quarta-feira, dezembro 07, 2011

A marca na pele de um estilo

O estilo é inconfundível: grandes planos, filmagens ao sabor de um respirar ora lento ora ofegante, a crueza da realidade e o abandono de efeitos especiais que, muitas vezes, só existem para esconder a mediocridade. Almodóvar em grande estilo, porventura não na sua obra-prima mas, claramente, em registo muito acima da média.
Prova o realizador, uma vez mais, que o cinema europeu não tem de ser chato para ser profundo, não tem de ser escuro para tratar de questões complexas. Almodóvar permanece encantado com a loucura humana, com o sentimento de perda que a morte sempre provoca e com a miríade de matizes que todos nós encontramos para com ela lidar. Umas mais saudáveis, outras, como aqui, do reino do patológico.
Dir-se-ia, ademais, que o realizador encontra a modernidade ou que esta última, por fim, alcançou Alomodóvar. As manipulações transgénicas, a mudança de sexo (ainda que forçada), a habituação a um corpo novo, a uma pele resistente ao fogo, nada mais são que metáforas modernas de angústias seculares: como reconhecermo-nos no e pelo corpo em que habitamos?
A resposta parece estar na frieza e na crueldade como nos vamos tratando nestes tempos que se dizem “civilizados”. A proposta do argumento passa, todavia, por uma crítica mordaz das relações humanas, por uma espécie de odor pútrido de carne que, de tanto feder, ameaça consumir a alma.
Excelente representação de Elena Anaya e bom papel de Banderas, neste reencontro com Almodóvar passados vinte anos de películas tão ousadas quanto polémicas.
Ah! Claro! O sexo. Esse continua em A pele onde eu vivo. Não poderia deixar de gritar “presente” na filmografia a que nos referimos. Porém, é agora mais suave, mau grado cenas que poderiam ser menos explícitas. Não por um qualquer puritanismo serôdio, que “não nos assiste” (expressão tão em voga…), mas apenas e tão-só porque o velado é, quase sempre, mais provocante e produtor de fenómenos imaginários mais profundos.
Confesso que abandonei a sala com um estranho aperto. Não na pele, mas em todo o peito. Porventura ainda não estarei bem na pele em que habito ou, talvez, hipótese mais provável, seja apenas o efeito de Almodóvar que tanto admiro: nunca me deixar indiferente ao que realiza, ao invés do “mundo maravilhoso de Hollywood”.


Sem comentários: