sábado, março 22, 2008

Das Tripas ao Coração


Lê-se de um fôlego. Apesar de já ter alguns anos, datando do Porto 2001, «Das Tripas ao Coração» é uma antologia trilingue (Português, Inglês e Francês) de poemas de autores do Porto ou que com esta cidade têm uma ligação especial, organizada por Egito Gonçalves e Rosa Alice Branco (Campo das Letras, Porto 2001, Porto: 2001).
O título diz muito deste nosso Porto: as tripas são o elo gastronómico com a cultura do coração, daquele granítico e tantas vezes bruto e brutal som da cidade que nos embala umas vezes e nos estremece outras. A escolha de mais duas línguas tenta demonstrar que o Porto, apesar de ainda preso a algum provincianismo de que se queixava Garrett, tem uma legítima pretensão de universalidade.
Deixo a minha própria selecção:

As palavras

São como um cristal,
As palavras.
Algumas, um punhal,
Um incêndio.
Outras,
Orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
Barcos ou beijos,
As águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
Leves.
Tecidas são de luz
E são noite.
E mesmo pálidas
Verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
As recolhe, assim,
Cruéis, desfeitas,
Nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

Compêndio

Dizias: daqui o mar parece
Uma tarântula
Azul. Eu respondi:
Vermelhas
São as flâmulas
Das algas e o fermento
Das águas.
Escrever
É isso: fazer
Da vida uma pauta
E um compêndio de espuma.

Albano Martins

1 comentário:

P disse...

A poesia a acender-nos a alma, sempre as palavrsa, sempre a poesia.
Um abraço
p.