias são aptas a transformar-se em fontes de prazer em estar com os outros numa perspectiva de serviço a si mesmo que, por reflexo, se transmuta em serviço ao alienus. Ponto é que esse outro não seja encarado como portador de uma capitis deminutio. Se o for, nem o indivíduo egoísta encontra um interlocutor capaz de satisfazer os seus instintos mais intra-centrados, nem esse interlocutor tem, pelo menos, a doce (e falsa) sensação de estar a ser alvo de atenção. De objecto necessário ao egoísta e de simulacro de pessoa na auto-concepção desse outro, passa a objecto inútil e desinteressante para o primeiro e a objecto com consciência de si para o outro. E assim nasce um diálogo de surdos condenado ao insucesso.
Ao contrário do que prima facie se julgaria, a paridade é condição essencial para a dialogia. A supra e infra-ordenação só no curto prazo tornam os seres felizes.
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4 comentários:
A "treta" está certamente para quem não conseguir interpretar as suas palavra.
Meu caro, a sua curta e douta exposição fez-me lembrar alguns argumentos dos Utilitaristas. Parte dessa base no raciocínio que apresenta?
Parece-me que há por aqui traços das teorias de Nietzsche sobre o egoísmo. Concordo perfeitamente com estas. Noutro dia houve cá em casa uma grande discussão em torno do egoísmo/altruísmo. Duríssima, quase que me apedrejavam... :)
Hume e os restantes utilitaristas ensinaram-nos a ver o mundo tal como ele é, mas os funcionalistas - seus supostos herdeiros - propalam um relativismo que assusta. Não é nessa linha que me enquadro e, ao que vou lendo do ignotu, penso que também não.
JG: essas conversas em tua casa devem ser o máximo!
Soube-me bem ler esta passagem filosófica (que de barata tem pouco). Já não há temas tabu no nosso blog!
O sabor especial advem de também eu andar a navegar pelo mundo da Filosofia, através do livro que estou a ler.
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