domingo, outubro 01, 2006

Pintado de fresco (V)

Aviso: Este é o 5.º episódio de uma novela da vida moderna escrita a quatro mãos entre mim e a rtp.
Bernardo estava especado a olhar para Margarida. Um sorriso nervoso fugia-lhe por entre os lábios. Na casa dos 25, loiro, de olhos azuis, encorpado, era um Adónis dos tempos modernos. De fato escuro, gravata vermelha, com gel no cabelo e de olhar terno, pensava agora para consigo que só Margarida conseguia que as suas mãos gelassem perante a ideia de a encontrar.
-Olá, Bernardo! Por aqui? Tens a certeza de que não te enganaste na festa? Olha que aqui não há caviar…
-Típico comentário… Vá, deixa-te disso! A festa da Tempo está uma daquelas secas… Ah! Tirando a parte em que a minha chefe deu um estaladão na cara de um armante qualquer com quem ela andou metido…
-Sempre a cortar na casaca… Ora aí está o Bernardo da escola secundária…
Depois de alguma conversa e de uns quantos copos de tinto bem bebidos, Margarida deu-se conta de que estava nos braços daquele que sempre fora um apaixonado por si. No momento em que os lábios de ambos se tocaram, múltiplas interrogações assolaram a jornalista. Decerto arrepender-se-ia de sucumbir agora aos encantos de um filhinho da mamã rico, exactamente o oposto de Rodrigo, o pai do filho que perdera a meio de uma gravidez tumultuosa, há quase dois anos.
«Sim, onde estaria aquele estupor do Rodrigo?», pensava Margarida enquanto se agarrava cada vez mais a Bernardo.

Mário acabara por entrar no seu bólide. Estava de rastos. Madalena fizera-o relembrar o quanto sofrera naqueles quatro meses em que partilhara a sua casa com aquela mulher. Amava-a como nunca amara, mas não perdoava traições. Quando descobriu Madalena enrolada com o presidente do conselho de administração da consultora em que ele próprio trabalhara, decidiu não perdoar. Expulsou-a de casa e afrontou o traidor. Como forma de comprar o silêncio, o presidente arranjara-lhe uma promoção.
-Um par de cornos vale uma promoção… – dizia Mário em voz baixa, enquanto duas grossas lágrimas rolavam pela face em direcção ao queixo, terminando o seu percurso na aba do smoking.
De repente, uma energia fulgurante acordara-o do torpor em que por vezes caía. Afinal, havia decidido naquela manhã não mais ter pena de si mesmo. Limpou as pistas do desespero e olhou para o lado. A vespa ainda se encontrava ali. A miúda que a conduzia tinha-o impressionado. Sempre gostara de mulheres joviais e com a alegria contagiante que aquela parecia ter.
Saiu do bólide, chamou o arrumador que entretanto estava a contar os trocos para a dose da noite e entregou-lhe um bilhete enrolado numa nota de 20.
-Entrega isto à dona desta vespa. Ouviste? Tens aqui dinheiro. Olha que é importante!
Meio envergonhado, Mário arrancou em grande velocidade, quase galgando um passeio cheio de estudantes trajados. Ouviu uns impropérios e começou a contar os copos de whisky que emborcara.
Amílcar – assim se chamava o arrumador – não resistiu a ler o escrito. «Desculpe a minha falta de educação. Foi uma noite complicada… Gostava de a conhecer. Sei que não é nada ortodoxo, mas deixo-lhe o meu telemóvel».
-Que tanso! Sai-me cada cromo… Eu é que meto prá veia... – balbuciou Amílcar através dos raros e podres dentes que exibia.

5 comentários:

rtp disse...

Bem, bem... agora encontro-me eu um pedaço preocupada.
Evolução inesperada e repentina! Vai ser dificil prosseguir!
Novas personagens interessantes... o Bernardo promete! :-)

Anónimo disse...

Esta novela da vida moderna está a ficar cada vez mais sumarenta. O que acontecerá no próximo episódio apenas rtp pode revelar, mas deixo aqui um pedido: não façam do arrumador andrajoso e desdentado o cupido que une os destinos de Mário e Margarida (se é que é esse o desenvolvimento próximo da história). É preferível que ele atire ao Rio Douro o despudorado bilhete de Mário e que o encontro dos protagonistas ocorra em circunstâncias mais poéticas!!

rtp disse...

O teu pedido está registado. E os pedidos de Rocky, para mim, são ordens. :-)
O próximo episódio está a a ser burilado (gosto desta palavra) com imaginação e MUITA poesia!

filipelamas disse...

Meu caro Nuno,
Obrigado pelas suas simpáticas palavras! A ver vamos se o Amílcar entra num programa de recuperação. Um pouco de moralismo fica sempre bem e podia ser que conseguissemos um patrocínio de uma qualquer indústria farmacêutica...
Abraço.

rtp disse...

Caro Nuno, é com agrado que vejo que segues o nosso blog com interesse. Quanto à novela, todas as ideias são bem acolhidas. Aliás, temos tido sugestões muito interessantes.
Os novos desenvolvimentos deixaram-me preocupada. Este Bernardo..., o bilhetinho..., o drama do toxicodependente.... E, meuz amigoz zzzz, a gravidez interrompida.... Tudo vem dificultar a continuação da história. :-) Mas está garantido: O novo episódio será publicado em breve.