quarta-feira, julho 19, 2006

Escritos do Marquis (I)



Terras do Forno, aos 19 de Julho de 1886
Meu ilustre e prezado amigo Senhor Conde de Alteres,

Escrevo-lhe não apenas pelo subido gosto com que sempre o faço, mas também, perdoe-me o atrevimento, para lhe dar nota de uma melancólica quanto inexorável notícia. Desapareceu hoje do mundo dos vivos aquele comerciante-poeta que ocupou parte das nossas conversas no último estio em que Vossa Senhoria teve a bondade de me acolher em seus domínios com a irrepreensível e secular hospitalidade dos Sotto d’Albuquerque.
Falo-lhe do Senhor Cesário Verde. Depois de uma derradeira viagem a Paris, a maleita colectiva que a todos nos traz em cuidados ceifou tão jovem ser. Não lhe fora suficiente o desgosto da morte dos irmãos, pais e mesmo de um filho, a Farpa que Ramalho Ortigão lhe lançou, comparando-a a Baudelaire e jogando de forma desabrida com o que de mais nobre um homem tem: o seu nome. Tal ignomínia será, por certo, vingada por amigos como os Senhores Silva Porto, Malhoa ou Columbano.
«Poeta de jornal», oiço alguns apelidarem-no! Que El-Rei nos não escute e que a presente missiva lhe seja entregue com o meu selo intacto, mas aquele fundo de res publica que de Vossa Senhoria não consigo nem ouso esconder, invade-me qual doce prazer quando vislumbro as puras letras em jornal, mesmo que o povo o não saiba ler e sempre que recordo a troça do Senhor Cesário Verde àquela estirpe de gente que se diz da burgeoise. E mesmo em relação àquela outra ordem que me traz com o tempo desalentado, o bom Senhor Cesário teve palavras certeiras, na excelsa homenagem ao imortal Camões, publicada num jornal com sede na cidade à qual melhor assentaria o título de capital do Reino: «Duas igrejas, num saudoso largo,/Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:/Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,/Assim que pela História eu me aventuro e alargo.»
Meu bom amigo e Senhoria nossa: a pena também ela me desfalece e não obstante o tempo ledo que em minhas propriedades assentou arraiais, é sempre com o coração pesado que vejo partir um cultor das letras (mesmo que com arrebiques de vendedor de maçãs e vinhos), principalmente quando o Senhor Cesário Verde sentenciou o que venho afirmando com palavras mais prosaicas – Reino este que é «foco de mandriice e de asneiras»!
Creia-me, como sempre, Senhor Dom Manoel d’Albuquerque, atento e venerando Vossa Senhoria e ilustríssima Família,


António de Mendes Castro e Themudo, Marquis de Terras do Forno.

1 comentário:

Pato Torres disse...

thanks!!
pero no ablo en portugues!
pero gracias de todos modos!
se note mui interezante tu
blog!
cuidate!