Mário Cláudio, Boa Noite, Senhor Soares,
Publicações Dom Quixote, Lisboa: 2008, 10 €.
Ainda não tinha lido nada de Mário Cláudio. Estreei-me agora com o “Boa Noite, Senhor Soares”. Uma excelente estreia!
A ideia é original: como veria um jovem companheiro de trabalho de Fernando Pessoa esse ser misterioso, sério, quase sombrio, tantas vezes austero e outras demasiado humano? Se a isto acrescentarmos o facto de Mário Cláudio cobrir a personagem com o véu de um outro nome – Senhor Soares –, com uma diversa profissão (tradutor de uma empresa comercial e habilidoso na arte de guarda-livros), temos o ambiente criado para uma história de desenvolvimento de um jovem homem que vai crescendo a admirar aquela criatura tão culta, a com ela sonhar durante a velhice e, até certo ponto, a desejar a sua redenção através do Senhor Soares.
O Autor não foge, embora de jeito subliminar, a questões como as da orientação sexual do Poeta, da sua solidão ou até de certos comportamentos erráticos. Tudo em linguagem clara, cristalina, aqui e além colando-se ao estilo pessoano. Sente-se Lisboa, as suas ruelas, o Bairro Alto, a pequenez e a alegre e honrada pobreza de um Portugal ainda mais atrasado, situado nas décadas de 20 em diante do passado século.
Morre o Senhor Soares. Um cortejo de heterónimos desfila ao lado de excelsos desconhecidos. O narrador sobrevive uma velhice como tantas outras. Uma sensação de dever cumprido enche-nos a alma.
Como “bónus”, o leitor é presenteado com a versão da “Medeia” de Eurípedes por Mário Cláudio. Boa ideia original: Medeia é uma decadente actriz em busca de subsídio do Ministério da Cultura, digerindo o facto de Eurípedes a ter transformado para sempre na horrível mulher que, por despeito em ter sido trocada, mata os seus filhos.
Boa ideia, de facto, mas pobre desenvolvimento, principalmente num monólogo em que se vive da extrema força que o texto deve conter. O desafio era enorme e Mário Cláudio parece ter acusado o nível de exigência.
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