sábado, janeiro 24, 2009

Curtas sobre metragens - dois em um

Primeiro, “A Onda”.
Enquanto obra cinematográfica talvez não mereça um destaque especial. Mas, com uma linguagem singela e um tom experimental - talvez um pouco naif (para não dizer linear e redutor) - apresenta uma ideia interessante e dá o mote para uma reflexão que ultrapassa em muito a história que, no filme, é contada.
O repto é o estudo da Autocracia. A abordagem heterodoxa do tema por um professor de Ciência Política – que é também treinador da equipa de pólo aquático! – segue de perto o método científico-experimental.
Identificado o problema, a hipótese é formulada sem hesitações: o surgimento de um sistema autocrático na Alemanha actual é uma impossibilidade. A questão podia ser colocada relativamente a outro país ocidental (e foi-o, em meados do século passado, numa escola californiana, por um professor americano, numa experiência real que serve de base ao argumento do filme), mas ganha um significado especial naquele que ainda não esqueceu o seu passado fascista.
Com uma semana apenas para concluir o projecto, passa-se, de imediato, à fase experimental que confirmará ou infirmará a hipótese.
Alinham-se os elementos para uma criação controlada de um sistema autocrático. Identifica-se o ambiente propício: as más condições económicas e sociais, o desemprego crescente, a pobreza grassante, as injustiças várias, e ... a tristeza, muita tristeza. À míngua de alguns destes factores nas vidas dos jovens cientistas, servem, para o mesmo efeito, as suas famílias disfuncionais, os desequilíbrios emocionais, o vazio afectivo, as dificuldades escolares, os problemas de integração cultural e até o tédio gerado por conforto em excesso.
Depois elege-se democraticamente um chefe carismático a quem obedecer e exorta-se à adopção de uma postura alinhada, uma respiração controlada, e um ritmo cadenciado nos movimentos. Assim se ganha o Poder pela disciplina.
De seguida, há que promover a União. Um uniforme (camisa branca), um nome (A Onda, pois Tsunami pareceu exagerado) e uma saudação, potenciam o sentimento de pertença ao todo com anulação da individualidade.
Por fim, há que acrescentar o poder através da Acção.
Ora, aí o cadinho revela-se demasiado pequeno. A Onda galga as paredes do laboratório. Quem é capaz de escapar ao seu poder?
Os resultados acabam por ser desastrosos.
O filme acaba aí. Esquece (ou não?) as fases finais de interpretação dos dados e de extracção de uma conclusão.
No écran, a sucessão apressada de acontecimentos soa a demasiado artificial. É tudo muito simples, demasiado simples. Acontece tudo numa semana. Só na ficção! Talvez com mais tempo ...

Depois, “Vicky, Cristina, Barcelona”.
O novíssimo do Woody Allen agradou-me, mas não me deslumbrou. A tarefa de definir, em pouco mais de 90 m, o que é o amor, estava naturalmente votada ao insucesso. Apesar de serem muito mais minutos do que os 12 que durava o filme sobre o mesmo tema feito por uma das protagonistas (Cristina interpretada pela Scarlett Johansson).
Numa dicotomia à la “Sensibilidade e Bom Senso”, a comédia dramática oscila entre os méritos da estabilidade e da previsibilidade, por um lado, e a superioridade da aventura e da loucura, por outro (e aí entra o pintor Juan António apresentado por Javier Bardem, e sobretudo uma tresloucada Maria Helena muito bem interpretada por Penélope Cruz).
Apesar das boas interpretações, da comicidade permanente, do final curioso, e da cidade de Barcelona (e Oviedo, já agora!) como pano de fundo, parece faltar qualquer coisa.

3 comentários:

filipelamas disse...

Duas excelentes análises! Os filmes já estão apontados!

Joaninha disse...

Mesmo sem ler o teu texto, escrevi o meu sobre o mesmo filme. E o engraçado é que escolhemos a mesma imagem e salientamos os mesmos pontos fortes (ainda que não sejam muitos) do filme. :)

rtp disse...

Pois é!:-)
Já fui ler o teu post!
Mas eu esqueci-me de fazer uma referência - que tu fazes! - à banda sonora! Muito boa, mesmo!